“mesmo que aprovada, a tal reforma fiscal priorizada pelos políticos avança pouco para solucionar o principal problema atual do sistema tributário nacional, a chamada “re-gressividade”: pobres pagando mais impostos, proporcionalmente aos ricos”...
Governo e congresso
escolhem caminho mais difícil e menos efetivo para reforma tributária
Reforma dos impostos sobre a renda,
que aumentaria tributação sobre ricos e aliviaria pobres, está em segundo plano
por Vinicius Konchinski no Brasil de Fato – Sociedade e Povo Sem Entender o Social e o Economico
A reforma tributária virou prioridade número um para a equipe econômica do novo governo e para parlamentares líderes do congresso nacional neste início de ano (2023). Eles esperam aprovar mudanças na cobrança de impostos no país ainda neste semestre, além de outros itens economicos.
Segundo
especialistas ouvidos pelo Brasil
de Fato, a tarefa é muito difícil. Isso porque as alterações em
discussão dependem da aprovação de uma proposta de emenda à constituição (PEC),
a qual precisa ser aprovada por dois terços da câmara e do senado em dois
turnos, depois de bastante negociação e “lobbys”, para ser possível ser
transformada a PEC em lei federal.
Pior que
isso, mesmo que aprovada, a tal
reforma fiscal priorizada pelos políticos avança pouco para solucionar o
principal problema atual do sistema tributário nacional, a chamada “re-gressividade”:
pobres pagando mais impostos, proporcionalmente aos ricos.
Isso significa
que, apesar do esforço político que a dita reforma fiscal demandará, não será
suficiente para criar uma tributação mais justa, conforme prometeu o presidente
atual, em diretrizes apresentadas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Que reforma fiscal
é essa, que o poder executivo (presidente e ministros) apresentam ao
legislativo?
A reforma
tributária que governo e congresso pretendem aprovar, está rascunhada em duas
PEC’s nas discussões desde 2019 entre os poderes executivo e legislativo:
a 45/2019 e a 110/2019. Ambas tratam
basicamente do mesmo tema. Propõem uma reforma sobre impostos vinculados ou que
alteram os impostos sobre consumo.
Há diferentes
tipos de impostos cobrados sobre consumo: PIS,
Cofins, ISS e ICMS, entre outros. As duas PEC’s querem unificar esses
tributos e suas legislações no congresso. Tudo isso para simplificar o recolhimento
de tributos, facilintando principalmente para grandes empresas.
Para que isso
ocorra, porém, é preciso que pelo menos uma dessas PEC’s passem pelo congresso
(aprovação na câmara e senado, com 2/3 dos parlamentares). O regimento da câmara
e do senado prevê regras específicas para votação dos projetos, já que eles
propõem uma mudança na constituição federal, lei maior do estado brasileiro.
Nesse caso, é
necessária uma quantidade maior de votos do que para aprovação de um projeto de lei simples. Obter todos
esses votos é difícil, ainda mais porque o consenso sobre a reforma ainda não
existe ( dependem das negociações e lobbys com os deputados e senadores).
Setores
empresariais, como os planos de saúde privados, por exemplo, são contra.
Estados e municípios também têm suas objeções, já que a unificação das regras
de impostos tiraria a autonomia deles para taxar com impostos e encargos determinados
produtos.
"Haverá um
grande fluxo de grupos de interesse lá no Congresso [para discutir essa
reforma]. Uma profusão de grupo de interesse muito grande", afirmou o
auditor da Receita Federal Mauro Silva, presidente da Associação Nacional dos
Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional). "O
parlamento vai ter que ouvir essas pessoas. Isso vai atrasando o ritmo de
tramitação."
Mauro Silva,
aliás, é cético quanto ao cronograma idealizado por governo e parlamentares:
não acha que a reforma em discussão termina neste 1º. Semestre de 2023.
Ressalta ainda que outra reforma, que dependeria só de um projeto de lei
ordinária (número de votos simples ou mais que 50% nas duas casas), deveria ser
priorizada: a reforma do imposto sobre renda, cobrada sobre salários e lucros,
por exemplo, para haver verdadeiramente distribuição de rende na sociedade
brasileira.
