" Liberdade de informação
tem a ver com o cidadão, não com o dono do jornal", Roberto Savio, jornalista italiano.
"O Brasil está muito atrasado nesta matéria. Ao oligopólio econômico
corresponde um oligopólio de opiniões, de análise. Então, você não pode
ter uma efetiva liberdade com restrições econômicas tão grandes à
expressão do pensamento, das diferentes correntes, dos diferentes
setores, dos diferentes grupos, dos mais variados. A regulação da mídia é
um passo fundamental para a democratização da sociedade brasileira",
salienta o professor Armando Boito Junior da Unicamp de São Paulo.
Jornalistas disputam espaço em entrevista coletiva (Imagem: Getty Images). Fonte: http://guiadoestudante.abril.com.br/blogs/pordentrodasprofissoes/tag/jornalismo/
Os debates sobre a necessidade
de regulação da mídia no Brasil já vêm há muito tempo. Estados Unidos,
França, Reino Unido, Alemanha, Canadá, Espanha e até Argentina, mesmo
contra a força do grande conglomerado de mídia que significava o Clarín, já passaram pelo processo. No Brasil,
quando se fala no assunto, ainda se remete, na maioria dos debates, à
ideia de que haveria um objetivo escondido de controlar a imprensa e
tolher a liberdade de expressão. A ação, contudo, se baseia em questões
legais para garantir justamente o contrário, destacam especialistas.
Como se trata também, todavia, de combater monopólios e oligopólios de
mídia, natural que o debate seja desvirtuado, completam.
Antes
mesmo do anúncio dos novos ministros do segundo mandato da presidente
Dilma Rousseff, a grande imprensa noticiava que Ricardo Berzoini seria
colocado no Ministério das Comunicações para tocar o projeto de
regulação da mídia. A nomeação realmente veio e, logo no início de
janeiro, o novo ministro da pasta declarou que o governo iria apresentar
proposta de regulação no segundo mandato da presidente.
"Já
existem dispositivos, premissas e princípios. É preciso discutir se
está bom, ou não está bom. Claro que nós temos uma conjuntura tensa,
difícil, mas vamos saber conduzir com tranquilidade.
Não temos uma crise institucional. Temos é uma tentativa de fomentar
uma crise política", disse Berzoini à Rádio Brasil Atual no início deste
mês.
Para a advogada Veridiana Alimonti, do Conselho Diretor
do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, por mais que
dificuldades surjam para que o projeto vá à frente, é importante que o
assunto não saia de pauta. Ela explica do que se trataria uma regulação
econômica no setor, que seria a implementada no país conforme
sinalizações do governo, e ainda o que poderia vir a ser uma regulação
de conteúdo, que poderia ser descartada por aqui, mas que ainda assim
seria importante, ela frisa.
"A situação (política) é
complicada, prevê que essa pauta mais uma vez sofra um revés, como já
sofreu no primeiro mandato do governo Dilma. No final do governo Lula,
já tinha um projeto para ser discutido, que a gente não chegou a
conhecer, mas já tinha uma pauta mais elaborada que não foi para frente,
e agora essa situação pode dar mais força para aqueles que sempre estão
presentes para dizer que isso não deve ser feito. Mas não sou eu que
vou descartar a pauta, cabe pressionar para que ela continue na agenda",
destaca.
Veridiana salienta que o discuso de que a regulação dos
meios de comunicação é uma censura, na verdade, é uma inversão do seu
real objetivo, pois é algo que faz parte, principalmente, da
Constituição Federal, mas que ainda não se reflete nas normas
infraconstitucionais (norma, preceito, regramento, regulamento e lei
hierarquicamente abaixo da Constituição Federal) de uma maneira
detalhada.
