Essa semana, Valentina e o marido se envolveram na campanha promovida
pelo padre Julio Lancellotti para arrecadar álcool gel e distribuir entre as
mais de 20 mil pessoas em situação de rua em São Paulo. Mais do que contribuir
com doações, Valentina pretende participar da entrega do produto nesta
quinta-feira (19/março). “Vejo ele se mobilizando de uma maneira especial, é um
homem que tem um olhar muito humano. Ficamos bem tocados, para a população de
rua não há quarentena”, destaca
por Luciano Velleda no Sul 21 – Sociedade e Solidariedade
em Meio ao Caos
Em tempos de crise causada pelo
coronavírus, o dono da livraria Taverna foi surpreendido pelo gesto de uma
cliente. Foto: Reprodução Sul21/Facebook
Ederson
Lopes sabe que os meses de verão são fracos na venda de livros, experiência
acumulada nos cinco anos desde que abriu a livraria Taverna,
localizada no centro de Porto Alegre. A chegada do mês de março costuma ser
aguardada para virar o jogo e levantar o faturamento, impulsionado pelo início
das aulas das faculdades e a maior movimento com o fim das férias escolares. Em
2020, todavia, março não começou como se esperava. O boleto do aluguel da
livraria, com data de vencimento no dia 5, não pôde ser honrado. Para piorar a
situação, a capital gaúcha registrou os primeiros casos da pandemia de coronavírus
e o medo de circular pelas ruas começou a afastar ainda mais os clientes.
Na última
terça-feira (17/março), a livraria tinha mais um dia de movimento fraco quando,
por volta das 16h, o telefone tocou. Ederson Lopes atendeu e, do outro lado,
uma vizinha e cliente foi logo adiantando se podia fazer uma pergunta
indiscreta e lascou: “Qual o valor do aluguel?”
Numa
fração de segundos, Lopes pensou que ela iria oferecer algum novo ponto, talvez
com valores mais baixos ou algo assim. Ele respondeu. O custo do aluguel da
livraria Taverna não é baixo. “Então, se puder, me passa a sua conta que vou
pagar pra você”, disse a vizinha e cliente.
O dono da
Taverna ficou sem reação. Se fosse algum parente ou amigo próximo, até seria
mais fácil entender o gesto. Mas não era o caso. Embora cliente, a mulher que
estava ali se oferecendo para pagar o aluguel é daquelas que aparecem a cada
dois meses, diferente de outros clientes mais assíduos e com os quais Lopes
desenvolve uma relação mais próxima. “Fiquei uns segundos sem saber o que
dizer”, lembra ele.
Em
seguida, agradeceu, mas destacou que não saberia quando poderia retribuir
financeiramente o pagamento. “Não precisa pagar, é um presente, não quero nada
em troca”, afirmou a vizinha, ressaltando que a presença da livraria na rua é
importante para ela.
Quase 24h
depois do ocorrido, o dono da livraria Taverna ainda se emociona com a situação
inesperada. “Foi incrível, ainda mais num momento pesado politicamente e agora
com o coronavírus, todo mundo vindo de anos pesados, sem um norte exato. Uma
atitude dessa de solidariedade é incrível”, afirma Ederson Lopes. “Pior que não
vou nem poder dar um abraço nela, ao menos não agora”, completa.
Formado
em Sociologia, ele avalia que todos podem se ajudar nesse momento de
dificuldade causado pela pandemia de coronavírus. Para Lopes, situações
críticas como a atual tendem a se apresentar como oportunidades para ações em
prol do outro. E embora demonstre extremo carinho com o gesto que o beneficiou,
o dono da livraria diz que ele, assim como tantos outros comerciantes, precisam
mesmo é de medidas do Estado para superar as agruras que virão. “Muitos
comércios podem vir a fechar. Estou apreensivo”, alerta.
Eu posso ir fazer compras para vocês
A
solidariedade que moveu a cliente da livraria Taverna tem se espraiado também
por outras vizinhanças. Aqui e ali surgem relatos de pessoas colando cartazes
em elevadores e se oferecendo a fazer compras em mercados ou farmácias no lugar
de outras consideradas grupo de risco do coronavírus, como idosos.
Foto: Reprodução Sul21/Facebook
É o caso
de Alexandra Zanella, de 38 anos, que no último domingo (15/março) viu o exemplo
de um italiano que colocou bilhete no prédio em que mora e se dispôs a fazer
compras para quem precisasse. Jornalista, trabalhando de casa em função da
pandemia, Alexandra gostou do exemplo e decidiu “comprar a ideia”. “Estou bem
de saúde, em casa, não sou grupo de risco, sou privilegiada, então posso
ajudar”, explica.
Na
segunda-feira (16/março) pela manhã, ela escreveu o bilhete e colocou no
elevador. Horas depois, duas senhoras idosas usaram o interfone para agradecer.
Elas disseram que ainda não estavam precisando ir à rua, mas que já se sentiam
mais seguras e protegidas. Uma vizinha de porta também apareceu para agradecer
e manifestar felicidade em saber que poderia contar com alguém.
“Precisamos
olhar coletivamente, tirar o olho do umbigo”, afirma Alexandra Zanella,
proprietária da agência de conteúdo Padrinho. “Eu se ficar doente posso me
tratar em casa, o problema é que um pode levar (o vírus) para o outro e esse
outro não vai sobreviver”, reflete, dizendo ter ficado abalada com as notícias
de que médicos italianos estão tendo que escolher quem vive e quem morre nos
hospitais superlotados. “Isso bate fundo no coração. É um momento crucial de
olhar o coletivo”, afirma Alexandra.
Sua
iniciativa no prédio onde mora, por esses caminhos das redes sociais, chegou
até um homem em Curitiba. Ele entrou em contato com ela e disse que faria o
mesmo no local em que vive. Um efeito dominó que Alexandra acredita ser
possível em momentos de grande crise, de modo a florescer coisas boas em meio a
intempérie.
Álcool gel para sem-teto
Morando
em São Paulo há cerca de um ano, Valentina Bittencourt admira o trabalho do
Padre Júlio Lancellotti não é de hoje. Na capital paulista, o padre é um
conhecido defensor da população em situação de rua, há décadas comprando brigas
e exigindo políticas públicos dos mais diferentes governantes que a cidade já
teve, da esquerda à direita.
Essa semana, Valentina e o marido
se envolveram na campanha promovida pelo padre para arrecadar álcool gel e
distribuir entre as mais de 20 mil pessoas em situação de rua em São Paulo.
Mais do que contribuir com doações, Valentina pretende participar da entrega do
produto nesta quinta-feira (19/março). “Vejo ele se mobilizando de uma maneira
especial, é um homem que tem um olhar muito humano. Ficamos bem tocados, para a
população de rua não há quarentena”, destaca.
Valentina
diz que contribuir com campanhas de doações já é uma prática em sua vida.
Agora, na crise do coronavírus, ela tem adotado também outros comportamentos,
como priorizar as compras nos pequenos estabelecimentos comerciais do bairro
onde mora. Um modo, explica, de colaborar na renda dos pequenos comerciantes,
normalmente sem condições financeiras de enfrentar o baque econômico que se
projeta. “Quem não ficar contaminado, vai ficar em casa cheio de boleto.”
Editoria: Geral, z_Areazero
https://www.sul21.com.br/ultimas-noticias/geral/2020/03/gestos-de-solidariedade-comecam-a-surgir-em-meio-a-pandemia-do-coronavirus/