Para o auditor,
além de mais fácil de ser aprovada, ela ataca a re-gressividade da tributação,
o que a reforma sobre impostos no consumo não faz.
"Poderiam
tratar primeiro da reforma do imposto de renda. Trabalharia a outra em paralelo
para que uma votação de uma ajudasse na outra", disse Mauro Silva.
Tributando ricos e
criando novos programas sociais
Marcelo Lettieiri,
conselheiro do Instituto Justiça Fiscal, também acredita que os poderes governo
e congresso erram em focar seus esforços na reforma de tributos sobre consumo.
Assim como Mauro Silva, ele acredita que a reforma do imposto sobre renda é
mais importante (aí também o imposto sobre grandes fortunas), pois essa sim
torna a tributação do país mais alinhada às boas práticas internacionais.
Segundo Lettieiri,
cerca de 35% dos impostos arrecadados no Brasil são sobre consumo. A média de
países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) é 22%. A
proposta de reforma no congresso não muda isso, já que está focada
principalmente na simplificação ou organização das cobranças dos impostos nos
níveis federal, estadual e municipal.
Já a média da
tributação sobre a renda na OCDE é 33%. No Brasil, 22% dos impostos arrecadados
são sobre a renda. Isso a reforma do
imposto de renda pode mudar, se houver empenho e boa vontade dos poderes
executivo e legislativo.
Para o
especialista, inclusive, o governo federal deveria propor um acordo para
aprovar primeiro a reforma sobre a renda e depois a do consumo, que poderia ser
aperfeiçoada nas negociações futuras dos poderes republicanos.
"O governo
poderia na verdade fazer um grande acordo com o mercado (bancos, fundações,
grandes empresas, pequenas e médias empresas entre outros), que está muito
interessado nessa simplificação. Aprova a reforma sobre impostos sobre a renda,
mantém-se um compromisso (ou futuro acordo) de, no segundo (2º.) semestre de
2023, aprovar a do consumo, reduzindo respectivamente a carga tributária",
sugeriu, lembrando que a tributação sobre a renda abre espaço para des-oneração
do consumo.
Mauro Silva, da
Unafisco, afirmou que reformar o imposto sobre renda não significa apenas
corrigir a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) – o que, aliás,
também é promessa de campanha de Lula. É preciso rever as isenções concedidas a
donos de empresas.
"Não é
simplesmente aumentar as alíquotas na tabela para até 35% [hoje são até 27,5%]
e dizer que está taxando ricos", disse Silva. "Se você não combater a
'pejotização' (o trabalhador que não recebe direitos trabalhistas) e
tributar dividendo, não vai cobrar 35% de imposto de ninguém."
É preciso também,
disse Mauro Silva, rever até a forma como impostos sobre o lucro de empresas é
cobrado. Tudo isso, considerando que não se pode comprometer a competitividade
de empresas brasileiras no mundo.
Reforma solidária:
tributação sobre o consumo, renda, dividendos entre outras
Vilson Antonio
Romero, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita
Federal (Anfip), afirmou que a entidade e outros movimentos sociais já apresentaram uma emenda à PEC 45/2019 para que
ela se torne mais ampla, incluindo impostos sobre renda e até patrimônio.
Só 5% dos impostos
nacionais são sobre patrimônio: sobre propriedade de carro ou casa, por
exemplo. No país, atualmente, também não existe imposto sobre grandes fortunas.
A criação desse tributo
está prevista na chamada reforma
tributária solidária, que foi sintetizada na emenda da PEC.
"Nosso
projeto abarca a tributação do consumo, a tributação sobre a renda, com
tributação sobre dividendos, etc", resumiu Romero.
Guilherme Mello
(PT), secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, defendeu por
diversas vezes a reforma solidária em textos e entrevistas antes de entrar no
governo. O novo governo, porém, ainda não declarou se buscará aprovar essa
proposta.
Edição: Mangue do Cachoeira (MgCh)
Publicado no BdF: 06 de Fevereiro de 2023
Fonte:
https://www.brasildefato.com.br/2023/02/06/governo-e-congresso-escolhem-caminho-mais-dificil-e-menos-efetivo-para-reforma-tributaria