“No
Brasil se planta a árvore pela copa e não pela raiz, segundo Frei Betto”
por
redação do blog leonardoboff – Sociedade e a Educação Brasileira
Feudal
Figura: a educação no Brasil (internet)
Em
entrevista ao jornal O Globo, frei Betto fala sobre a educação brasileira,
assunto de seu novo livro “Por uma educação crítica e participativa”.
O senhor
tem grande experiência em educação, tanto como teórico como junto a projetos
pedagógicos populares, e em “Por uma educação crítica e participativa” o senhor
aborda desafios contemporâneos da área. O senhor acredita que, além das
deficiências educacionais históricas do Brasil, temos à frente problemas nunca
antes enfrentados?
Frei
Betto: Temos muitos problemas ainda a serem enfrentados, porque nosso sistema
educacional é arcaico, burocrático, e agora agravado por essa proposta
deseducativa de “Escola Sem Partido”. Uma das maiores contradições brasileiras
é o investimento em cursos superiores superarem largamente o que se faz na
pré-escola e no ensino fundamental. Insistimos em plantar a árvore pela copa, e
não pela raiz… Os professores são mal pagos, a escola pública está sucateada e,
para coroar o bolo com pimenta ardida, o governo ainda congela por 20 anos o
investimento em educação. Isso explica o triste fato de, em 2017, entre 4 milhões
de redações no Enem apenas 53 merecerem a nota máxima!
As novas
tecnologias, hoje ferramentas fundamentais para a educação (inclusive a EAD),
também trazem riscos de desinformação. Isso se manifestou nestas eleições, em
que as chamadas “fake news” superam, em muito, o alcance dos veículos
tradicionais. O senhor aborda o tema no livro, abrangendo também a força da
mídia televisiva no livro. Como o senhor acredita que a tecnologia digital pode
ser usada a serviço da educação?
Frei
Betto: Primeiro é preciso equipar as nossas escolas de ferramentas digitais. E
ensinar a lidar com elas. Nem sequer a maioria das escolas deu o passo da
tradicional interpretação de textos (era literária) para o olhar crítico frente
à TV, ao cinema e aos múltiplos recursos da internet (era imagética). O
resultado é milhões de pessoas sujeitas à descostura das mensagens digitais,
escravizadas pelas algemas virtuais do smartphone, jogando fora um tempo
precioso que poderia ser investido no diálogo ou na leitura. E pensam que estão
navegando quando, de fato, estão naufragando…
Um dos
assuntos que o senhor aborda no livro é a questão da Escola sem Partido, que
foi um dos temas de campanha de muitos candidatos conservadores, com o apoio de
uma grande massa de eleitores. Para o senhor, esta pode ser uma das maiores
ameaças à educação e a autonomia dos professores no país? Casos recentes de
professores agredidos em sala de aula ou do livro “Meninos sem pátria”, que foi
proibido no Santo Agostinho, já demonstram o impacto que este tipo pensamento
já causou?
Frei
Betto: Na educação não existe neutralidade. Ou se formam pensamento crítico,
critérios de discernimento e seleção de valores preferenciais ou o aluno fica
sujeito ao que “aprende” das redes digitais e da sedução publicitária. Em vez
de cidadão protagonista passa a ser mero receptáculo consumista. Com o risco de
ficar refém dos quatro “valores” do mercado: beleza, riqueza, fama e poder.
Isso explica por que há uma farmácia em cada esquina, e não uma livraria, um
cineclube ou um espaço de criação artística.
O senhor
destaca no livro a importância de Paulo Freire, apontado como a “raiz da
história do poder popular brasileiro”. Apesar de ser reconhecido mundialmente
como um dos maiores educadores de todos os tempos, Paulo Freire passou a ser
atacado no país por grupos que vêem seu método como uma forma de “doutrinação
ideológica”. Corremos o risco de ver as escolas pararem de formar cidadãos ao
se tornarem apenas repetidoras de conteúdo?
Frei
Betto: Ingênuo quem pensa que a publicidade, o entretenimento, a versão
elitista da história não são doutrinação ideológica. O que os que desprezam a
obra de Paulo Freire – e a maioria sem jamais ter lido um livro dele – são os
que insistem em encarar o mundo pela ótica ideológica dos dominadores, e não
dos dominados. Assim, são “educados” na convicção de que negros são
intelectualmente inferiores aos brancos; índios, seres primitivos que
atrapalham o progresso; mulheres, potenciais objetos eróticos; e homossexuais,
meros pervertidos. Não se constrói uma nação com tanta segregação, preconceito
e discriminação.
O senhor
relata muitas experiências bem-sucedidas em educação popular, desde as ações de
alfabetização em fábricas, junto ao MST ou em conjunto com as CEBs etc. O
senhor acredita que ao longo dos anos houve um afastamento das políticas
educacionais junto às bases populares e hoje o país paga esta conta?