De acordo com a advogada, o Código Brasileiro de
Telecomunicações, de 1962, que chegou a receber alterações como a de
1967 que trata de limites de propriedade, tem limitações pequenas sobre
concentração de empresas nesse mercado. Limita apenas quantas emissoras
de rádio ou de televisão uma mesma empresa ou uma mesma pessoa pode ter,
não fala em grupo empresarial. Não garante, ainda, um controle da
existência de propriedade cruzada, que é quando uma empresa tem uma
determinada quantidade de diferentes meios de comunicação. A
Constituição também fala da importância de produção independente e
regionalização da produção, mas não há detalhes estabelecendo
porcentagem ou critérios.
"É interessante dizer que, quando a
gente fala da regulação dos meios de comunicação, a gente está tratando,
principalmente, de rádio e televisão, que são serviços públicos, de
acordo com a Constituição Federal e com a regulação infraconstitucional.
É uma concessão de serviço público que deve atender a um interesse
público, tanto o rádio quanto a televisão."
A
Constituição Federal veda monopólio e oligopólio nos meios de
comunicação social, e o artigo que estabelece isto é justamente o que
garante a liberdade de expressão na comunicação social. "A estrutura
jurídica do estado democrático brasileiro reconhece que a liberdade de
expressão só consegue ser garantida na comunicação social se não houver
oligopólio e monopólio. Como a gente combate oligopólio e monopólio? Com
regulação. O mercado sozinho, embora alguns acreditem que sim, não
combate a concentração. Ele, muitas vezes, tende, sim, a se concentrar,
se não houver mecanismos de controle em relação a isso."
A
regulação da mídia, então, deve funcionar tanto para estabelecer limite
da propriedade no mesmo meio de comunicação, cadeia de produção ou
diferentes meios, o que já é previsto na legislação de outros países
como Estados Unidos, na Europa e na América Latina, e ainda estabelecer
critérios dentro da própria programação de uma emissora, explica
Veridiana. Não é só garantir que existam diferentes agentes prestando
serviço, mas também que na prestação do serviço existam regras para
garantir a diversidade dessa programação ou, pelo menos, estimular essa
diversidade.
Outra questão que uma regulação econômica da mídia
trataria seria a regionalização da produção. Hoje, no país, grandes
emissoras -- Globo, SBT, Band, Record -- têm concessões só para alguns
municípios, mas se organizam em redes pelo Brasil com afiliadas, que são
outras emissoras, com outros proprietários. Embora sejam emissoras
regionais, elas acabam passando praticamente toda a programação das
grandes. "A regionalização da produção é também uma maneira de fazer com
que a programação da própria emissora seja mais diversa, mostre outras
pessoas, produtores, roteiristas, diretores."
Veridiana aponta
também a questão da complementaridade dos sistemas, que também tem laços
com a Constituição Federal. Esta diz que a radiodifusão tem de observar
o princípio da complementaridade de sistemas, entre sistema privado,
estatal e público. O estatal seriam os canais de poder público que falam
das atividades do poder público, como a TV Justiça e a TV Senado, que
funcionam como uma prestação de contas da atividade do poder público. O
sistema privado, por sua vez, está muito ligado ao sistema comercial,
que é o que se tem no Brasil como hegemônico, e o sistema público tem
relação com emissoras educativas ligadas à pastas do governo como
secretarias de cultura e educação, mas que não fazem prestação de contas
do Estado, têm um caráter diferenciado de programação.
"O ideal
seria que as outorgas fossem divididas entre os três (sistemas), mas o
que a gente vê é a predominância das três partes", aponta a advogada,
falando ainda da necessidade de superar desafios do sistema público de
comunicação brasileiro, que foi estruturado com a criação da Empresa
Brasil de Comunicação, mas que precisa ainda se consolidar em termos de
financiamento e autonomia.
Além desses pontos referentes à
regulação econômica, Veridiana destaca a importância da regulação de
conteúdo, que vem sendo deixada um pouco de lado e que não deveria ser
encarada como censura. "A regulação de conteúdo está longe de ser
censura, a gente já tem regulação de conteúdo na nossa legislação atual,
já tem horário para programas educativos, publicidade. Regulação de
conteúdo não é avaliar previamente o que está sendo transmitido e
decidir se vai ao ar ou não, claro que não. É ter mecanismos para
responsabilizar as emissoras e agentes específicos caso haja alguma
ofensa à legislação, o que, claro, vai se pautar em critérios
democráticos. É também um desvirtuamento do debate dizer que regulação
de conteúdo é censura."
