Uma
sociedade de Antigo Regime que conheceu um projeto democrático e agora
experimenta uma Justiça de exceção em meio ao julgamento do ex-presidente
Por Willy Delvalle para RFI e DCM – Sociedade e Destinos Política Brasileira Pós-Golpe
Uma
sociedade de Antigo Regime que conheceu um projeto democrático e agora
experimenta uma Justiça de exceção em meio ao julgamento do ex-presidente Lula.
Esse é o retrato do
Brasil segundo Juliette Dumont, historiadora francesa e
professora do Instituto de Altos Estudos da América Latina (IHEAL), em Paris.
Para ela,
que viveu no Rio de Janeiro e pesquisa sobre a imagem do Brasil no exterior, a
projeção nacional sofreu um baque desde o golpe de 2016, ano em que se juntou
ao Movimento Democrático 18 de Março (data de nascimento do grupo) para
combater o impeachment e melhor informar a mídia francesa sobre o que acontecia
na política brasileira.
Nesta
entrevista para o Diário do Centro do Mundo, ela fala sobre perspectivas,
eleições, o a sociedade brasileira frente ao mundo.
Em
entrevista à RFI, você afirmou que a condenação à Lula é uma “afronta ao Estado
de Direito no Brasil” e que faltaram provas de corrupção contra o petista. Os
juízes e a grande mídia, portanto, mentiram ao negar que o julgamento foi
político, afirmando que os argumentos foram técnicos?
Eu acho
realmente que é realmente uma manipulação e uma hipocrisia muito grande do
Poder Judiciário e da mídia porque esse julgamento é muito problemático.
Primeiro porque faltam provas materiais da culpa do Lula. O processo inteiro
foi bem particular. Esse julgamento em segunda instância chegou muito rápido
num período em que normalmente os juízes estão de férias.
Então há
uma exceção em jogo para julgar Lula. Isso mostra de maneira geral, e não só no
caso do processo do Lula, o fato de o Brasil estar conhecendo uma Justiça de
exceção. Por isso falei que é uma afronta ao Estado de Direito. É uma das
manifestações, a maior, das derivadas do Poder Judiciário nos últimos dois
anos. Essa narrativa da mídia dizendo que é um sucesso para o combate à
corrupção é uma maneira de esconder o fato de que esse judiciário está sendo
muito politizado.
Mas os
desembargadores disseram que o Conselho Nacional de Justiça estabeleceu como
prioridade o combate à corrupção, daí a razão para o aceleramento desse
julgamento, o que os levou a trabalhar em fins de semana e feriados.
Pois é…
Se o combate à corrupção é uma prioridade, vamos voltar um pouco ao passado.
Sou historiadora. Por que Eduardo Cunha não foi julgado mais rapidamente? Por
que se esperou tanto tempo, apesar das provas muito fortes que havia contra
ele? O que estou dizendo é que tem dois pesos e duas medidas. Por isso se pode
falar de uma politização e de uma teatralização.
O fato de
esse julgamento ter sido transmitido ao vivo por cinco canais de televisão, o
fato também de uma das televisões, a Band , ter divulgado o resultado antes
mesmo que os juízes tivessem terminado sua fala, o fato de o presidente do
tribunal ter dito dias antes do julgamento que ele estava a favor da
condenação, a sua chefe de gabinete ter divulgado uma petição no Facebook
chamando para a condenação do Lula. Tudo isso mostra um judiciário, pra fazer
um eufemismo, bastante fora dos padrões de um julgamento normal.
A justiça
se politizou ou sempre foi politizada?
Eu não
sou historiadora do sistema judiciário brasileiro. Eu acho que ele se politizou
bastante nos últimos anos. Mas o que se revela nesses últimos anos é que as
instituições democráticas, e não só o Judiciário, nascidas na Constituição de
1988, não foram suficientemente consolidadas. Por exemplo, o fato de a Comissão
Nacional da Verdade, aberta pela presidente Dilma Rousseff, em 2011, ter se
reunido só em 2011 mostra que está sendo muito difícil desde a redemocratização
apurar o que ocorreu na Ditadura Militar. Não tenho elementos para dizer que há
uma politização de muito tempo no Judiciário do Brasil, mas, sim, uma fraqueza
das instituições democráticas brasileiras e do Judiciário pra cumprir com as
metas democráticas e do Estado de Direito no Brasil, seguindo o texto da
Constituição de 1988.
