Imperdível, magistral e, sobretudo, capaz de
reduzir à estatura anã que possui hoje a Justiça brasileira, incapaz de
enfrentar um mero juiz de província, escudado por procuradores transtornados
pela sua “missão” política e por uma mídia que os transformou em cavaleiros do
Apocalipse (Fernando Moraes)
por Janio de Freitas na Folha
e Tijolaço – Sociedade e STF Não Democrata
Justiça fora da lei
Foram quatro anos e três
meses de ações judiciais e de críticas públicas de numerosos advogados. Enfim
reconhecidas, há três dias, com a sentença que proíbe levar alguém à força, tal
como um preso, para prestar depoimento.
Nesses 51 meses, ao que
verificou o ministro Gilmar Mendes, a Lava Jato executou 227 desses atos de coerção,
ou de força, por isso mesmo chamados de “condução coercitiva”. Em média, mais
de quatro por semana, desde o início da Lava Jato. Mas a proibição à prática
irrestrita desses atos, só admissíveis em caso de recusa a prévia intimação, já
existia como velho e comum artigo do Código de Processo Penal. Por que repetir
a proibição, até com mais abrangência?
Porque o Tribunal
Regional Federal do Sul, o TRF-4, aceitou a arbitrariedade de Sergio Moro; o
Conselho Nacional de Justiça concedeu impunidade à violação do Código por
Sergio Moro; o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal
substituíram o direito pela demagogia, a lei pelo agrado à opinião ignara, e o
dever pela sujeição. Da segunda à última instância da Justiça, tornaram-se
todas confrontadas pelo direito paralelo criado por Moro, Deltan Dalagnol,
alguns outros procuradores, e absorvido por parte do TRF-4.
Como a lei é arma de
combate à corrupção, violá-la é uma forma de corromper o combate à corrupção. A
decisão do Supremo repõe e impõe uma das várias medidas de prevenção a
deturpações, mas permanecem algumas não menos antidemocráticas.
A limitação do tema
votado não impediu, no entanto, que fosse um bonito julgamento: as ideias de
liberdade pessoal e de respeito aos direitos da cidadania tiveram forte
presença. O ministro Celso de Mello, entre outros, trouxe ao debate um
princípio cujo desconhecimento, pelo direito paralelo da Lava Jato, tem
produzido situações deploráveis.
“O ônus da prova é do
Estado”, disse o decano do Supremo, e como o inquirido “não deve contribuir
para sua própria incriminação”, ele “não tem obrigação jurídica de cooperar com
os agentes da persecução penal”.
Pelos quatro anos e três
meses, a Lava Jato eximiu-se do ônus da prova. Transferiu-o ao próprio
inquirido, exigindo-lhe a autoincriminação, forçada de duas maneiras.
Uma, a prisão protelada
até o desespero, método recomendado pelos americanos para uso em terras
alheias, não na sua, onde não ousariam adotá-lo. Como complemento, a compra da
autoincriminação e da delação, pagas com a liberdade como moeda. Não mais nem
menos do que suborno. Feito em nome da moralidade e da justiça.
O ministro Dias Toffoli,
por sua vez, formulou o despertar de um sentimento há muito já disseminado no
país: “É chegado o momento em que o Supremo (…) impeça interpretações criativas
que atentem contra o direito fundamental” de cada ser humano.
O momento não devia ser
necessário jamais, já chegou há muito tempo e percebe-se que ainda sensibiliza
só seis ministros –é o que indica a vantagem de um só voto, na derrota por 6 a
5 da combinação ilegal de arbitrariedade e coerção em nome da Justiça.
http://www.tijolaco.com.br/blog/janio-de-freitas-lava-jato-227-vezes-fora-da-lei/