Eles (mídia conservadora, militares, políticos, agentes públicos, juristas e empresários oportunistas), estão mentindo nas redes sociais, estão mentindo na imprensa. Parem de mentir! Por Dário Kopenawa
Herdeiro da luta de Davi Kopenawa diz que genocídio foi praticado contra 600 mil brasileiros na pandemia de covid-19
"O
Exército tem que fazer a soberania nacional onde as drogas estão entrando, onde
os garimpeiros estão entrando, onde os estrangeiros estão entrando. Isso é
responsabilidade de general. Isso é papel do Ministério da Defesa", disse
Davi
por Murilo Pajolla no Brasil de Fato – Sociedade
e Luta pela Vida na Pacha Mama
O líder
histórico dos Yanomami, Davi Kopenawa, começava há 40 anos uma luta contra
garimpeiros que desaguaria na criação da Terra Indígena Yanomami, a maior
do Brasil. A missão foi herdada por seu filho mais velho, Dário Kopenawa, que
hoje enfrenta um garimpo mais destrutivo e protegido por políticos (mídia conservadora, militares, agentes
públicos, juristas e empresários oportunistas) locais e nacionais.
Na conversa
exclusiva com o Brasil de Fato,
Dário responsabilizou o governo Bolsonaro pelo genocídio de pelo menos
570 crianças
indígenas Yanomami. E mandou um recado a ex-autoridades
bolsonaristas que minimizam a crise humanitária na tentativa de se eximirem da
responsabilidade (judicial e política): "parem de mentir!".
A liderança
também reagiu a fake News (mentiras) e
teses difundidas por militares, de que os Yanomami seriam separatistas ou
manipulados por ONGs: "Vocês têm que acreditar em nós, povo Yanomami,
porque nós estamos sofrendo (desde o ano 1.500). A gente tem representantes nas
aldeias". O ex-presidente Jair Bolsonaro chegou a chamar (nas redes
digitais) emergência sanitária de "farsa da esquerda".
Dário defende que militares garantam a
segurança na fronteira com a Venezuela. E disse ouvir de lideranças
Yanomami locais que o Exército brasileiro
recebe propina para fazer vista grossa à proliferação do garimpo ilegal.
"O Exército tem que fazer a
soberania nacional onde as drogas estão entrando, onde os garimpeiros estão
entrando, onde os estrangeiros estão entrando. Isso é responsabilidade de
general. Isso é papel do Ministério da Defesa", afirmou em entrevista disponível na
íntegra a seguir.
Kopenawa afirmou que os militares presentes na Terra Indígena Yanomami ficam
próximos a pontos de garimpo ilegal. "Eles [militares] estão vendo os
garimpeiros voando, pousando... Os pelotões não coíbem e não fazem
vistoria", denuncia (inclusive disse isso na OEA).
Em relação
às primeiras ações emergenciais tomadas pelo governo federal, Dário
as considera satisfatórias, mas insuficientes. Será preciso, segundo ele,
manter a presença forte do Estado por mais tempo, para evitar que os
garimpeiros voltem após serem expulsos (pelo governo federal).
"O
governo está se preocupando e viu a realidade quando foi em Roraima. Ele [Lula]
viu as crianças na vida dele, pessoalmente. As crianças estão doentes, estão
desnutridas, com malária. E isso é desumano", afirmou.
Dário fez
questão de dizer que o genocídio no
Brasil não atingiu apenas os indígenas. "Estou falando de 600 mil (aproximadamente)
que o governo matou na pandemia. Não é só o povo da Floresta, o povo Yanomami,
que tem que se defender. A sociedade brasileira também".
Em meio a
uma maratona de reuniões, entrevistas e viagens como porta-voz dos Yanomami,
ele relembra a infância marcada pelo horror do garimpo ilegal.
"Meus
parentes, meus tios foram assassinados. Minhas tias morreram de epidemia. Eu
cresci nesse movimento de violações do meu povo. E reconheci a luta do meu pai.
Ele viajava muito na luta, gritando para autoridades brasileiras. Então eu
cresci e eu aprendi. Depois, nesse meu crescimento, pensei no meu avô, na minha
mãe".
Confira a entrevista na íntegra
abaixo:
Brasil de Fato (BdF): Autoridades da gestão Bolsonaro estão publicando acusações graves e sem
provas. Nas redes sociais, alegam por exemplo que os indígenas famintos vieram
da Venezuela. O que representa ataques como esses em plena crise humanitária?