Estamos
falando de uma pessoa muito conhecida, ex-presidente, mas no dia a dia do
Judiciário, do funcionamento também da Polícia Militar, o que se vê é uma
perseguição muito forte a sindicalistas, a pessoas pobres e realmente uma
justiça de dois pesos e duas medidas em função das pessoas julgadas.
Por que
diversos políticos de direita, inclusive Michel Temer, disseram que era melhor
que Lula perdesse nas urnas?
Porque
nessas últimas semanas o que se vê é que se pensava que a justiça estava
fazendo seu trabalho, que o Sergio Moro realmente era um combatente à
corrupção. Estão percebendo que esse combate à corrupção escondia outras
coisas. E objetivos políticos. Então, parte da opinião começa a se distanciar
dessa narrativa. Já que o Michel Temer e outros políticos que manifestaram essa
opinião têm uma adesão muito fraca nas pesquisas de opinião, só podem dizer
isso.
Senão,
eles aparecem como perseguidores do Lula e do PT. Como o Lula continua sendo a
pessoa como mais adesão nas pesquisas de intenção de voto para as próximas
eleições, seria contraprodutivo aparecer como se estivesse fazendo uma caça às
bruxas a ele. Então, o distanciamento desses políticos e do Michel Temer para
com o julgamento me parece uma tática.
Você
acredita que houve um pacto entre os juízes da Operação Lava Jato e a mídia,
como diz o ex-presidente?
Eu não
sei se há um pacto. Pacto é um termo muito forte que implica uma retórica do
complô que eu não gosto. Um pacto, não. Mas interesses comuns, acho que sim.
Interesses comuns em promover uma política neoliberal. Está-se vendo nesses
últimos quase dois anos que está se desfazendo as políticas sociais
implementadas pelo Lula e pela Dilma Rousseff; Reforma Trabalhista, Reforma da
Previdência, corte nos gastos com a educação, com a saúde, privatização de
empresas públicas, tudo isso favorece os interesses de uma minoria econômica,
política… E se sabe muito bem que a grande mídia brasileira pertence a poucos, que
também têm interesses econômicos. Mais do que um pacto é a conjugação de
interesses convergentes.
A
cobertura midiática do julgamento apresentava os votos do julgamento como um
placar. Nas ruas, havia uma mobilização polarizada em torno do julgamento. O que
você pensa sobre esse contexto?
O que se
vê desde o início do impeachment da Dilma Rousseff é uma polarização muito
forte da sociedade brasileira. Eu, que conheço o Brasil há quase trinta anos,
acho que nunca vi o país tão dividido, uma violência do debate política muito
forte, e isso é muito assustador. Porque se liberam palavras. A palavra na
política é muito importante. E o que se vê é que as pessoas já não prestam
atenção ao peso das palavras e à violência das palavras. Isso é muito
prejudicial para o debate público, para a democracia e leva as pessoas a se
desfazer dos partidos tradicionais, que estão em crise, como em todas as
democracias representativas no mundo ocidental.
E a
voltar-se pra movimentos ditos alternativos. Eu penso, por exemplo, nos
evangélicos. Ou a movimentos extremistas, como mostram as pesquisas de intenção
de voto em relação ao Jair Bolsonaro. Porque, como na Europa, como nos Estados
Unidos, há um desencantamento para com os partidos tradicionais e a política em
geral e isso é muito prejudicial à democracia e uma democracia, que eu repito,
não é suficientemente consolidada no Brasil. Também porque não há uma cultura
política muito forte. Os partidos políticos, fora o PT, até acessar o governo,
não têm uma coluna vertebral partidária muito forte. O debate não somente se
polariza, mas se empobrece.
O Brasil
é uma democracia?
(Silêncio
por alguns segundos) Boa pergunta. (Mais silêncio por alguns instantes). O
Brasil conheceu um projeto democrático. Há muitos democratas convictos no
Brasil, mas falta muito para que o Brasil seja não só uma democracia formal,
mas uma democracia na prática. E isso tem a ver com a história, a herança da
ditadura, que não foi resolvida. E estamos num contexto mundial de
enfraquecimento das democracias, de crise da democracia representativa
tradicional. Então essa conjuntura da história particular do Brasil com esse
contexto mundial faz com que o que hoje esteja em xeque no processo do Lula,
mas não somente em relação a ele, é saber se realmente há uma sociedade e um
regime democrático no Brasil.
