Na
avaliação de especialistas, a omissão do Minist. do Meio Ambiente em acionar o
plano de contingência é parte do desmonte das políticas de meio ambiente na
gestão Salles. “A política ambiental do governo federal é catastrófica. Difícil
apontar uma política ambiental no Brasil que foi pior do que essa, independente
de partido ou período econômico. É uma inércia generalizada”, afirma o
pesquisador da USP Ricardo Menghini
por Marcella Fernandes no site Desacato
– Sociedade e Descaso com Questões Ambientais no Brasil
“O que a gente está vivendo no litoral do Nordeste
é algo assustador. Uma tragédia. A gente nunca viu nada parecido na vida, então
é muito difícil estimar qualquer impacto. Qualquer informação agora vai estar
sendo brutalmente subestimada porque há um volume muito grande de óleo que está
chegando ainda às praias.”
O depoimento é do oceanógrafo e professor
Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Claudio Sampaio, que tem atuado na
mobilização para retirar o óleo que atinge todos os estados nordestinos. É o
maior desastre desse tipo em termos de extensão da costa brasileira. Dos 8,5
mil quilômetros costeiros, mais de 2 mil foram atingidos.
O desastre ambiental se arrasta há mais de um mês e
como o Ministério do Meio Ambiente não acionou o Plano Nacional de Contingência
para Incidentes de Poluição por Óleo em Água, o trabalho tem sido feito de
forma não articulada e majoritariamente por voluntários, muitas vezes sem a
proteção adequada. Por isso, a conduta do ministro Ricardo Salles é
crítica unânime entre os ambientalistas.
“O óleo cru causa irritação. Pode causar quadros
alérgicos. Há voluntários sem luva, sem sapato adequado. Muitas vezes sem
máscara ou proteção nos olhos. Isso pode causar irritação das vias aéreas e dos
olhos. Isso tudo deve ser muito bem informado aos voluntários. Vi foto de
pescador com saco na mão removendo óleo nessas praias. É muito preocupante
isso”, afirma Sampaio, que tem atuado na capacitação em Alagoas.
De acordo com o professor, funcionários das
prefeituras em diversos municípios foram liberados do expediente para ajudar na
retirada do óleo e há uma grande mobilização social no litoral norte alagoano e
no sul de Pernambuco. “São pessoas que muitas vezes vivem da pesca e do turismo
e estão defendendo o seu pão de amanhã”, afirma. Em muitas cidades, o turismo e
a pesca são as principais fontes de renda, ambas gravemente afetadas pelo
derramamento.
Cláudio Sampaio/UFAL: sem o Plano
Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Água, o
trabalho tem sido feito de forma não articulada e majoritariamente por
voluntários, muitas vezes sem a proteção adequada
Impacto Gigante no Turismo do
Nordeste
As consequências do desastre ambiental causam
impacto nas atividades turísticas. “A gente já sabe de cancelamentos de
excursões. Muito gente estava agendando as férias nessa região e mudou de
destino turístico”, afirmou Sampaio.
Nesta sexta-feira (18/out), as manchas chegaram à
Praia de Carneiros, no litoral pernambucano, um dos principais cartões postais
do País. Também foi encontrado óleo em Tambaba (PB), na Praia do Francês (AL) e
em Salvador. Em Fortaleza (CE), a classificação de 11 praias como
imprópria para banho, incluindo a Praia do Futuro, reduziu o movimento das
barracas em torno de 40% no último fim de semana, segundo a Associação dos Empresários da Praia do Futuro (AEPF).
O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, não
se pronunciou sobre o assunto. Ele é alvo de investigação sobre o uso de
candidaturas laranjas nas eleições de 2018.
CLÁUDIO SAMPAIO/UFAL:
derramamento de óleo no litoral nordestino já impacta no turismo. Em Fortaleza
(CE), a classificação de 11 praias como imprópria para banho, incluindo a Praia
do Futuro, reduziu o movimento das barracas em torno de 40% no último fim de
semana
O que é o Plano Nacional de
Contingência Contra Derramamento de Óleo Crú?