Armando Boito Junior, professor do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, também é favorável
à regulação da mídia, por ser a única maneira de garantir uma efetiva
liberdade de expressão a um regime democrático. O que o Brasil tem hoje,
acredita o professor, é uma exagerada concentração dos meios de
comunicação, onde o mesmo grupo detém diferentes tipos de meios, e
transmite, publica e vende.
"O
Brasil está muito atrasado nesta matéria. Ao oligopólio econômico
corresponde um oligopólio de opiniões, de análise. Então, você não pode
ter uma efetiva liberdade com restrições econômicas tão grandes à
expressão do pensamento, das diferentes correntes, dos diferentes
setores, dos diferentes grupos, dos mais variados. A regulação da mídia é
um passo fundamental para a democratização da sociedade brasileira",
salienta o professor.
Para ele, os grupos que tentam sustentar a
tese de que a regulação econômica da mídia é contrária à liberdade de
expressão são justamente os grandes meios de comunicação que, por
intermédio do poder econômico e dessa situação de ausência de regulação,
têm condições de expressar seus pensamentos e opiniões em todos os
grandes meios, gerando uma espécie de pensamento único.
"Por exemplo, O Globo, Estadão e Folha,
os estudiosos que acompanham essas publicações costumam evidenciar a
uniformidade das manchetes. São sempre as mesmas, não só dando o fato
mas também emitindo uma opinião, e esse fato e essa opinião são sempre
os mesmos, nos três principais jornais do país. Será que há uma
unanimidade no Brasil sobre quais são os principais fatos a serem
destacados numa manchete, há uma unanimidade no Brasil sobre como
avaliar esses fatos? Eu creio que não", alerta.
Exemplos do vizinho e além
A advogada Veridiana
Alimonti destaca o exemplo da Argentina, que conseguiu, inclusive,
decisões favoráveis no tribunal diante de ofensivas de emissoras contra a
regulação, principalmente do grupo Clarín. Um exemplo é a
divisão do espectro, entre sistema estatal, público e privado. A
Argentina dividiu em três, para que as concessões levem em consideração
de forma igual esses três sistemas. Outro ponto importante foi
estabelecer a criação, em relação à regulação de conteúdo, de uma figura
chamada defensor do público, que seria quem recebe e dá andamento a
denúncias em relação à programação e provoca também a discussão em
relação a esta. Além de outros limites de concentração de propriedade,
tanto nacionais quanto locais.
Na França, existem limites para que
um mesmo grupo não tenha uma emissora de rádio, uma emissora de
televisão e um jornal num mesmo município, por exemplo. A legislação
americana, durante muito tempo, foi bastante restritiva também com
relação à concentração de propriedade dos meios de comunicação. Na
década de 1990, houve uma liberalização e o país passou a discutir
alguns critérios, mas houve limites que proibiam, por exemplo, que uma
empresa tivesse uma emissora de televisão no município e um jornal
também, destaca Veridiana.
"As organizações ao redor do mundo
estabelecem diferentes mecanismos de controle do poder econômico e de
comunicação de grupos empresariais. A gente tem que se inspirar nisso
para aprofundar a nossa democracia, e não ameaçá-la. A regulação
econômica dos meios de comunicação aprofunda a democracia brasileira, ao
trazer mais vozes, ao trabalhar melhor essas concessões, e não o
contrário", conclui a advogada.
Fórum na Tunísia
A
regulação dos meios de comunicação será um dos temas da Carta da Mídia
Livre, principal documento do Fórum Mundial de Mídia Livre que acontece
na Universidade El Manaer, em Túnis, capital da Tunísia, entre os dias
22 e 28 de março.
