“É racismo inercial: negros jogam futebol, mas não são vistos como
capazes de ‘pensar futebol”, define Hélio Santos
por Pedro Borges
no The Intercept – Sociedade e Racismo
Brasil,
Marrocos, Irã, Nigéria, Costa Rica, Egito… Ainda que boa parte dos
jogadores desses times passe longe do padrão branco europeu, quase todos os
treinadores das 32 seleções que chegaram à Rússia para disputar a Copa do Mundo
são brancos. E há apenas um treinador negro: Aliou Cissé, que comanda a equipe
senegalesa.
Se dentro
do campo as estrelas, com frequência, não têm cabelos louros e olhos claros, do
lado de fora é difícil encontrar quem fuja desse padrão. Junto ao Senegal, só a
Tunísia, comandada por um árabe, Coreia do Sul e Japão, dirigidas por
asiáticos, ameaçam o padrão europeu.
Ex-jogador
e capitão da equipe que levou o Senegal às quartas na Copa de 2002, Cissé é
também o técnico com o menor salário anual de todos os 32 times que disputam a
Copa na Rússia.
De acordo
com uma reportagem do canal de TV holandês “Zoomin”, reproduzida pela BBC
África, ele aparece em último na lista que tem o alemão Joachim Löw em
primeiro lugar, seguido por Tite. Enquanto Cissé recebe cerca de R$ 850 mil por
ano, o treinador da seleção brasileira ganha 16 vezes mais — cerca de R$ 14,5
milhões.
No
futebol, diz o professor e pesquisador da Unicamp, Osmar de Souza Jr, acaba
prevalecendo a mesma lógica “patrão/peão” do mundo empresarial, onde quem
manda, quase sempre, é branco.
Um dos
precursores da política de cotas no Brasil e presidente do Instituto Brasileiro
de Diversidade, Hélio Santos, diz que a falta de treinadores negros vai além da
qualificação, já que “os treinadores, [geralmente ex-jogadores] brancos não são
‘intelectuais’ do futebol”.
Acaba prevalecendo a mesma lógica
“patrão/peão” do mundo empresarial em que quem manda, quase sempre, é branco.
Treinar
equipes, diz Santos, sugere ‘racionalizar’ técnicas futebolísticas, e é nessa
racionalização que entra o racismo. “Infere-se que para treinar há que pensar e
refletir. Tudo aponta para uma síndrome racista que não vê o negro nessa
posição, mesmo sendo ele exímio craque”.
A própria
história da Seleção Brasileira é um exemplo dessa lógica. Mesmo com craques
como Pelé, Garrincha e Romário, o time, hoje comandado por Tite, gaúcho e de
origem italiana, nunca foi à Copa tendo um negro à frente da equipe. Em
amistosos ou competições de menor relevância, o Brasil só teve um treinador negro
em seis oportunidades.
“Negros jogam futebol, mas não
são vistos como capazes de ‘pensar futebol.”
A
primeira, em 1959, quando o pernambucano Gentil Cardoso fez um combinado das
equipes locais para disputar o Sul-americano. Foram cinco jogos, um terceiro
lugar, e uma demissão depois de 23 dias. Até o fim da vida, Gentil dizia que
não teve mais espaço na seleção porque era preto.
A última
vez foi há 26 anos, quando Ernesto de Paulo comandou o Brasil contra País de
Gales, de forma interina, depois da saída de Paulo Roberto Falcão.
“É
racismo inercial: negros jogam futebol, mas não são vistos como capazes de
‘pensar futebol”, define Hélio Santos.
https://theintercept.com/2018/06/17/copa-treinadores-brancos-racismo/