Os dados divulgados mensalmente sobre desemprego, tanto o pior quanto o melhor deles, são fabricados pelo IBGE por uma metodologia cuidadosamente pensada com o objetivo de falsificar a realidade e ocultar o verdadeiro grau de decomposiçãosócio-econômica no país
... é possível avaliar que 30 milhões de pessoas estão muito próximas da
pobreza e miséria. São pessoas que não conseguem ou não tem perspectiva de
conseguir ocupação que gere renda regularmente. É um número muito elevado da
população, em um país com elevada concentração de renda, na qual a
des-igualdade estimula o surgimento de violência e exploração da marginalidade,
vivendo afastadas do convívio social, econômico, educacional, de lazer e
trabalho
22% das pessoas encontram-se desempregadas
por Maxuel Chaves* na A Nova Democracia – Sociedade e Pessoas Des-ocupadas e
Abandonadas no Brasil
Quando se observa a última série histórica da taxa
oficial de ocupação e desocupação no Brasil (2012-2023) o que se deduz é que o
desemprego no país sempre esteve, de algum modo, sob relativo controle. O pior
índice da série ocorreu em 2020, em meio à pandemia. Naquele ano, a desocupação
oficial chegou a 14% da população em idade para trabalhar – um percentual
modesto, considerando a crise sanitária. Na situação atual, um dado
pretensamente otimista divulgado nos últimos dias pela imprensa chama a
atenção: o patamar médio de desemprego em 2023 ficou em 7,8%, o menor desde
2014. Sobre isso é preciso uma analise mais detalhada: essa informação atende
somente os interesses do Governo Federal e seus aliados no Congresso Nacional.
Os dados divulgados mensalmente sobre desemprego, tanto o melhor quanto o pior
deles, são elaborados por uma metodologia cuidadosamente pensada, com o
objetivo de não revelar a realidade e ocultar o verdadeiro grau da situação
econômica. O que é possível entender é a reserva de pessoas de todas as
classes, com potencial de trabalho no país.
A principal pesquisa responsável por coletar
informações de renda e ocupação no país é a Pesquisa Nacional de Amostra por
Domicílio Contínua (PNAD-C), realizada pelo IBGE através de entrevistas
domiciliares. A questão principal está na maneira como os dados obtidos através
da coleta são tratados e analisados. Ao observar o gráfico abaixo, retirado
do último documento de indicadores1 da PNAD-C, relativo ao
último trimestre de 2023:
No gráfico, o dado que é utilizado pela imprensa e pelo próprio IBGE,
para retratar o desemprego do país é o de pessoas desocupadas, atualmente na
faixa de 8,3 milhões de brasileiros. Corresponde
a um segmento de pessoas sem ocupação, mas que efetivamente está a procura de
trabalho. “Entretanto, há uma massa de 66,8 milhões de pessoas que não são
consideradas nos dados divulgados de desocupação, inseridas na controversa
categoria de “pessoas fora da força de trabalho”. Segundo o IBGE,
essa categoria diz respeito às pessoas que não estão trabalhando e também não
procuram trabalho por motivos diversos, sejam esses de estudo, saúde,
idade, ocupação com tarefas domésticas/familiares ou então os que são parte da
força de trabalho potencial, uma sub-categoria de pessoas que desistiram de
procurar trabalho, mas gostariam de trabalhar, como é o caso dos
desalentados.
Aparentemente, não há um esforço por parte do IBGE em sistematizar e
divulgar amplamente as razões pelas quais essa massa de pessoas está fora da
força de trabalho. Mas, para sermos sensatos e demonstrar o que realmente
acontece, podemos deduzir desse número os adolescentes de 14 a 17 anos que, em
tese, devem estar estudando e também a população com 60 anos ou mais de idade.
A primeira parcela corresponde a 10,1 milhões² de pessoas e a segunda a 25,7
milhões de pessoas³. Deduzidas ambas as parcelas, resta ainda um
contingente de aproximadamente 31 milhões de pessoas fora da força de trabalho,
um grupo populacional que não busca
trabalho e que não entra nos dados oficiais de desemprego, sem que haja uma
justificativa concreta.
Mulheres fora das estatísticas ?
