A atividade foi monitorada em três das terras indígenas brasileiras que
mais sofrem com garimpos ilegais de ouro: a Kayapó, a Munduruku (ambas no Pará)
e a Yanomami (em Roraima e no Amazonas). Somados, os três territórios ocupam
uma área equivalente à do Estado de São Paulo e abrigam alguns dos trechos mais
preservados da Amazônia brasileira
João Fellet e Camilla
Costa na BBC News Brasil – Sociedade e Luta
Contra Exploração dos Índios e da Amazônia
Imagem Planet Labs Image caption. Frentes
de garimpo ilegal de ouro na Terra Indígena Kayapó, no Pará, em julho de 2019;
manchas claras indicam atividade mais recente
Imagens
de satélite analisadas pela BBC News
Brasil revelam uma expansão recente nos focos de garimpo ilegal em terras
indígenas da Amazônia ocorrida desde janeiro deste ano.
Indígenas
e ambientalistas atribuem o avanço - verificado em diferentes pontos do Pará e
de Roraima - a declarações do presidente Jair Bolsonaro em favor da exploração
mineral em terras indígenas e ao que consideram um afrouxamento do combate a
crimes ambientais pelo governo.
O
crescimento dos focos de garimpo ocorre num momento em que o Inpe (Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais) mostra uma alta nos índices de destruição na
Amazônia e tem seu trabalho contestado pelo presidente, para quem a divulgação
de dados de desmatamento pode prejudicar o país em negociações internacionais.
As
imagens avaliadas pela BBC são da Planet Labs, empresa americana que mantém
mais de cem satélites em órbita e fazem fotografias diárias de todo o globo.
A atividade foi monitorada em
três das terras indígenas brasileiras que mais sofrem com garimpos ilegais de
ouro: a Kayapó, a Munduruku (ambas no Pará) e a Yanomami (em Roraima e no
Amazonas). Somados, os três territórios ocupam uma área equivalente à do Estado
de São Paulo e abrigam alguns dos trechos mais preservados da Amazônia
brasileira.
Imagem Planet Labs Image caption. Frentes de
garimpo ilegal de ouro na região do rio Fresco, Terra Indígena Kayapó, no Pará, em julho de 2019;
manchas claras indicam atividade mais recente
A BBC
comparou fotos de garimpos - identificados pela BBC ou por grupos que monitoram
a atividade - feitas no início do ano e nas últimas semanas. Nos três
territórios monitorados houve um aumento das manchas que indicam a ação de
garimpeiros. O fenômeno ocorreu tanto em garimpos antigos, alguns criados há
mais de uma década, quanto em garimpos recentes.
Uma
ferramenta permite contrastar as fotografias, arrastando para a direita ou para
a esquerda as setas no centro da imagem. As diferenças na coloração das imagens
se devem a fatores climáticos ou ao uso de fotos feitas por satélites
diferentes, com graus distintos de resolução.
As
fotografias foram enviadas a dois especialistas em imagens de satélite: o
geólogo Carlos Souza Jr., do Imazon, e o geógrafo Marcos Reis Rosa, da Arcplan.
Ambos confirmaram se tratar de focos de garimpo em expansão. Algumas frentes de
garimpo retratadas ocupam áreas tão extensas quanto dezenas de campos de
futebol.
Procurados
pela BBC, o Ministério do Meio Ambiente, a Funai e a Polícia Federal não se
pronunciaram sobre o avanço da atividade nem sobre as críticas à atuação dos
órgãos até a publicação da reportagem.
Ouro yanomami em Roraima
Em junho,
a BBC publicou uma reportagem mostrando que o ouro se tornou em 2019 o segundo produto mais exportado por Roraima,
embora o Estado não tenha nenhuma mina operando legalmente.
Autoridades
investigam se o metal vem sendo extraído ilegalmente do território yanomami,
onde, segundo indígenas, ao menos 10 mil garimpeiros estariam operando
atualmente.