Por que
surgiu essa polarização?
Tem
raízes históricas e causas do contexto atual. Quando surgiram esses movimentos
pedindo o impeachment da Dilma Rousseff, mas também movimentos muito
reacionários, como o Escola Sem Partido, ou os ataques que sofreu a Judith
Butler quando foi a São Paulo, isso tudo tem origens na história dos 50 últimos
anos do Brasil. Estamos vendo ressurgir vozes, ideologias que, na verdade,
nunca desapareceram totalmente, mas que, com a redemocratização e com a boa
saúde econômica do Brasil no início do século XXI, se faziam menos presentes.
O fato de
o Lula e a Dilma em seu primeiro mandato terem conseguido governar revela que,
no momento, se conseguiu, graças à saúde econômica também, fazer a chamada
“tradição de conciliação no Brasil”. Eu lembro muito bem quando o Lula foi
eleito, ele foi para o Fórum Social de Porto Alegre e foi para Davos. Foram
dois polos da sua política. Ele conseguiu beneficiar as camadas mais pobres do
Brasil, mas também as mais ricas. Os que se sentiram fora do jogo foram partes
da classe média. Porém, como a situação econômica estava bem, não tinham como
reclamar. A partir do momento em que houve a crise econômica, o governo do PT
não podia continuar dando tanto a uns e a outros. E começaram também a aparecer
todas as falhas desse governo de coalizão que existe desde a redemocratização e
as contradições de uma coalizão que reúne duas entidades que normalmente não se
deveria reunir.
Um
governo do PT com o PMDB é um absurdo! Então, essa polarização é o resultado de
uma crise econômica, do fato de o Brasil ser um país desigual, um país onde o
ódio de classe ainda é muito grande, de um sistema político que está
demonstrando os seus limites e a conjunção de tudo isso leva a uma polarização
muito forte. Até para as pessoas que não votaram para o Lula e para a Dilma,
nessa primeira década dos anos 2000, o governo do PT levou certas esperanças e
certas expectativas. E, com a crise, essas expectativas não podem ter uma
resposta positiva. E isso leva muita frustração, o Brasil cresceu muito rápido
e a queda é ainda mais dolorosa.
É isso
que explica, em parte da sociedade brasileira, tanto ódio em relação ao
ex-presidente Lula?
Sim. Eu acho
realmente que, pode parecer uma linguagem muito do século XIX, ou do auge do
comunismo, mas se há um país onde ainda se pode falar de luta de classes – e
olha que eu não sou marxista – é o Brasil. O que eu observo muito, e não sou a
única, é que muitas pessoas, notadamente da classe média, não suportaram ver a
ascensão das classes populares. A sociedade brasileira, em muitos aspectos,
parece uma sociedade de Antigo Regime, baseada em privilégios. E o fato de as
classes populares ganharem direitos ia contra os privilégios de outros. Eu acho
que, enquanto a sociedade brasileira não assumir isso, não haverá solução.
Enquanto não houver um projeto político que coloque isso em jogo de maneira
muito clara, não haverá resolução. Pode haver períodos onde essa polarização se
amenize, mas sempre em contexto de crise, seja política ou econômica, essas
polarizações ressurgirão.
Por que
ninguém criticou a condenação de Eduardo Cunha e o contrário ocorre com Lula?
Porque,
para o Cunha, havia provas (risos). Agora há um julgamento fundado em sua
maioria na delação do Léo Pinheiro e na íntima convicção do juiz Sergio Moro.
Não são argumentos juridicamente pertinentes. Não sou especialista do Direito,
não sou jurista, mas há vários juristas no Brasil e também no exterior que
mostraram que esse processo contra o Lula sai totalmente do devido processo
regular.
Pessoas
da direita que são presas não mais representam prejuízo ou, de certa forma, não
alterarão o jogo político da direita. É isso?
Sim. No
estado do Rio de Janeiro, eu não me lembro do nome das pessoas, foram
condenados por um esquema de corrupção sobre os transportes e os deputados da
Câmara do Rio de Janeiro decidiram liberá-los. Por quê? Porque os próprios
deputados temiam que essas três pessoas pudessem fazer revelações que os
comprometessem.
É o caso
de Sérgio Cabral e Cunha?