Outro dado importante é que 65% da massa total de pessoas fora da força
de trabalho é composta por mulheres⁴. Apesar de
ser necessário realizar um cruzamento de dados mais complexo para chegar ao
número exato, é seguro afirmar que uma
parcela significativa dessas mulheres não é contabilizada nos dados oficiais de
desemprego, por terem obrigações domésticas e familiares que as impedem. Ao não
procurem trabalho por estarem ocupadas com as tarefas domésticas e familiares,
portanto, não incorporam o volume oficial de pessoas desempregadas. A
comprovação disso é que o próprio questionário da PNAD-C que é aplicado aos
domicílios selecionados, possui a opção de cuidados com dependentes e afazeres
domésticos como critério, para considerar a entrevistada na categoria de pessoa
fora da força de trabalho, em vez de pessoa desocupada, como se vê a seguir:⁵
Imagem do questionário antigo da PNAD-C, de 2011. Hoje o questionário é digitalizado, mas a parte utilizada no texto segue com o mesmo conteúdo. Foto: Reprodução
A despeito das obrigações domésticas e de cuidados com dependentes serem
de fato trabalho humano indispensável na reprodução da vida moderna, a taxa de
ocupação em postos de trabalho por parte das mulheres brasileiras, se comparada
às taxas médias dos países industrializados como na Europa, EUA, Japão, Canadá
entre outros, reflete a fragilidade e o atraso da economia nacional. No recorte atual, a população feminina
ocupada é de 42,8 milhões, o que corresponde a uma taxa de ocupação de apenas
47% para o sexo feminino⁶. No Reino Unido, por exemplo, a população
feminina ocupada chega a 70%, 23% a mais que no Brasil⁷. Os números comprovam: o sub-desenvolvimento coloca ainda mais dificuldades
sobre a situação das mulheres e, em contrapartida, a situação das mulheres
revela o nível de progresso econômico e político do país. Dado o elevado grau
de ocupação das camadas populares, combinado com a baixa industrialização, a
família tem um peso maior como unidade para gerar renda, o que reflete também
em maior sobre-carga no trabalho doméstico. Outro fator é que a renda média das
famílias no Brasil impossibilita que as mesmas contratem serviços domésticos ou
de saúde para seus dependentes, funções que muitas vezes recaem sobre as
mulheres que, compõem os núcleos familiares, retirando-as da atividade social de
geração de trabalho e renda.
Esse fenômeno, entretanto, não justifica que um volume expressivo de
mulheres que estão fora dos postos de trabalho, não seja considerado nos dados
de des-ocupação. Ainda que se trate de um problema da condição das mulheres em
extrato de menor renda, inviabilizando a sua participação na composição da mão
de obra nacional (fenômeno retro-alimentado pelas concepções patriarcais sobre
o papel feminino), esse impedimento é aprofundado pelo capitalismo brasileiro.
Dessa forma, não é correto que isso seja normalizado pelos responsáveis por
estatísticas no país, como o IBGE por exemplo. Essa parcela não compõe o volume
de mão de obra do país e isso não consta nos dados de desocupação do IBGE.
Trata-se, evidentemente, de uma manipulação desses dados, a fim de subestimar o
desemprego no Brasil.
Ocupação profissional melhor avaliada nas estatísticas
Para chegar-se aos dados mais concretos de des-ocupação no Brasil e esclarecer
os 7,8% divulgados, é preciso analisar também trabalhadoras/es que compõe a
categoria de pessoas ocupadas. Segue abaixo uma imagem do painel interativo da
PNAD-C⁸, disponível no portal do IBGE:
Portanto, mesmo dentre as 99,8 milhões de pessoas consideradas
ocupadas, 39 milhões estão
ocupadas informalmente ou sub-ocupadas, trabalhando em bicos, por conta
própria ou trabalhando uma quantidade de horas semanais insuficiente para
garantir a sobrevivência. Portanto,
mesmo com a divulgação na imprensa, o fato é que, no Brasil, das 175 milhões de
pessoas em idade para trabalhar, apenas 60,8 milhões estão plenamente ocupadas
com alguma regularidade, ou seja, risórios 34,7% das pessoas disponíveis para
desempenharem tarefas que gerem renda e trabalho.