Bia Barbosa, coordenadora do Intervozes, falou durante o evento ao Portal EBC sobre
a importância de que esta carta seja utilizada para reivindicar um novo
marco regulatório para as comunicações no Brasil. "Nós estamos no meio
da luta por uma nova legislação das comunicações. Essa reivindicação,
sem dúvida, poderá aproveitar a força desse encontro internacional."
Para o italiano Roberto Savio, fundador e presidente emérito da Inter Press Service,
agência internacional de jornalistas colaborativa, a regulação dos
meios é fundamental para criar um sistema mais justo de informação, em
que o cidadão seja parte do processo.
" Liberdade de informação
tem a ver com o cidadão, não com o dono do jornal. Os donos dos meios
falam da liberdade da informação para manterem a liberdade de serem
donos do meio de informação", disse a EBC.
http://www.jb.com.br/pais/noticias/2015/03/24/regulacao-da-midia-aguca-democracia-nao-o-contrario-alertam-especialistas/
3.24.2015
Drogas: para o adolescente, parece que o proibido é mais gostoso
PAULO LISBOA/BRAZIL PHOTO
Cerca de 3,8% dos jovens brasileiros usam maconha
Drogas: discurso realista é mais eficaz que proibição
É importante conversar com os adolescentes sobre as características e efeitos de cada droga
Curiosidade, rebeldia, necessidade de afirmação perante um grupo,
desejo de vivenciar novas experiências. São diversos os motivos que
podem levar os adolescentes a procurar as drogas. O fácil acesso ao
álcool, tabaco e outras substâncias psicoativas antes mesmo da
maioridade e, portanto, em idade escolar, torna a questão ainda mais
delicada. De acordo com o Segundo Levantamento Nacional de Álcool e
Drogas - Comportamentos de Risco Entre Jovens, realizado pela
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com apoio do CNPq e da
Fapesp, é pouco antes dos 15 anos de idade que os brasileiros
experimentam as primeiras doses de álcool e fumam os primeiros cigarros.
Ainda segundo o estudo, 35% dos jovens com idades entre 14 e 25 anos
são usuários de álcool – dessa taxa, 18% menores de idade – e perto de
3,8% dos garotos menores de 18 anos e quase 18% dos homens jovens (com
idade entre 18 e 25 anos) são fumantes. Entre as drogas ilícitas, chama
atenção o uso da maconha: aproximadamente 3,8% da população jovem
afirmou
usar a substância – uma taxa relativamente baixa quando comparada a
outros países.
O contato inicial ocorre, muitas vezes, dentro dos próprios muros da
escola ou o problema adentra os portões de tantas outras maneiras que
torna-se fundamental a preparação da equipe pedagógica para lidar com o
tema, contemplado pelo Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) dentro
dos chamados “temas transversais”. Primeiramente, é preciso ter claro
que diferentes tipos de drogas, situações, níveis de consumo e contextos
familiares exigem também abordagens distintas. Em qualquer caso, porém,
um diálogo coerente e franco prova-se indispensável.
“Muitas escolas pecam por fingir que não está acontecendo nada, que o
problema não existe ou então por ter essa posição radical de expulsar o
jovem que está usando. Isso não funciona. Pais e alunos precisam ter a
segurança de que podem abrir situações com a escola e que esta tentará
ajudar ao máximo e não julgá-los ou entregá-los de alguma maneira”,
defende Ilana Pinsky, psicóloga e autora do livro Álcool e Drogas na
Adolescência (Ed. Contexto, 2014), ao lado do educador Cesar Pazinatto.
De acordo com Ilana, é comum que os pais procurem a escola em busca de
orientação e, nesse sentido, um posicionamento repressor da instituição,
em vez de auxiliar, acaba intensificando o problema. “Muitos pais
pensam ‘se meu filho está usando, é porque eu errei’ e não é bem assim.
Além disso, há uma série de preconceitos que acabam dificultando o
tratamento da situação com clareza.” O ideal é estabelecer um canal de
conversação e confiança entre os pares. Ao se sentir escutado, será
muito mais fácil para o adolescente escutar alguém mais experiente que
possa ajudá-lo a tomar suas decisões de forma mais racional e
consequente.