Na última quinta-feira (17/out), o Ministério
Público Federal (MPF) entrou com uma ação contra a União por omissão. O
documento pede que o Ministério do Meio Ambiente (MMA) acione o Plano Nacional
de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Água, sob multa de R$ 1
milhão por dia.
Previsto em decreto desde 2013, o plano é um tipo
de guia de como atuar em situações como a que está em curso no Nordeste. Ele
articula a atuação de diferentes esferas. “Considerando a situação atual, o
plano deveria ter sido acionado no dia 30 de agosto ou 2 de setembro de 2019,
quando as primeiras manchas alcançaram a região costeira do Nordeste e até hoje
não fizeram nada”, afirmou Ricardo Menghini, do Instituto Oceanográfico da USP
(Universidade de São Paulo).
De acordo com o especialista, o plano
também estabelece que aqueles ecossistemas mais vulneráveis deveriam ser
priorizados para evitar que sejam atingidos pelo óleo. “Recifes de corais e
manguezais são áreas berçário. Muitas espécies marinhas usam em período
reprodutivo ou de crescimento. São ecossistemas de altíssima biodiversidade. Você
não consegue proteger 2 mil km de costa, mas com um plano desses consegue
priorizar áreas mais sensíveis”, afirmou.
As chamadas Cartas de Sensibilidade Ambiental a
Derramamentos de Óleo (Cartas SAO), elaboradas por gestões anteriores do MMA,
estabelecem quais são essas áreas prioritárias.
Hoje um grande medo dos pesquisadores é que a
mancha chegue até o banco de Abrolhos, onde está concentrada a maior
biodiversidade em recifes no Atlântico Sul.
A dificuldade de retirar o óleo também faz com que
a maré leve o material para outras praias. Além disso, há um impacto do chamado
óleo solubilizado, que não é possível de retirar manualmente. ”Essa parte vai
ficar presente naquele ambiente contaminando pequenos animais, que vão ser
ingeridos por animais maiores, que vão entrar na cadeia alimentar e vão acabar
impactando de maneira silenciosa boa parte da vida marinha”, afirma Carlos
Sampaio, da Univ. Federal de Alagôas.
De acordo com Ricardo Menghini/USP, a
única forma de atenuar os impactos negativos nesse caso é a própria diluição do
óleo. ”É esperar que ele seja carregado para longe da costa e seja solubilizado
pela grande quantidade de água nos oceanos”, afirmou.
O número de animais mortos por causa do
derramamento de óleo contabilizados pelo Ibama chegou a 14 nesta semana, sendo
13 tartarugas e uma ave.
Problemas na Política Ambiental no Brasil?
Na avaliação de especialistas, a
omissão do MMA em acionar o plano de contingência é parte do desmonte das
políticas de meio ambiente na gestão Salles. “A política ambiental do governo
federal é catastrófica. Difícil apontar uma política ambiental no Brasil que
foi pior do que essa, independente de partido ou período econômico. É uma
inércia generalizada”, afirma o pesquisador da USP.
Menghini cita que, em resposta a ação do Ministério
Público de Sergipe para instalar barreiras de contenção, o Ibama alegou que “as
barreiras não têm eficiência comprovada ou vai gastar muito dinheiro e elas não
necessariamente vão ser eficientes, mas isso não condiz com a realidade dos
fatos”.
Ambientalistas também apontam a localização do
desastre como um fator para o descaso. “Há uma questão de apelo de mídia e da
população. Imagina se o óleo chegar à praia de Ipanema, em Maresias, Santos,
Guarujá. Provavelmente o alarde ia ser muito maior. E o próprio governo federal
tem uma certa resistência aos governadores do Nordeste”, afirmou Menghini. A
região tem quatro estados governados pelo PT e um pelo PCdoB.