Agora, ao somar-se o volume oficial de des-ocupação de 8,3 milhões de
pessoas com o contingente de 31 milhões de pessoas fora da força de atividades
profissionais (deduzindo adolescentes que estudam e idosos), é possível chegar
mais próximo do número concreto de des-empregados em absoluto: 39,3 milhões de pessoas. Em
níveis percentuais, uma taxa de 22,4% de pessoas sem ocupação ou desempregadas.
Além disso, é possível calcular também a taxa composta de des-ocupação e
sub-ocupação das atividades laborais, somando essas 39,3 milhões de pessoas sem
ocupação ou des-ocupadas, com os 39 milhões de pessoas que estão na in-formalidade,
chegando-se ao patamar de 78,3
milhões de pessoas. Uma taxa composta de 44,7% de pessoas des-ocupados, somadas
as que tem atividades informais, relativas ao universo das atividades
laborais ou de trabalho disponíveis. Esse
dado é ainda mais esclarecedor que o dado anterior, pois expressa com mais análise
e profundidade o panorama, uma vez que um volume considerável das pessoas que o
IBGE considera como “ocupadas na informalidade” estão na realidade des-ocupadas.
Isso acontece porque o IBGE considera como ocupada qualquer pessoa que
tenha exercido qualquer tipo de atividade remunerada durante no mínimo 1h na
semana de referência da coleta domiciliar, o que é um disparate.
Por fim, propõe-se o seguinte gráfico após refeitos os cálculos oficiais
apresentados através do IBGE:
Desta forma, é possível entender a situação econômica e social que se
aprofundou ao longo dos anos ou per-passando vários governos federais,
estaduais e municipais. A quantidade de 78,3 milhões de pessoas corresponde ao
total da população que está sem atividade ou que possibilite a geração de renda
e trabalho. Assim, é possível avaliar que
30 milhões de pessoas estão muito próximas da pobreza e miséria. São pessoas
que não conseguem ou não tem perspectiva de conseguir ocupação que gere renda
regularmente. É um número muito elevado da população, em um país com elevada
concentração de renda, na qual a des-igualdade estimula o surgimento de
violência e exploração da marginalidade, vivendo afastadas do convívio social,
econômico, educacional, de lazer e trabalho. Encontram-se invisíveis quanto
às múltiplas atividades humanas, principalmente nas grandes cidades
brasileiras, grandes propriedades agrícolas ou comunidades isoladas com difícil
acesso.
Notas sobre as fontes pesquisadas:
¹ Indicadores da Medida de Subutilização Força de
Trabalho do 3° trimestre de 2023
² Número de jovens de 14 a 17 anos que
compõem a categoria de fora da força de trabalho. Essa parcela representa 6,9%
das pessoas em idade para trabalhar, ou seja 12 milhões de pessoas. Desse
montante, 84,2% está na categoria de fora da força de trabalho, ou seja, 10,1
milhões.
https://painel.ibge.gov.br/pnadc/
³ Número de idosos (60 anos ou mais) que compõem a
categoria de pessoas fora da força de trabalho, segundo Indicadores da Força de
Trabalho do 3° trimestre de 2023, PNAD-C.
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/2421/pnact_2023_3tri.pdf
⁴
Indicadores da Força de Trabalho do 3° trimestre de 2023, PNAD-C
⁵
Imagem do questionário antigo da PNAD-C, de 2011. Hoje o questionário é
digitalizado, mas a parte utilizada no texto segue com o mesmo conteúdo
https://www.ibge.gov.br/arquivo/projetos/sipd/Questionario_PNAD_Continua.pdf
⁶
Indicadores da Força de Trabalho do 3° trimestre de 2023
⁷
Fonte: OCDE
https://www.oecdbetterlifeindex.org/pt/paises/united-kingdom-pt/
⁸ https://painel.ibge.gov.br/pnadc/
Publicado em A
Nova Democracia: 12 de fevereiro de 2024
Fonte:
https://anovademocracia.com.br/nos-dados-reais-da-desocupacao-no-brasil-quase-50-da-populacao-em-idade-para-trabalhar-esta-desempregada-ou-informal/