Dário Kopenawa (DK): Vocês, como imprensa e
jornalismo, têm que ouvir os povos da Floresta. Vocês têm que acreditar em nós,
povo Yanomami, porque nós estamos sofrendo. A gente tem representantes nas
aldeias. A gente vive na realidade. Não é para acreditar em [ex-vice presente
Hamilton] Mourão, Bolsonaro e Damares [Alves, ex-ministra] e outros
bolsonaristas. Foram irresponsáveis quando estavam no poder.
Esses são
apoiadores do garimpo ilegal, do desmatamento da Amazônia, do desvio de
recursos, de matar o povo brasileiro. Estou falando de 600 mil que o governo
matou na pandemia. Não é só o povo da Floresta, o povo Yanomami, que tem que se
defender. A sociedade brasileira também. Isso [mortes na pandemia] é
responsabilidade deles [governo anterior]. Mas o governo não se
responsabilizou, não cuidou da população, não cuida do povo da Floresta,
especialmente povo Yanomami.
Temos
Yanomami no Brasil e venezuelanos também. Nossos parentes também estão lá [na
Venezuela]. Mas esses parentes [vítimas da crise humanitária] não são
venezuelanos. São os do Brasil. Repetindo, são [das comunidades] Surucucu,
Homoxi, Kayanau, Parafuri, Kataroa... São brasileiros(as).
Eles estão mentindo nas
redes sociais, estão mentindo na imprensa. Parem de mentir!
Então isso é
uma mentira. Eles estão mentindo nas redes sociais, estão mentindo na imprensa.
Parem de mentir! Então vocês, povo brasileiro, não acreditem mais. Vocês já têm
conhecimento do que eles não cumpriram e não resolveram para a população geral.
Quem fala pelo Yanomami são as lideranças tradicionais. Nós não estamos
mentindo. Eu, Dário, não sou mentiroso.
Se não teve
570 mortes por causa de invasores [que receberam] apoio logístico do
governo passado, eu não estaria falando com vocês [da imprensa]. Eu não
estaria falando na rede, mostrando minha cara. Eu ficaria na minha aldeia,
cuidando dos meus parentes, trabalhando. Ia colocar as roças, ajudar meu povo
sem problema.
Nós vamos
continuar criticando o governo passado,
porque eles têm responsabilidade. Eles têm que responder na Justiça pelo que
eles não cumpriram, não respeitaram a legislação brasileira. Não pode falar
mentiras nas redes sociais e nos jornais. Eles têm que responder na Justiça
pelo erro, pela gravidade e pela negligência.
Eles mataram
600 (mil brasileiros na pandemia). Isso significa massacre, que é o genocídio.
Não cuidaram da população brasileira. Eu quero que a justiça seja bem dura. A
Justiça tem que cumprir, e essas pessoas têm que ser presas.
Aquele, o
Bolsonaro, ele fugiu foragido. E aí, cadê a população brasileira? Nós Yanomami
estamos criticando ele porque era o papel dele [proteger os Yanomami]. A gente
reconhece a legislação brasileira.
Dentro da
cultura das Forças Armadas brasileiras há uma ideia – nunca corroborada por
qualquer evidência - de que os Yanomami seriam separatistas e tentariam fundar
um país independente...
Nós, povo
Yanomami, não queremos dividir o país. O nosso país já foi destruído por
invasores há 523 anos. Europeus, franceses e portugueses já destruíram a nossa
Terra. Por que a gente iria criar um país? O resto do povo Yanomami (que não
morreu durante a colonização europeia) conseguiu quase 9 milhões de hectares (na
Terra Indígena Yanomami).
Nós, povo Yanomami, não
queremos dividir o país. O nosso país já foi destruído por invasores há 523
anos
O Exército
Brasileiro tem que fazer a soberania nacional onde as drogas estão entrando,
onde os garimpeiros estão entrando, onde os estrangeiros estão entrando. Isso é
responsabilidade de general. Isso é papel do Ministério da Defesa. Hoje não
estão monitorando muito as drogas e os estrangeiros que estão entrando com
liberdade. Não tem controle de soberania nacional.
BdF: Relatórios internos da Funai revelados recentemente apontam que os
militares da fronteira com a Venezuela receberam dinheiro para favorecer
garimpeiros. É verdade?
DK: O exército fica no território Yanomami lá [nas
regiões de] Surucucu, Awaris e Maturacá. É um papel de defesa, fazer um
monitoramento de fronteira. Como Yanomami, eu vejo que o papel do Exército é
para monitorar os inimigos. Mas nos Yanomami não está acontecendo isso. No
Surucucu, garimpeiros [estão há] quase 10 metros, 15 metros. Estão olhando e
não fazem nada.