Frei
Betto: Paga, e caro, pois nas avaliações internacionais o Brasil figura sempre
na rabeira comparado a outros países, inclusive da América Latina. No governo
Lula, à sombra do Fome Zero, implantamos um amplo sistema de educação popular –
cuja história está ainda por ser pesquisada e contata – conhecida por Recid,
Rede de Educação Cidadã. Ela abrigava 800 educadores populares profissionalizados
e mais 1.000 voluntários, destinados a favorecer a cidadania dos beneficiários
das políticas sociais. Isso já não existe, e o resultado é a dependência dos
favorecidos aos subsídios do governo, e não pessoas empreendedoras em busca de
sua emancipação econômica e social.
Outro
tema muito debatido atualmente que o senhor aborda no livro é a chamada
“ideologia de gênero”. Hoje, defensores do Escola sem Partido tratam qualquer
conteúdo que alerte sobre a homofobia e outros preconceitos como “ameaças à
família”. Como propor uma educação inclusiva e sem medo de assuntos tabus neste
contexto?
Frei
Betto: Nossas escolas nem sequer fazem educação sexual, tamanho o tabu. Quando
muito, dão aulas de higiene corporal para se evitar doenças sexualmente
transmissíveis. Aulas nas quais não se ouvem duas palavras fundamentais: afeto
e amor. Resultado: preconceito, gravidez precoce, sexualidade desprovida de
sentimentos, promiscuidade etc. Negar a diversidade de gênero equivale a
retornar à cosmologia de Ptolomeu e proclamar que é o sol que gira em torno da
Terra… Como diria Galileu Galilei, apesar de tudo, a diversidade existe.
O senhor
também defende uma educação em direitos humanos, que possa ajudar a assegurar
os direitos fundamentais que todas as pessoas possuem. Este é outro ponto que
vem sendo questionado pelos grupos conservadores, que constantemente relacionam
os direitos humanos a “privilégios” ou a “defesa de bandidos”. Como fazer com
que a escola volte a defender esta bandeira, que deve estar na base de qualquer
sociedade justa e igualitária?
Frei
Betto: Uma escola que não trata de direitos humanos, não faz da ética um tema
transversal, não educa politicamente (não confundir com partidariamente), está
fadada a deformar seres humanos e não a formar. Esse tipo de “educação” é que
gera gente como os que, semana passada, entraram na UnB, em Brasília, e
rasgaram livros de direitos humanos. Nesse ritmo, como predisse Darcy Ribeiro,
vamos ter um país com mais e mais cadeias, que só poderiam ser reduzidas com
mais e mais escolas. Não me estranha que, em plena campanha eleitoral, há quem
proponha dar a cada cidadão uma arma, e não um lápis ou uma caneta…
O livro
traz reflexões a partir do quadro educacional do Brasil, que no último
relatório da Unesco estava na 88ª posição entre 127 países, ou em penúltimo
lugar na lista de 36 nações pesquisadas pela OCDE. De que forma podemos
reverter este quadro, num cenário de congelamento de recursos e de redução de
investimento em áreas correlatas à educação, como cultura, ciência e tecnologia?
Como podemos nos aproximar das nações de ponta se não conseguimos resolver os
nossos problemas crônicos na educação?
Frei
Betto: Não podemos. A menos os que ousemos promover uma revolução na educação.
Perguntando, por exemplo, como o Japão, que é do tamanho do Maranhão, pobre e
destroçado pela guerra na década de 1940, em poucos anos se tornou uma potência
mundial. Sem educação não há solução. E todos nós somos frutos da educação que
recebemos ou da deseducação que nos foi imposta.
Em muitos
sentidos, inclusive espirituais, o livro defende que “saber educar é saber
amar”. Em um momento em que uma polarização política acirra os ânimos,
provocando casos de agressões e até homicídios, qual o papel da educação para
eliminar a cultura do ódio que se mostra cada dia mais forte?
Frei
Betto: O ódio é um veneno que você toma esperando que o outro morra. De que
vale uma escola ou uma educação que ignora os temas fundamentais da vida, como
amor, solidariedade, altruísmo, perda, fracasso, doença e morte?
*Frei Betto além de religioso,comprometido com a libertação
dos oprimidos pela via da educação humanística e ética tipo Paulo Freire
é um grande pedagogo e educador popular, pois vive transitando nesse meio.Acaba
de publicar um livro Por uma educação crítica e participativa no qual
resume as pautas principais de uma educação contemporânea que incorpora de
forma crítica os novos meios de comunicação e de conhecimento. Vale a
pena ler esta entrevista esclarecedora contra distorções sobre gênero, sobre
escola sem partido e outras. Lboff
https://leonardoboff.wordpress.com/2018/10/12/no-brasil-se-planta-a-arvore-pela-copa-e-nao-pela-raizfrei-betto/