Para Cesar Pazinatto, por conta das crianças e adolescentes passarem um
tempo expressivo de suas rotinas diárias dentro da escola, este espaço
desempenha um papel fundamental no trabalho de prevenção de riscos e
promoção da saúde, passando pela questão da saúde sexual a das drogas.
“É preciso dar voz ao jovem, pois já é sabido que as famílias nunca são a
primeira fonte de informação que eles têm sobre o assunto, geralmente
são os próprios colegas e a mídia”, explica. Em muitos casos, inclusive,
os adolescentes se mostram mais informados sobre o tema do que os
adultos.
Para Eduardo Mendes Ribeiro, psicanalista e membro da Associação
Psicanalítica de Porto Alegre (Appoa), ainda há uma enorme distância
entre o discurso pedagógico normalizador praticado pelas escolas e a
realidade dos adolescentes. “Enquanto eles não puderem discutir
abertamente, sem recriminações e repressão, no ambiente escolar não só
suas relações com as drogas, mas também sua sexualidade, suas visões de
mundo e seus ideais, todo o discurso “escolar” lhes parecerá alheio, não
lhes tocará”, explica.
Nesse contexto, um ponto importante é estabelecer uma conversa realista
sobre as características e efeitos de cada droga, evitando recorrer à
exageros e demonizações. Segundo os especialistas, programas de
prevenção baseados em discursos de amedrontamento como “não experimente,
se não irá se viciar” ou imagens e informações chocantes vêm se
provando ineficazes. “Tudo indica que essa abordagem não é eficaz, pois
menos de 1% das pessoas que experimentam alguma droga se torna
dependente. Seria como dizer que não devemos andar de automóvel porque
corremos o risco de nos acidentar. E os jovens sabem disso”, diz
Ribeiro.
Fernanda Gonçalves Moreira, psiquiatra e pesquisadora do Núcleo de
Estatística e Metodologia Aplicadas (Nemap) da Unifesp, concorda. Ela
lembra que o adolescente a partir dos 12, 13 anos já tem capacidade de
formular e testar suas próprias hipóteses. “Você pega uma campanha na
televisão que compara o adolescente que fuma maconha a um cacto e este
jovem tem um amigo que fuma e não enxerga nele nada disso, ele vai
confrontar esse dado, colocar em descrédito todas as informações
associadas a essa propaganda”, explica.
É preciso deixar claro, entretanto, que uma abordagem com menos
excessos não deve ser sinônimo de uma interpretação que desdenha do
poder e riscos das drogas, lembra Pazinatto. “Também não dá para
minimizar os efeitos do uso, mas tem que ser de uma forma que converse
com a realidade do jovem”, diz. Outro erro comum é colocar todas as
drogas ilícitas em uma mesma categoria, tratando, por exemplo, a maconha
da mesma forma que o crack. “Toda e qualquer abordagem que menospreze a
capacidade intelectual dos jovens não vai dar certo. O jovem sabe
observar, a droga está nas ruas. É algo que eles veem. Não dá para falar
com o adolescente como você falasse com crianças pequena”, resume
Fernanda.
O neurocientista americano Carl Hart, professor da Universidade de
Columbia, é um dos maiores defensores dessa abordagem que ele define
como “uma política de drogas baseada em fatos, não em ficção”. Em seu
livro Um Preço Muito Alto (Ed. Zahar, 2014), Carl afirma que a maior
parte da população está iludida ou desinformada em relação ao que as
drogas fazem ou deixam de fazer ao corpo humano. “Há tempos vem sendo
orquestrada uma tentativa de exagerar os riscos de drogas como cocaína,
heroína e metanfetamina. Os mais empenhados nessa tentativa são os
cientistas, os responsáveis pelo cumprimento da lei, os políticos e os
meios de comunicação”, diz.
O grande problema desta visão dramática sobre as substâncias
psicoativas, diz o professor, é que ela estigmatiza de forma equivocada
aqueles que usam drogas, além de levar à adoção de políticas erradas.