BdF: Os garimpeiros estão a 15 metros do pelotão de fronteira do Exército em
Surucucu?
DK: Estão, no Surucucu. Em Awaris também, e tem garimpo
lá. Eles [militares] estão vendo os garimpeiros voando, pousando... Os pelotões
não coíbem e não fazem vistoria. Então isso é um problema. Futuramente nós
vamos discutir como podemos pressionar os pelotões dentro do território. O que
eles estão fazendo? Para que eles estão ali? Será que estão monitorando a nossa
vigilância nacional?
Os próprios
Yanomami estão dizendo que [os militares] são envolvidos [com o garimpo ilegal.
Estão pegando propinas, ouro. Estão comunicando e avisando [os garimpeiros].
Isso tem sim. As lideranças Yanomami me falam que o Exército é envolvido, mas
eu não tenho prova. Tenho informações. Nós Yanomami não somos mentirosos. A
gente não pode mentir. Mas, quando o Yanomami vê [envolvimento de militares com
o garimpo], ele fala a verdade. Por isso o Exército não se mexe.
Nessa
realidade paralela militar, o problema não seriam os garimpeiros, mas sim as
ONGs, que manipulariam os Yanomami para agir contra os próprios interesses...
Quando falam
alguma coisa sobre ONGs... Eu sou ONG. E eu faço o meu papel. A minha
instituição (Hutukara Associação Yanomami) é ONG. Proteger as terras indígenas,
coibir os invasores: esse é meu papel de defesa da Amazônia.
Nós,
Yanomami e outros indígenas, não somos manipulados. Nós temos capacidade, nós
temos inteligência, nós temos conhecimento e nós temos filosofia. Nós temos
pensamento. O que queremos está na Constituição. Esse é o nosso pensamento para
representar os indígenas como ONG. As organizações indígenas fazem parte da
proteção territorial do Brasil.
BdF: A Hutukara Associação Yanomami considera o governo Bolsonaro
genocida?
DK: Na minha opinião, sim. É um genocídio extremamente
claro. Por que as crianças estão morrendo? Por que o nosso rio
morreu? Cinco Yanomami foram assassinados. A palavra “assassinado” já é o genocídio
do governo Bolsonaro, que derramou sangue dos Yanomami novamente. A gente
considera que o governo Bolsonaro é o principal genocídio para a sociedade
Yanomami e sociedade não indígena. Então isso é uma responsabilidade da
Justiça.
É um genocídio
extremamente claro
Estamos
enfrentando o problema por que o governo Bolsonaro se aliou a políticos locais,
políticos partidários e políticos internacionais, principalmente da atividade
de garimpo ilegal. Exploração nas terras indígenas Yanomami, Kayapó e
Munduruku, nos Macuxis. Então isso foi a maior crise que caiu dentro do
território Yanomami.
Por que a
gente está falando do Bolsonaro? Porque o Bolsonaro liberou atividades de
garimpo ilegal na Terra Yanomami. Destruição, exportações de madeiras, soja,
por exemplo. E outros problemas com as leis, como é PL (Projeto de Lei) 490, PL
191, Marco Temporal. Então ele fez vários decretos para poder abrir as portas
da Terra Yanomami.
Bdf: Há 40 anos seu
pai, o líder Davi Kopenawa, lutava contra uma invasão massiva de garimpeiros.
Como é, para você, encarar novamente essa responsabilidade?
DK: Eu nasci com o problema da invasão. Meus parentes,
meus tios foram assassinados. Minhas tias morreram de epidemia. Eu cresci nesse
movimento de violações do meu povo. E reconheci a luta do meu pai. Ele viajava
muito na luta, gritando para autoridades brasileiras. Então eu cresci e eu
aprendi. Depois, nesse meu crescimento, pensei no meu avô, na minha mãe.
Meu pai me
chamou a atenção: "nós conseguimos demarcar o
território, mas eu quero que você siga na luta daqui 20 ou 30
anos. O problema vai repetir, e por isso você tem que se preparar. Você tem que
estudar, você tem que conhecer as legislações não indígenas que eles criam e
saber como podemos se defender através da Constituição. Então você tem que
entrar na linha de defesa do direito do povo Yanomami".
