Se você pode controlar as informações a que uma pessoa tem acesso, você
pode controlar a maneira com que ela percebe o mundo e, com isso, pode influenciar
a maneira como se comporta e age
por Rafael Azzi para Revista Forum – Sociedade e Luta
Democrática Brasileira
Figura fake news (internet)
Sua tia
não é fascista, ela está sendo manipulada
Você se
pergunta como um candidato com tão poucas qualidades e com tantos defeitos pode
conseguir o apoio quase que incondicional de grande parte da população?
Você já
tentou argumentar racionalmente com os eleitores deles, mas parece que eles
estão absolutamente decididos e te tratam imediatamente como inimigo no mais
leve aceno de contrariedade?
Até sua
tia, que sempre foi fofa com você, agora ataca seus posts sobre política no
facebook?
Pois bem,
vou contar uma história.
O
principal nome dessa história é um sujeito chamado Steve Bannon. Bannon tinha
uma visão de extrema direita nacionalista. Ele tinha um site no qual expressava
seus pontos de vista que flertavam com o machismo, com a homofobia, com a
xenofobia, etc. Porém, o site tinha pouca visibilidade e seu sonho era que suas
ideias se espalhassem com mais força no mundo.
Para
isso, Bannon contratou uma empresa chamada Cambridge Analytica. Essa empresa
conseguiu dados do facebook de milhões de contas de perfis por todo mundo. Todo
tipo de dado acumulado pelo facebook: curtidas, comentários, mensagens
privadas. De posse desses dados e utilizando algoritmos, essa empresa poderia
traçar perfis psicológicos detalhados dos indivíduos.
Tais
perfis seriam então utilizados para verificar quais indivíduos estariam mais
predispostos a receber as mensagens: aqueles com disposição de acreditar em
teorias conspiratórias sobre o governo, por exemplo, ou que apresentavam algum
sentimento de contrariedade difuso ao cenário político atual.
A
estratégia seria fazer com que esse indivíduo suscetível a essas mensagens
mudasse seu comportamento, se radicalizasse. Como as pessoas passaram a receber
as notícias e a perceber o mundo principalmente através das redes sociais, não
é difícil manipular essas informações. Se você pode controlar as informações a
que uma pessoa tem acesso, você pode controlar a maneira com que ela percebe o
mundo e, com isso, pode influenciar a maneira como se comporta e age.
Posts no
facebook podem te fazer mais feliz ou triste, com raiva ou com medo. E os
algoritmos sabem identificar as mudanças no seu comportamento pela análise dos
padrões das suas postagens, curtidas, comentários.
Assim,
indivíduos com perfis de direita e seu tradicional discurso “não gosto de
impostos” foram radicalizados para perfis paranóicos em relação ao governo e a
determinados grupos sociais. A manipulação poderia ser feita, por exemplo,
através do medo: “o governo quer tirar suas armas”. Esse tipo de mensagem
estimula um sentimento de impotência e de não ser capaz de se defender.
Estimula também um sentimento de “somos nós contra eles”, o que fecha a pessoa
para argumentos racionais.
Sites e
blogs foram fabricados com notícias falsas para bombardear diretamente as
pessoas influenciáveis a esse tipo de mensagem. Além disso, foi explorado
também um sentimento anti-establishment, anti-mídia tradicional e anti “tudo
isso que está aí”. Quando as pessoas recebiam várias notícias de forma direta,
e não viam essas notícias repercutirem na grande mídia, chegavam à conclusão de
que a grande mídia mente e esconde a verdade que eles tem.
Se antes
a mídia tradicional podia manipular a população, a manipulação teria que ser
feita abertamente, aos olhos de todos. Agora, todos temos telas privadas que
nos mandam mensagens diretamente. Ninguém sabe que tipo de informação a pessoa
do lado está recebendo ou quais mensagens estão construindo sua percepção de
realidade.
Com esse
poder nas mãos, Bannon conseguiu popularizar a alt right (movimento de extrema
direita americana) entre os jovens, que resultou nos protestos “unite de right”
no ano passado em Charlottesville, Virgínia que tiveram a participação de
supremacistas brancos. Bannon trabalhou na campanha presidencial de Donald
Trump e foi estrategista de seu governo. A Cambridge Analytica trabalhou também
no referendo do Brexit, que foi vencido principalmente por argumentos
originados de fakenews.
Quando a
manipulação veio à tona, Mark Zuckerberg foi chamado ao senado americano para
depor. Pra quem entendeu o que houve, ficou claro que a democracia da nação
mais importante do mundo havia sido hackeada. Mas os congressistas pouco
entendimento tinham de mídia social; e quem estaria disposto a admitir que a
democracia pode ser hackeada através da manipulação dos indivíduos?
Zuckerberg
estava apenas pensando em estabelecer um modelo de negócios lucrativo com a
venda de anúncios direcionados. A coleta de dados e a avaliação de perfil psicológico
das pessoas tinham a intenção “inocente” de fazer as pessoas clicarem em
anúncios pagos. Era apenas um modelo de negócios. Mas esse mesmo instrumento
pode ser usado com finalidade política.
Ele se
deu conta disso e sabia que as eleições brasileiras podiam estar em risco
também. Somos uma das maiores democracias do mundo. O facebook tomou medidas
ativas para evitar que as campanhas de desinformação e manipulações ocorressem
em sua rede social. Muitas contas fake e páginas que compartilhavam informações
falsas foram retiradas do facebook no período que antecede as eleições.
Mas não
contavam com a capilarização e a popularização dos grupos de whatsapp. Whatsapp
é um aplicativo de mensagens diretas entre indivíduos; por isso, não pode ser
monitorado externamente. Não há como regular as fakenews, portanto. Fazer um
perfil fake no whatsapp também é bem mais fácil que em outras redes sociais e
mais difícil de ser detectado.