Sim. Não
se podia mais negar sua culpabilidade. Mais uma vez: se esperou muito tempo
para se prender o Cunha. E as provas estavam aí. Então, seria flagrante demais
não prender o Cunha enquanto todo mundo sabia que havia provas para prendê-lo.
Então é uma maneira de legitimar a ação do Judiciário.
Quais são
as consequências da condenação do Lula para a imagem do Brasil no mundo?
(Suspiro)
Eu vou responder só do ponto de vista da França. A imagem do Brasil já sofreu
muito desde os últimos dois anos. Não se entende o que está acontecendo no
Brasil. Ou há um silêncio alucinante na grande mídia francesa, não se fala do
Brasil, não interessa mais o que está acontecendo no Brasil; ou então tem essa
narrativa, ouvida por exemplo na FranceInter, dizendo “essa sentença é o triunfo
da democracia e da luta contra a corrupção”, sem maior investigação crítica. O
único artigo que tenta entender o que está acontecendo
foi publicado no Le Figaro , que é um jornal de direita, então não pode ser
suspeito de estar a favor do Lula, ou de estar defendendo o Lula.
E esse
artigo mostra muito bem essa justiça de exceção, sem defender o Lula. E também
não é meu papel defender o Lula. Eu quero deixar muito claro que eu não sou
militante do PT. Eu não acho que seja bom que a única esperança da esquerda no
Brasil seja o Lula. O que realmente me chama a atenção, e também para outros
pesquisadores aqui na França, é o ataque ao Estado de Direito. E isso não se
percebe muito bem na França. E isso porque a mídia deixou de se interessar pelo
Brasil. E isso é muito revelador dessa imagem muito enfraquecida do Brasil no
cenário internacional.
Esse
processo teria começado com o golpe?
Sim. Pra
mim, faz parte de uma tendência, de uma dinâmica que existe desde o golpe, de
uma vontade de reverter as políticas que, tanto o Lula como Dilma Rousseff,
fizeram no Brasil, sobretudo as políticas sociais. É totalmente alucinante um
governo não eleito, como é o governo do Michel Temer, fazer uma política… Ele
não está cumprindo um papel de interino entre a destituição e as eleições. Ele
está cumprindo um programa político. E um programa político que não passou
pelas urnas. E o fato de ter esse processo judiciário ter como objetivo de
impedir o Lula de ser candidato está na mesma dinâmica. Não sei se se pensou
nesse processo desde o impeachment, mas é a mesma dinâmica.
O
confisco do passaporte do Lula, impedindo-o de viajar à Etiópia, faz parte
dessa dinâmica, desse ataque?
Claramente.
São mais de cinco processos em curso contra o Lula. Vai ser muito difícil pra
ele escapar disso. Eu penso que é preciso distinguir duas coisas: o fato de
denunciar essas derivas do sistema judiciário e esses ataques contra o Estado
de Direito numa perspectiva totalmente partidária e o fato de realmente lutar
contra a corrupção. Eu não estou dizendo que não houve corrupção no seio do PT
e que Lula seja um santo. O que é preciso destacar é a utilização do Poder
Judiciário numa perspectiva partidária.
Do meu
ponto de vista, há uma vontade muito clara de, de um lado, impedir que Lula
seja candidato, e, de outro lado, limitar suas possibilidades de se expressar.
O que fica evidente no manifesto “Eleição sem Lula é fraude”, assinado por 200
mil pessoas, no Brasil, mas também por muitas personalidades estrangeiras, é
que Lula tem uma popularidade no Brasil e no exterior. E que essa popularidade
no exterior incomoda aqueles que decidiram condená-lo. Então, o fato de
impedi-lo de viajar é claramente uma maneira de reduzir a possibilidade, para
ele, de se defender também fora das fronteiras do Brasil.
Por que
não há outro líder popular de esquerda no Brasil?
Eu acho
que tem duas causas. Uma, mais uma vez não é só no Brasil, é mais global, no
Ocidente, é o enfraquecimento das esquerdas, que se pode observar tanto na
América Latina, como na Europa. As esquerdas não conseguem propor um projeto
político e um projeto de governo e propor lideranças que atraiam uma maior
quantidade de eleitores. A segunda questão é o papel do Lula. O Lula impediu
que emergissem outras lideranças na esquerda. É sempre perigoso para um
movimento ter um homem providencial, porque isso não permite a emergência de
outras lideranças.