Para Cláudio Sampaio, o derramamento não chamou
tanta atenção de parte dos brasileiros porque não estamos no verão. “Se essa
tragédia nas nossas praias acontecesse no Rio de Janeiro, na ilha de
Florianópolis, qual seria a repercussão? E o fato de estar também antes do
período da alta estação também reduziu um pouco o interesse da sociedade”,
afirmou.
No auge da crise ambiental envolvendo queimadas e
desmatamento na Amazônia, a mudança de postura do governo ocorreu na semana em
que o céu da cidade de São Paulo ficou escuro e a repercussão internacional
cresceu.
Suspeitas de Petróleo da
Venezuela
Quanto ao plano de contingenciamento, o ministro
Ricardo Salles/MMA afirma que ele foi acionado em setembro, mas de acordo
com o MPF não foram apresentados detalhes sobre essa atuação. Essa percepção do
Ministério Público é compartilhada por quem está atuando na ponta, na retirada
do petróleo das praias. Tanto o Ibama quanto a Marinha também têm trabalhado no
litoral.
O ministro nega demora do órgão. “Todos estão
trabalhando de maneira ininterrupta, desde o aparecimento da mancha no dia 2 de
setembro. Não se poupou nenhum esforço”, diz, em nota do ministério. “Estamos
fazendo o monitoramento por meio de satélites brasileiros e estrangeiros e
aeronaves com radar. Helicópteros do Ibama e Marinha fazem a verificação
visual. Todas as formas de monitoramento estão sendo adotadas”, completa.
Por outro lado, o governo tem centrado o discurso
na origem do óleo, que seria a Venezuela, principal país alvo de críticas
bolsonaristas. Segundo o ministro, a origem do derramamento dificulta o
controle.“Se é óleo vazando do fundo do mar, não é do fundo do mar brasileiro,
porque ele é venezuelano; ou seja, se tiver, está vindo de poço muito distante.
A hipótese mais provável, mas não é a única, é que tenha vazado de um navio,
seja durante transporte de um navio para o outro, seja uma avaria ou
despejamento”, reforçou Salles em visita a Maceió, na última quarta-feira (16/out).
Na quinta-feira, o Ibama confirmou que a origem do
óleo é venezuelana, mas ressaltou que isso não significa necessariamente que a
Venezuela seja a responsável pelo vazamento. Na semana passada, a Venezuela
negou responsabilidade no caso. De acordo com a Marinha, em torno de 140 navios
petroleiros passaram pela região no período do vazamento.
Para o pesquisador da USP, o governo tem insistido
no discurso da busca da causa por interesses políticos e deixado de lado as ações
para conter o desastre ambiental. “Se for possível checar a um nexo causal,
qual navio ou qual plataforma, de onde veio esse petróleo, isso é algo
paralelo. O governo não deveria ter colocado isso isso como desculpa
inicial, jogar a culpa na Venezuela, falar que a Petrobras não têm nada a ver
com isso”, criticou Ricardo Menghini.
Nesta sexta-feira, o presidente Jair Bolsonaro
questionou se o vazamento poderia ter sido cometido intencionalmente para
prejudicar o megaleilão de petróleo da cessão onerosa que será realizado em
novembro. “Coincidência ou não, nós temos um leilão da cessão onerosa. Eu me
pergunto, a gente tem que ter muita responsabilidade no que fala: poderia ser
uma ação criminosa para prejudicar esse leilão? É uma pergunta que está no ar”,
disse em vídeo transmitido ao vivo no facebook ao lado do ministro da Defesa,
general Fernando Azevedo e Silva, e oficiais da Marinha.
Alvo de disputa no Congresso nas últimas semanas
devido a critérios de partilha entre os estados, o leilão deve movimentar R$
106,5 bilhões de reais, que deverão ser pagos pelos vencedores do certame,
tornando-se a maior rodada de licitações de petróleo da história.
http://desacato.info/o-que-a-gente-esta-vivendo-no-litoral-do-nordeste-e-assustador-diz-professor-da-ufal/