Meu pai
falou tudo isso, e eu aprendi, eu estudei tudo isso. Agora eu estou nessa linha
me responsabilizando na defesa do direito da população Yanomami. O meu pai já
lutou muito e agora ele tem que descansar. Um Yanomami lutou com quase 40 mil
garimpeiros. E agora estou lutando com mais de 20 mil garimpeiros. Isso é
um papel importante para mim.
O nosso
território é demarcado através de lei brasileira. Foi homologado e
registrado pelo governo federal. Mas, de outro lado, nosso território não está
garantido. Se tivesse garantido, os garimpeiros não estariam no meu território.
Não matariam os nossos rios. Então a gente sempre relembra esse processo.
Os senadores
e deputados, eles criam leis querendo acabar com os territórios, querendo tirar
os nossos direitos na Constituição. Se tiver governo cuidando de nós,
originários povos da floresta, nós Yanomami não estaríamos brigando. Não
estaríamos denunciando o governo federal. E eu não estaria falando na mídia,
gritando, denunciando o Estado brasileiro.
O cenário
está repetindo. Na década de 80, 90 e 2022 é o mesmo problema que nós estamos
vivendo. Não mudou nada. Eu estou defendendo o meu povo, defendendo a
floresta. Eu não estou do lado do governo, do lado dos políticos. Não, a minha
política é a defesa do direito do povo Yanomami.
BdF: As medidas
anunciadas até agora pelo governo Lula são suficientes?
DK: Agora o governo
federal se preocupou. Ele [Lula] prometeu que iria zerar
o garimpo ilegal e o desmatamento da Amazônia. Então ele lembrou da
promessa dele quando houve a repercussão da imagem de negligência da saúde
Yanomami. Então ele [Lula] assumiu a responsabilidade. Para nós, como populações
indígenas, esses apoios de emergência são bons. É importante salvar as crianças
e ter o medicamento para a Terra Yanomami.
E amanhã,
como acontecerá isso? Temos algumas dificuldades de entender de quanto tempo
será esse apoio. Seis meses? Um ano? Dois anos? Na minha opinião só esse apoio
de emergência e de alimentação não vai resolver. Hoje tem várias discussões de
apoio de emergência e de organizações não governamentais. Organizações da
sociedade civil estão conversando sobre qual é o plano de emergência para
salvar o povo Yanomami.
Só esse apoio de emergência e de alimentação não vai resolver
Por exemplo, tem que ter muitos médicos, enfermeiros,
técnicos de enfermagem e muito apoio de políticos locais para abastecer com
medicamentos e transporte. E nutricionistas para ver qual é o grau de
desnutrição.
(As ações emergenciais são) o primeiro passo e um ponto
positivo para a gente. Eu não sei, futuramente, se vai continuar isso. Mas é
bom. O governo está se preocupando e viu a realidade quando ele foi em Roraima.
Ele [Lula] viu as crianças na vida dele, pessoalmente. As crianças estão
doentes, estão desnutridas, com malária. E isso é desumano.
BdF: Essa preocupação
sobre a permanência do governo federal está em uma carta encaminhada
recentemente ao Executivo pela Hutukara Associação Yanomami, da qual você é
vice-presidente. Quais são as outras demandas apresentadas pela
Associação?
DK: Essa carta é
um plano de emergência e de desintrusão. O governo Lula tem que fazer isso:
retirar os garimpeiros na Terra Yanomami imediatamente. A carta fala de
melhoria de assistências e melhoria de educação. A gente enviou essa carta
falando sobre plano de emergência e plano estratégico.
Quando o governo federal pode fazer proteção territorial
imediatamente? Então a carta está dizendo que em dois anos, três anos, quatro e
até dez anos tem que monitorar território Yanomami. A gente pediu para o
governo fazer a proteção territorial permanente.
Se você tirar (os garimpeiros) amanhã, semana que vem eles
vão entrar de novo. Então essa carta está dizendo uma recomendação nossa. Ele
[Lula] tem que seguir o nosso plano. O governo tem que seguir isso. Se você
tirar 20 mil [garimpeiros] amanhã, por exemplo, isso não vai resolver. Tem que
ter policiamento, monitoramento, posto de fiscalizações, tem que ter bloqueio
ao redor do território Yanomami, com órgãos públicos de responsabilidade do
governo. (Tem que ter) apoio de logística e recursos. Por isso nós colocamos no
papel, na carta que entregamos ao governo.
Edição: MgCh
(blog Mangue do Cachoeira)
Publicado no BdF: 01 de
Fevereiro de 2023
Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2023/02/01/parem-de-mentir-lider-yanomami-dario-kopenawa-critica-militares-e-rebate-bolsonaristas