Você
acredita que ele foi autoritário?
Eu não
entraria nisso. Mas de maneiras autoritárias ou não, ele não permitiu essa
emergência. Continuando a ocupar todo o cenário. Eu não sou especialista do
funcionamento do PT, conscientemente ou não, ele impediu a emergência de outras
lideranças. Eu insisto na combinação dos dois fatores. Temos também uma
esquerda no Brasil, como em outros países, que é muito dividida. Vimos aqui na
França nas eleições presidenciais, havia muitos candidatos de esquerda. E o
resultado foi que a esquerda não foi para o segundo turno. O fato de Jean-Luc
Mélenchon e Benoît Hamon não conseguirem falar-se mostra isso. No Brasil, se vê
isso também e esse líder muito popular que é o Lula, que não deixou muito
espaço para outras pessoas.
Às
proximidades do julgamento, os partidos de esquerda começaram a dialogar com
mais intensidade entre si. Foi tarde demais?
Antes
tarde do que nunca. No Brasil, como em outros lugares, se viu de maneira muito
nítida agora nas eleições no Chile. Houve um diálogo das esquerdas, mas um
diálogo muito tardio, que não permitiu impedir que o Piñera vencesse.
Políticos
de direita reagiram com ânimo e houve até a Festa da Condenação. Na sua visão,
quais são as perspectivas para o cenário político-eleitoral depois desse
julgamento?
Temos uma
direita tradicional, que por enquanto não tem seu candidato. Tem esse candidato
de extrema direita, Bolsonaro. Uma esquerda que sem Lula está muito fraca.
Também por isso é que Michel Temer evoca a possibilidade de um semi
parlamentarismo. A argumentação de Temer é de dar mais força para o Parlamento,
citando a França como exemplo. Eu acho que é uma maneira de não pensar em
profundidade uma reforma séria do sistema político brasileiro.
A senhora
acredita que existe algum risco de não haver eleições este ano?
Eu acho
que o risco existe sim.
Por quê?
Por causa
justamente desse cenário muito instável. Por causa da polarização da opinião
pública. E de haver um discurso dizendo: “não há condições de ter eleições esse
ano”. Já faz alguns meses que há frases e discursos evocando a possibilidade de
que não haja eleições. Eu acho que a situação das próximas semanas vai pesar
nisso.
Inclusive
com a intervenção militar?
Eis a
grande questão. Até setembro, os militares não tinham se manifestado na disputa
política. Com a fala do general Mourão, teve um momento que se pensou que os
militares estavam a ponto de fazer uma intervenção. E se fez um paralelo com os
militares em 1964. De setembro até hoje, os militares não se manifestaram mais.
Não sei se isso quer dizer que não vão se manifestar ou que vão se manifestar
de novo.
Existem
paralelos entre 1964 e o que o Brasil está vivendo agora?
Existem
paralelos. Por exemplo, o fato da luta contra a corrupção ser considerada como
o lema principal do debate político; também o fato de ressurgir um discurso
anticomunista, anti esquerdista muito forte; o papel da classe média foi muito
forte em 1964. Para o historiador, é sempre importante ver quais são as
semelhanças, mas também as características inéditas da situação. E o mundo de
1964 não é o mundo de 2018. Os paralelos podem nos ajudar a pensar a situação,
mas não concluir uma semelhança total.
Os nomes
“fora” da política têm mais chances agora?
Sim.
Candidatos que surgem de outras esferas? Eu acho que sim. Tem essa
possibilidade. Na Itália, depois da Operação Mãos Limpas, surgiu o “outsider”
Berlusconi, que ganhou as eleições. Existe a possibilidade de “outsiders” se
aproveitarem da desconfiança da opinião pública em relação aos partidos
políticos tradicionais.
Você
teria mais alguma consideração a fazer?
Como
pessoa que conhece o Brasil, que viveu lá, acho uma grande tristeza porque o
país representou, no início dos anos 2000, uma esperança para os brasileiros e
também fora do Brasil. Eu teria muitas críticas a fazer à política do Lula e da
Dilma Rousseff, mas o que não se pode negar é que o Lula, um pouco menos a
Dilma, voltaram a conjugar o verbo “esperançar”. E tinham um projeto para o
conjunto da sociedade brasileira. Hoje, o que me chama a atenção é a ausência
de projetos políticos para toda a sociedade brasileira.
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