“Essa desinformação nos leva a tomar iniciativas que prejudicam as
pessoas e comunidades às quais supostamente deveríamos ajudar”, diz. Por
meio de experimentos com ratos, Hart concluiu que quando são oferecidas
apenas drogas a cobaias, elas se viciam, mas quando lhes são oferecidas
outras opções de entretenimento elas não escolhem sempre usar as
drogas, muitas vezes preferindo as outras opções. Em outras palavras,
garantir acessos e oportunidades a todos os cidadãos seria uma forma
muito mais adequada de enfrentar o problema do abuso.
Para Ribeiro, é importante frisar com os alunos que são as pessoas que
procuram as drogas e não o contrário. “Se alguém toma um cálice de vinho
ou uma dose de uísque, regularmente, ou fuma um cigarro de maconha, de
vez em quando, ou mesmo consome uma droga sintética eventualmente, não
há porque afirmar que ele se tornará um dependente. Mas, se frente a
qualquer forma de mal estar, alguém decide recorrer ao consumo de alguma
substância com propriedades psicoativas, seja ela a maconha, a cocaína,
o álcool, ou mesmo medicamentos, ela tenderá a produzir uma relação de
dependência, sem enfrentar as fontes de seu sofrimento”, explica.
Assim, vale fazer a distinção entre o que é experimentação e uso
problemático, que geralmente culmina em prejuízos na vida social e
acadêmica. “A pessoa pode usar um pouco ou de vez em quando, mas se
tiver uma consequência negativa, um prejuízo para ela ou para quem
estiver perto como amigos e familiares, é uma dependência”, comenta
Arthur Guerra, psiquiatra da USP e do Centro de Informações sobre Saúde e
Álcool. “Não é uma questão de frequência, nem de quantidade, mas de
efeitos negativos.”
Apesar de não existir um consenso a respeito do modelo de prevenção
mais eficiente, pode-se afirmar que quanto maior e mais diversa forem as
opções de cultura, informações, entretenimento e conhecimento que este
jovem tiver acesso, menor será a chance de envolver-se com as drogas.
“Se ele for ouvido em sua totalidade, tiver um lugar de sociabilidade,
acesso a fontes de prazer outras que não as drogas, a maconha, por
exemplo, vai ser uma opção em muitas. Não vai ser a única opção”,
explica Fernanda. Daí o vício e incidência assustadora entre as
populações mais vulneráveis como moradores de rua e outros grupos
socialmente marginalizados. “Acaba sendo a única saída que eles
encontram.”
Além disso, é preciso que a escola formule sua própria política de
prevenção de acordo com a realidade que está inserida. “Para mim, cada
escola tem que descobrir o seu próprio modelo, o que funciona ou não ali
dentro”, diz Cesar. O educador lembra, porém, que quanto mais cedo
começar este trabalho, melhor serão os resultados.
Conversas dinâmicas e projetos multidisciplinares envolvendo o tema
pode ser um caminho. Ao invés de criar um horário para falar sobre
drogas, dissociada das outras conversas, mais interessante é entrelaçar o
tema com outros assuntos escolares. “Quando vamos falar de consumo, já
podemos falar da estrutura urbana, da favela, do tráfico de drogas.
Quando falamos de ecologia, porque não falar da relação das substâncias
naturais e artificiais? Um papo sobre drogas integrado a outros papos é
muito mais interessante e não acende aquele holofote ‘oh, drogas’, que
só atrapalha o diálogo franco”, defende Fernanda.
http://www.cartanaescola.com.
Uma escola que vê o aluno(a) como pessoa
Foto - DAVI RIBEIRO
Escolas ampliam participação dos alunos no dia-a-dia
Baseadas em modelos de convivencia democrática, estudantes tornam-se também responsáveis pelas decisões do espaço educativo.Por Thais Paiva - Sociedade e Liberdade
“A criança é estimulada a compreender outros pontos de vista, descentrar de sua perspectiva, compreender uma segunda e, em geral, construir uma terceira perspectiva que articule as várias envolvidas no embate”, explica. Isso permite um pensamento mais amplo e flexível, capaz de questionar e de produzir respostas, ao invés de apenas obedecer e executar o que outro determina. “Em uma escola democrática, a obediência - intelectual e moral – se dá por compromisso, por responsabilidade, no sentido dado pela participação do sujeito na decisão. Não é uma obediência cega”, conclui a profa. Ligia M. L. de Aquino.
