Quando perguntei a minha sobrinha
Veridiana em qual lugar se sentia mais em paz, ela não pestanejou: “Dançando na
discoteca, tio”. É claro, Veridiana era roqueira e tinha na época apenas 16
anos. Um surfista diria: “Sobre uma prancha, correndo na crista das ondas”.
Minha mãe, de bom sangue italiano, encontra a paz fazendo nhoque para o almoço
do domingo. E eu, desde que entrei nos anos “enta”, não consigo imaginar nada
mais apaziguador do que caminhar numa praia deserta ao entardecer, bem ali onde
o mar encontra a areia. Donde se conclui que todas as pessoas não encontram a
paz no mesmo lugar, nem do mesmo jeito.
por Luis Pellegrini para 247 – Sociedade
e a Falta de Tranquilidade
É difícil definir paz. Ela certamente tem a ver com
o estar bem consigo mesmo e com o mundo. Uns encontram esse contentamento na
ação e no movimento, outros na imobilidade quieta e silenciosa; alguns no
trabalho criativo, outros na meditação passiva. Mas todos concordam que paz é
um sentimento diretamente ligado à alma humana. Alma apaziguada, alma feliz.
Por isso, uma colocação que talvez agrade a gregos e troianos é: Paz é aquilo que
faz bem à alma.
Os antigos gregos, por sinal, já diziam que tudo
aquilo que em nós é sagrado e glorioso emana da alma; e tudo aquilo que nos
avilta e degrada vem do corpo.
Parece exagerado, já que o corpo também tem as suas
vantagens. Mas Platão acreditava na superioridade da alma, e escreveu: “Se
quisermos conquistar o conhecimento claro de todas as coisas, devemos nos
livrar do corpo e contemplar as coisas apenas com os olhos da alma”. Um bom
conselho, mas duro de seguir. De qualquer forma, não há como dissociar o valor
da paz dos valores da alma.
Nosso mundo moderno, obcecado pela tecnologia, pela
produtividade e pelo consumismo de bens materiais, privilegia os valores da
matéria e do corpo em detrimento dos valores da alma. Por isso é um mundo onde
existe pouca ou nenhuma paz.
A escassez de paz, que a linguagem moderna traduz
muitas vezes por estresse, é um perigo que compromete a saúde – física,
psicológica e mental – e acarreta uma boa parte das doenças contemporâneas. A
vida mecanizada de hoje, particularmente nos grandes centros urbanos, tende a
levar todas as coisas num ritmo frenético. Exige que se corra sempre mais para
se chegar não se sabe onde, a se atirar de cabeça de encontro aos obstáculos,
para não ficar atrás e deixar-se ultrapassar. Tudo é admitido, desde que a
pessoa não fique parada à beira da estrada, ao mesmo tempo em que os outros
passam em disparada, sem sequer olhar para aquele que ficou parado. A ansiedade
do corre-corre amarra e atemoriza nossa alma, roubando-lhe a paz.
Consequências? A primeira delas, o
descontentamento. Perdemos o prazer do descanso e o gozo que dele deriva.
Sempre a correr, vemos tudo superficialmente; pensamos sempre no amanhã, nunca
no hoje; apenas roçamos as coisas, mas não olhamos para elas; somos pessoas informadas,
mas, na verdade, não conhecemos nada. A segunda conseqüência é a ansiedade
patológica – que deve ser distinguida da ansiedade sadia. Sempre que
enfrentamos uma dificuldade precisamos da força necessária para superá-la.
Alguma coisa, então, se move dentro de nós, uma ansiedade estimulante. Essa
ansiedade é normal e benéfica, pois desperta energias, provoca o despertar
positivo da vontade, excita o vigor, produz atividade. Mas existe também uma
ansiedade que é pura agitação e urgência: o afanar-se da vida de hoje. Esta é
negativa. Quem se deixa tomar por ela afunda cada vez mais num processo
angustioso de agitação. “Uma pessoa inquieta e agitada é como um porco-espinho
enovelado às avessas, que se tortura com os próprios espinhos”, diz o italiano Amadeus
Voldben, autor de Um caminho seguro para a paz interior. A agitação
– antítese da paz – é um tormento de caráter psíquico, com repercussões no
corpo. Seus efeitos são ressentidos em todo o ser.
Advertências contra os perigos de um estado d’alma
sempre agitado e preocupado foram feitas por cabeças sábias de ontem e de hoje.
O escritor A. J. Cronin foi explícito: “Milhões de pessoas são atormentadas por
um inimigo secreto que por si só provoca mais infortúnios e sofrimentos do que
qualquer outra desgraça: a preocupação. Esta, como o sabem os médicos, pode
induzir a um estado patológico, consome nossas energias, compromete a saúde,
torna a vida um tormento intolerável e abrevia-lhe os anos”. O chinês Confúcio
não deixou por menos: “O sábio é livre e sereno; a pessoa medíocre, afobada e
preocupada”. A sabedoria popular também sabe das coisas. Quem não se lembra do
dito bem brasileiro, “o afobadinho come cru”? Um provérbio birmanês aconselha:
“Trabalha sem te cansares, e pensa que, quando estiveres cansado, não poderás
trabalhar”. Um outro, hindu, ensina a fórmula secreta da paz: “Quando correres,
pensa: devo andar mais devagar; quando andares mais devagar, pensa: devo parar;
quando estiveres parado, pensa: devo deitar-me; e então uma grande paz se
apossará de ti”.