Lembram
do Steve Bannon, que sonhou com o retorno de uma extrema direita nacionalista
forte mundialmente? Que tinha ideias que são classificadas como anti minorias,
racistas e homofóbicas? E que usou um sentimento difuso anti “tudo que está
aí”, e um medo de os homens se sentirem indefesos para conquistar adeptos?
Pois bem,
ele se encontrou em agosto com Eduardo Bolsonaro. Bolsonaro disse que o Bannon
apoiaria a campanha do seu pai com suporte e “dicas de internet”, essas coisas.
Bannon é agora um “consultor eventual” da campanha. Era o candidato ideal pra
ele, por compartilhava suas ideias, no cenário ideal: um país passando por uma
grave crise econômica com a população desiludida com a sua classe política.
Logo
depois de manifestações de mulheres nas ruas de todo o Brasil e do mundo contra
Bolsonaro, o apoio do candidato subiu, entre o público feminino, de 18 para 24
por cento. Um aumento de 6 pontos depois de grande parte das mulheres se unir
para demonstrar sua insatisfação com o candidato.
Isso
acontece porque, de um lado, a grande mídia simplesmente ignorou as
manifestações e, por outro, houve um ataque preciso às manifestações através
dos grupos de whatsapp pró-Bolsonaro. Vídeos foram editados com cenas de outras
manifestações, com mulheres mostrando os seios ou quebrando imagens sacras, mas
utilizadas dessa vez para desmoralizar o movimento #elenão entre as mais conservadoras.
Além
disso, Eduardo Bolsonaro veio a público logo após a manifestação e declarou:
“As mulheres de direita são mais bonitas que as de esquerda. Elas não mostram
os peitos e nem defecam nas ruas. As mulheres de direita têm mais higiene.”
Essa declaração pode parece pueril ou simplesmente estúpida mas é feita sob
medida para estimular um sentimento de repulsa para com o “outro lado”.
Isso não
é nenhuma novidade. A máquina de propaganda do nazismo alemão associava os
judeus a ratos. O discurso era que os judeus estavam infestando as cidades
alemãs como os ratos. Esse é um discurso que associa o sentimento de repulsa e
nojo a uma determinada população, o que faz com que o indivíduo queira se
identificar com o lado “limpo” da história. Daí os 6 por cento das mulheres que
passaram a se identificar com o Bolsonaro.
Agora é
possível compreender porque é tão difícil usar argumentos racionais para dialogar
com um eleitor do Bolsonaro? Agora você se dá conta do nível de manipulação
emocional a que seus amigos e familiares estão expostos? Então a pergunta é: “o
que fazer?”
Não
adiante confrontá-los e acusá-los de massa de manobra. Isso só vai fazer com que
eles se fechem e classifiquem você como um inimigo “do outro lado”. Ser chamado
de manipulado pode ser interpretado como ser chamado de burro, o que só vai
gerar uma troca de insultos improdutiva.
Tenha
empatia. Essas pessoas não são tolas ou malvadas; elas estão tendo suas emoções
manipuladas e estão submetidas a uma percepção da realidade bastante diferente
da sua.
Tente
trazê-las aos poucos para a razão. Não ofereça seus argumentos racionais logo
de cara, eles não vão funcionar com essas pessoas. A única maneira de mudar seu
pensamento é fazer com que tais pessoas percebam sozinhas que não há argumentos
que fundamentem suas crenças e as notícias veiculadas de maneira falsa.
Isso só
pode ser feito com uma grande dose de paciência e de escuta. Peça para que a
pessoa defenda racionalmente suas decisões políticas. Esteja aberto para
ouvi-la, mas continue sempre perguntando mais e mais, até ela perceber que
chegou num ponto em que não tem argumentos para responder.
Pergunte,
por exemplo: “Por que você decidiu por esse candidato? Por que você acha que
ele vai mudar as coisas? Você acha que ele está preparado? Você conhece as
propostas dele? Conhece o histórico dele como político? Quais realizações ele
fez antes que você aprova?”
Em muitos
casos, a pessoa tentará mudar o discurso para falar mal de um outro partido ou
do movimento feminista. Tal estratégia é esperada porque eles foram programados
para achar que isso representa “o outro lado”, os inimigos a combater.
Nesse
caso, o caminho continua o mesmo: tentar trazer a pessoa para sua própria
razão: “Por que você acha que esse partido é tão ruim assim? Sua vida melhorou
ou piorou quando esse partido estava no poder? Como você conhece o movimento
feminista? Você já participou de alguma reunião feminista ou conhece alguém
envolvido nessa luta?”
Se
perceber que a pessoa não está pronta para debater, simplesmente retire-se da
discussão. Não agrida ou nem ofenda, comportamento que radicalizaria o
pensamento de “somos nós contra eles”. Tenha em mente que os discursos que essa
pessoa acredita foram incutidos nela de maneira que houvesse uma verdadeira
identificação emocional, se tornando uma espécie de segunda identidade. Não é
de uma hora pra outra que se muda algo assim.
Duas das
mais importantes democracias do mundo já foram hackeadas utilizando tais
técnicas de manipulação. O alvo atual é o nosso país, com uma das mais
importantes democracias do mundo. Não vamos deixar que essas forças nos joguem
uns contra os outros, rasgando nosso tecido social de uma maneira
irrecuperável.
https://www.revistaforum.com.br/guru-da-ultra-direita-mundial-e-ex-assessor-de-trump-atua-na-campanha-das-redes-sociais-de-bolsonaro/