Uma frase escrita a lápis pelas mãos de alguém recém-alfabetizado chama
a atenção de quem passa pelo mural de recados do pátio central da
Escola da Prefeitura de Guarulhos (EPG) Manuel Bandeira, localizada na
região metropolitana de São Paulo. “Podemos traser liginhas de
elástico”, lê-se em um cartaz que leva o título “Precisamos conversar”.
Se o domínio da ortografia revela-se incerto, o mesmo não se pode dizer
das intenções dos autores. “Eles querem mais elastiquinhos para fazer de
pulseira, sabe?”, explica a diretora Solange Turgante.
A demanda é a primeira de uma lista que deve se avolumar com o passar
dos dias e que será debatida na próxima assembleia escolar – reunião de
alunos, professores, gestores e funcionários, de onde saem as decisões
que viram regra para toda a escola. “Do cartaz, surge a maioria das
pautas que debatemos depois juntos para chegar a um consenso. Por
exemplo, se alguém reclama ali que tem muito papel higiênico jogado no
chão do banheiro, na próxima reunião nós sentamos e discutimos isso para
ver o que está acontecendo e o que pode ser feito”, conta a diretora.
Solange chegou à direção da escola em 2013 e, inspirada por projetos
como o da Escola da Ponte, Emef Amorim Lima e Projeto Âncora, veio
decidida a criar uma escola democrática. Logo percebeu que o objetivo só
seria alcançado se houvesse a ampliação da participação dos alunos e
pais nas decisões da escola. Foi assim que debater e reivindicar se
tornaram palavras-chave da rotina da Manuel Bandeira, que atende alunos
da Educação Infantil e do Ensino Fundamental I.
Além das assembleias-gerais, a escola organiza, uma vez por bimestre, o
Conselhinho, um colegiado formado por representantes das turmas,
eleitos pelos próprios colegas, que levam as decisões de cada classe
sobre determinada pauta para os gestores. “A ideia é que as crianças
tivessem mais autonomia e fossem protagonistas de seu estudo,
aprendizagem”, conta. As pautas debatidas abrangem desde o material
adquirido pela escola até as atividades pedagógicas a serem realizadas.
Um modelo que se aplica a todas as turmas, do Maternal ao 5º ano.
A pouca idade dos alunos, longe de ser um empecilho, foi encarada como
propícia para trabalhar a representatividade e outros valores
democráticos. “Tem muita gente que diz ‘como assim, eles, tão pequenos,
vão criar as próprias regras?’ Mas a verdade é que quando são eles que
criam, acabam obedecendo mais, porque partiu do comprometimento deles”,
diz Solange. Quando a turma não consegue chegar ao consenso, o conflito
também é levado para a reunião. “Eles contam que metade da turma quer
isso e a outra metade aquilo, e dialogando a gente tenta encontrar uma
solução.” Já foram decididas dessa maneira a aquisição dos brinquedos do
parque, as barracas que iria ter na festa junina e até mesmo o modelo
de avaliações.
“No ano passado, eu fui escolhido representante”, conta Maykon Reynan
Fernandes Cavalcanti, de 10 anos, sem conseguir esconder o orgulho.
“Então eu perguntava para todo mundo da sala o que eles queriam
melhorar, quais eram as sugestões ou que queriam aplaudir. Aí, anotava
tudo e levava para o conselho”, explica o menino, que ainda não se
decidiu se vai se candidatar para a vaga esse ano. “Eu gostava, era bem
legal, mas também dava trabalho. Tudo que acontecia de errado meus
colegas chamavam ‘Maykonnn, está acontecendo isso e isso’”, lembra.