Imagem de satélite do garimpo na
terra indígena Kaiapó, a esquerda jan2019 e a direita jul2019
Coordenadora
executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sonia Guajajara
diz que indígenas de diferentes partes da Amazônia têm relatado "um
aumento absurdo nas invasões" de garimpeiros desde o início do governo
Bolsonaro.
Ela
afirma que declarações do presidente em defesa da extração de minérios em
terras indígenas estão estimulando os garimpeiros. Enquanto era deputado
federal e quando concorria à Presidência, Bolsonaro disse várias vezes ser
favorável à exploração econômica desses territórios para melhorar as condições
de vida das comunidades indígenas.
Em abril,
ao receber um grupo de indígenas de Roraima favoráveis à mineração, o
presidente afirmou que "o índio não pode continuar sendo pobre em cima de
terra rica".
Imagem de satélite do garimpo na
terra indígena Munduruku, a esquerda fev2019 e a direita jul2019
A
Constituição de 1988 prevê a exploração mineral em terras indígenas desde que
ela seja regulamentada por leis específicas. Como as leis jamais foram
aprovadas, a atividade é ilegal.
Desde
1996, tramita no Congresso um projeto de lei para regulamentar a mineração em
terras indígenas. O governo Bolsonaro tenta agora destravar a pauta.
Segundo
Sônia Guajajara, porém, a grande maioria das comunidades indígenas brasileiras
é contrária à regulamentação da atividade por temer seus impactos sociais e
ambientais.
No fim de
2018, a Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (Raisg),
que reúne oito ONGs ambientalistas latino-americanas, publicou um relatório
sobre ameaças à Amazônia. O documento identificou garimpos ilegais em 18 terras
indígenas no Brasil.
Imagem de satélite do garimpo na
terra indígena Yanomami, a esquerda jan2019 e a direita jul2019
Em alguns
territórios, balsas reviram o leito dos rios em busca de metais preciosos. Em
outros, além das balsas, há frentes de garimpo com escala quase industrial,
onde retroescavadeiras e dragas cavam crateras na mata. É o caso de boa parte
dos garimpos da região do Tapajós, no Pará, onde imagens de satélite mostram
grandes "cicatrizes" abertas na floresta. .
Além da
derrubada de árvores, a atividade provoca assoreamento de rios, desvia cursos
fluviais e cria lagos artificiais que servem como criatórios de mosquitos. Não
por acaso, a malária é comum em zonas de garimpo na Amazônia.
Em
algumas áreas reviradas pelas máquinas, os danos são permanentes, sem
possibilidade de regeneração completa.
Outro
problema é a poluição com mercúrio, usado por garimpeiros para facilitar a
aglutinação de grãos de ouro. Quando despejado nos rios, o mercúrio contamina
peixes e quem se alimenta deles, alojando-se em toda a cadeia alimentar.
Imagem Planet Labs Image caption.
"Cicatrizes" causadas pelo garimpo na região do Tapajós, tribo
Jacareanga no Pará, em imagem feita em julho de 2019
A
intoxicação pela substância pode provocar danos neurológicos e malformação em
bebês. Em 2016, um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto
Socioambiental (ISA) revelou que, em algumas aldeias yanomami, o índice de
pessoas contaminadas por mercúrio chega a 92%.
O garimpo
também é associado ao aumento de conflitos, de prostituição e de doenças nas
áreas indígenas onde se instala.
Em maio,
o líder yanomami Davi Kopenawa afirmou em uma conferência sobre mudanças
climáticas na Universidade Harvard (EUA) que Bolsonaro quer "que os
garimpeiros continuem até estragar nossos rios".
"Queria
que o governo tomasse as providências para a retirada dos invasores do garimpo
da terra demarcada e homologada", afirmou.