Claro, tais ensinamentos não devem ser
interpretados ao pé da letra – se todos resolvessem passar todo o tempo
pacificamente deitados, o mundo pararia – mas sim a partir do seu significado
alegórico e simbólico. O que eles querem realmente dizer é que a calma deve ser
a regra no agir. Basta usar a natureza como espelho: o ritmo da natureza não
conhece pressa, mas uma sucessão regular de eventos. A planta descansa no
inverno, cresce e floresce na primavera, frutifica no verão, perde as folhas no
outono. Calma não é lentidão, mas ordem na sucessão dos fatos. Existe uma
grande calma até no girar dos planetas ao redor do sol. Seu movimento é regular
e harmônico, ele se desenvolve no ritmo natural que é a calma suprema.
Portanto: calma, muita calma, se desejarmos
encontrar a paz. Calma nos nossos atos, emoções e sentimentos e, sobretudo,
calma nos pensamentos. Dizem os especialistas, por sinal, que aprender a
dominar e acalmar os pensamentos é a coisa mais importante. Uma mente tranqüila
tenderá a impregnar todos os demais aspectos da pessoa com tranqüilidade. Da
mesma forma, uma mente sempre agitada irá desequilibrar todas as demais partes
que nos compõem.
Ao longo das eras, cada grande civilização
desenvolveu métodos e técnicas para o desenvolvimento da alma e o desabrochar
do espírito. Mas todos são assentados sobre a plataforma básica da pacificação
do indivíduo em todos os seus níveis – físico, emocional, mental.
A meditação, hoje muito na moda em todas as suas
variedades, é um desses métodos. Existem muitas definições de meditação. Uma
das mais simples diz que “meditação é uma disciplina que objetiva o domínio da
própria mente, de modo a transformá-la num eficiente, dócil e bem treinado
instrumento pensante”. Há duas formas principais de meditação: a) meditações
estáticas; b) meditações dinâmicas. Nas primeiras, o meditador permanece
quieto, parado, sem nenhum movimento corporal; apenas a sua mente se
move, como uma flecha que um bom arqueiro dispara e que voa certeira em direção
ao alvo. Nas segundas, as meditações dinâmicas, o meditador não precisa
bloquear os movimentos corporais. Exemplos dessas meditações são certas artes
marciais como o tai-chi-chuan, certos programas de exercícios físicos como os
da hatha-ioga, danças sagradas como as danças rituais do nosso candomblé e
umbanda. Cada um escolhe o seu próprio método de meditação por um critério de
afinidade. O importante é saber que em todos eles o objetivo é chegar a um
estado de relaxamento profundo – quase que uma suspensão do corpo e da mente.
Para se chegar à paz interior pode-se também
recorrer à moderna tecnologia. Técnicas como a cromoterapia e a audioterapia
podem ser de grande ajuda. A ciência moderna, em coro com as sabedorias
antigas, descobriu que o ser humano é muito sensível a estímulos como o das
cores e o dos sons. Quando entramos em contato com eles, podemos reagir das
formas mais diferentes. Há cores e sons que irritam e induzem à agitação, e há
outros que relaxam e apaziguam.
Em casos de emergência, quando é preciso recobrar
rapidamente a paz interior, pode-se lançar mãos de técnicas respiratórias que
costumam dar bons resultados. O terapeuta americano Hilton Gregory descreve uma
delas: “Descobri a enorme diferença que faz uma mudança de ritmo aplicada à
respiração. Dei-me conta de que, quando estou cansado e nervoso, posso
acalmar-me e até adormecer, inspirando intencionalmente com mais lentidão e
expirando mais a fundo. Isso não só me proporciona um bem-estar físico
imediato, mas também me dá uma sensação de domínio sobre mim mesmo.
Experimentem fazê-lo e verificarão que o fato de tornar mais lento o ritmo da
respiração para distender os nervos ou de apressá-lo para tonificá-los,
estimula um grupo inteiro de músculos e de sensações que nunca entram em ação
se deixarmos que a respiração seja apenas um ato inconsciente”.
Outro recurso fácil que diminui a tensão e nos
coloca no caminho do apaziguamento é simplesmente trocar de ambiente: viajar;
renovar o próprio aspecto mudando a indumentária; sair para um passeio ao ar
livre ou, melhor ainda, no campo ou na praia; ir ao cinema ou ao supermercado.
Com o mesmo objetivo, alguns recorrem à boa literatura; contam piadas; ouvem
música; cultivam passatempos. E existem aqueles para quem a oração é o refúgio
mais adequado.
Escolha o seu método, ou crie o seu próprio método.
Mas, não importa qual ele seja, comece sempre por aquilo que faz quem encontrou
o caminho da sabedoria e da paz: 1) Observe as coisas e os fatos da vida com
olhos serenos; 2) Olhe sempre para a parte boa que todas as coisas têm em si
mesmas. Lembre-se que tudo na vida e no mundo é como medalha de duas faces, uma
escura, a outra luminosa; prefira sempre o lado da luz; 3) Tenha sempre um
repertório de pensamentos serenos nos quais é possível fixar a mente.
O importante é levar paz à alma, tornando-a feliz.
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