Lincoln Dias Felix, também de 10 anos, diz gostar do novo modelo
baseado na representatividade por ser mais prático e resolver as
questões de forma mais direta. Para ele, é mais simples localizar e
falar com o representante de sala do que com os gestores. “Teve um mês
que a gente falou para o representante para ver se nós podíamos sair da
sala sozinho para ir no banheiro. Aí teve a plaquinha de ocupado e
livre. Quando a pessoa ia no banheiro a gente virava a plaquinha e saia
sem precisar pedir para o professor”, conta. Para o professor Rodrigo de
Mendonça Emidio, é esse tipo de atitude que pretende ser estimulado. “A
ideia é que eles sejam preparados para enfrentar o mundo. A gente
precisa formar pessoas que possam tomar suas próprias decisões e gerir
sua própria vida. Então, nesse sentido, essa maneira dá muita
autonomia.”
Professora de Artes na escola, Jaqueline Oliveira lembra do desafio
inicial que foi implementar a gestão democrática. “Mexer na sua prática
sempre causa uma certa insegurança, instabilidade. Mas eu acho muito
válida qualquer proposta que coloque em xeque aquilo já engessado”. Da
maneira como as coisas vêm acontecendo, diz, já são percebidos muitos
frutos, principalmente, no sentido do diálogo. “A gente vê crianças
trazendo coisas que afligem seu universo e que, para nós, adultos,
parecem tantas vezes banais e não percebemos. E conversar sobre aquilo
torna tudo mais leve.”
Pedagogia da escuta
Mas é possível ter uma escola mais democrática atendendo alunos de 0 a 3
anos? O CEI Suzana Campos Tauil, localizado na zona sul da cidade de
São Paulo, é prova que sim. “Apesar de nós não termos a participação
direta da criança, por conta da idade, nós temos a escuta da voz da
criança. A gente leva em conta que todas têm saberes e, mesmo que não
falem, elas nos mostram de diversas formas o que elas querem e o que
precisam”, explica a diretora Márcia de Castro.
Para isso, a instituição desenvolve atividades e estratégias que
possibilitem esta percepção, desde com os bebês até os mais velhos. “Por
exemplo, procuramos comprar os brinquedos que as crianças gostam. Ontem
mesmo veio uma criança aqui e ficou brincando com esse segura-porta em
formato de tartaruga da minha sala. Aí pensei: por que não comprar
vários desses segura-portas para eles brincarem? Eles gostam, estão me
dizendo isso. Então trabalhamos com essa escuta sensível em cima do que
eles nos mostram”, explica Márcia.
Há também rodas de conversa, um exercício de ouvir o outro, dar
opiniões e contar casos. “É tão interessante porque eles trazem
histórias e mais histórias. Então, às vezes, a gente aproveita a roda e
pergunta ‘o que vocês estão precisando? o que a gente pode comprar?’”,
conta a diretora. Foi assim que a equipe descobriu que os pequenos
queriam os pratos e formas de alumínio, usados para brincar nos tanques
de areia, também nos espaços internos.
Toda esta autonomia dada aos pequenos, acompanhada da percepção de que o
espaço pertence a eles, tem se traduzido em uma série de benefícios
como, por exemplo, a capacidade revelada de fazer a leitura de papéis
sociais dentro da escola. “Eles sabem para quem pedir tal coisa,
percebem os movimentos que ocorrem aqui dentro. As crianças nesta idade
são muito capazes. Por isso, vejo que é desde a primeira infância que
construímos a democracia e nas pequenas coisas. Se você não as escuta,
perde esse primeiro exercício de interação com o outro”, diz.
Para Ligia Maria Leão de Aquino, professora da Faculdade de Educação e
do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (Uerj), experiências como estas têm o potencial de
desenvolver nos pequenos princípios e práticas solidárias. Além disso,
do ponto de vista cognitivo, possibilitam a apreensão da capacidade de
argumentação, debate e negociação, que pode estar presente desde
situações cotidianas como escolha e partilha de brinquedos e espaços.
http://www.cartafundamental.com.br/single/show/375
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