Fragilização dos órgãos ambientais federais
Para o
engenheiro florestal Paulo Barreto, pesquisador associado do Imazon, o
desmatamento na Amazônia tem sido estimulado não só pelas declarações de
Bolsonaro, mas também pela fragilização dos órgãos fiscalizatórios.
"Criou-se
um clima de vale tudo, e as pessoas acham que não serão punidas se
desmatarem", ele afirma à BBC.
Por ordem
do ministro do Meio Ambientel, Ricardo Salles, o orçamento anual do Ibama -
principal agência ambiental federal - foi reduzido em R$ 89 milhões neste ano,
um quarto do valor total.
Salles
diz que a redução foi um contigenciamento (suspensão temporária) exigida de
vários órgãos do governo, e que o Ibama está remanejando recursos para não
prejudicar suas operações em campo.
Imagem Ibama Image caption Terra Indígena Kayapó, no Pará, abriga frentes
de garimpo com área equivalente à de dezenas de campos de futebol
Em
entrevistas, o ministro tem rejeitado a avaliação de que houve um afrouxamento
no combate a crimes ambientais.
Para
ambientalistas, porém, Salles vem minando o órgão não só com cortes, mas também
com seus posicionamentos. No início de julho, madeireiros incendiaram um
caminhão-tanque do Ibama em Rondônia. Duas semanas depois, o ministro viajou ao
Estado e se reuniu com madeireiros, a quem chamou de "pessoas de bem que
trabalham neste país".
"O
que acontece hoje no Brasil, infelizmente, é o resultado de anos e anos e anos
de uma política pública da produção de leis, regras, de regulamentos que nem
sempre guardam relação com o mundo real", disse Salles na reunião, segundo
a Folha de S. Paulo. "O que estamos fazendo agora é justamente aproximar a
parte legal do mundo real que acontece em todo o país de norte a sul."
Bolsonaro
já se queixou várias vezes do Ibama e se comprometeu a acabar com o que
considera uma "indústria da multa" promovida pelo órgão.
Em 2012,
o próprio Bolsonaro foi multado em R$ 10 mil pelo Ibama por pescar em uma área
de proteção ambiental em Angra dos Reis (RJ). A multa foi anulada em dezembro
de 2018, poucos dias antes de Bolsonaro assumir a Presidência.
Imagem Sema-MT Image caption Cratera
de garimpo ilegal em Mato Grosso
Nesta
semana, o presidente voltou a ser criticado por ambientalistas ao contestar
práticas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão federal
responsável por monitorar o desmatamento na Amazônia.
Segundo
Bolsonaro, a divulgação de informações pelo órgão pode dificultar negociações
do Brasil com outros países - como as relacionadas ao acordo comercial entre o
Mercosul e a União Europeia. Líderes europeus têm expressado preocupação quanto
ao aumento do desmatamento no Brasil e às ações de Bolsonaro no setor
ambiental.
Em abril,
uma carta publicada na revista Nature e assinada por 607 cientistas e duas
organizações indígenas criticou o governo Bolsonaro por "trabalhar no
sentido de desmantelar as políticas contra o desmatamento". Segundo o
documento, "a nova administração do Brasil ameaça direitos dos indígenas e
as áreas naturais que eles protegem".
Aumento do desmatamento
Algumas
semanas antes da crítica de Bolsonaro ao Inpe, o ministro do Gabinete de
Segurança Institucional da Presidência, general Augusto Heleno, disse que os
índices de desmatamento da Amazônia são "manipulados".
No início
do mês, o Inpe divulgou que houve um aumento de 88% no índice de desmatamento
da Amazônia em junho em comparação com o mesmo mês de 2018.
Um porta-voz
do órgão associou o resultado ao aumento nas grilagens de terra e nas atividades
agrícolas e minerárias na região.
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-49053678?fbclid=IwAR0U7t2O9GQDAh-gdiU8jZPsNbmOEcxrpT3FkKtu0kwlQZec_wQ4MFOv0ms