Alguém sabe o que você fez nos últimos 100 dias?
O
governo federal fez muito em 100 dias, por exemplo, sob condições de ameaça
constante como o 18 de janeiro pelos militares e alguns grandes empresários
brasileiros e estrangeiros (inclusive banqueiros)
O
Brasil voltou ao mundo como um parceiro a ser tratado com seriedade, mesmo que
os banqueiros, grandes empresários, alguns funcionários públicos federais,
estaduais e municipais no executivo, judiciário e legislativo sobotem ou traiam
o povo brasileiro para o seu benefício pessoal...
Ora, considerando que os jornalistas da grande
mídia não são um bando de primários incultos (jornalistas, editores entre
outras/os) sobra a opção de que seguem diretrizes emanadas dos seus/uas
empregadores/as. Isto posto, vamos ao que interessa.
Pensemos bem. Se cada ministro e ministra do
governo federal tivesse pegado uma vassoura e simplesmente se dedicado a varrer
toda a imundície deixada a seis anos, depois do golpe-2016, já teria feito
muito. Dificilmente, em 100 dias, eles conseguiriam cumprir esta missão,
deixando a casa arrumada para começarem a trabalhar. Esperava-se encontrar
muita coisa ruim e fora do comum para ser refeita, mas tanto quanto está
aparecendo a cada semana, levará bem mais tempo pela administração federal
corrigir/consertar.
Mas eles fizeram muito mais do que isto. O governo
está estruturando uma nova e interessante forma de Estado, com muitos
ministérios focados em problemas que merecem órgãos deste status, e
isto não é pouca coisa. Em meio à muita arrumação, é ainda necessário enfrentar
vários altos oficiais das Forças Armadas, que por exemplo, davam guarida a
acampamentos neo-fascistas nos portões de seus quartéis por todo o Brasil, e um
golpe de estado que estava sendo arquitetado desde antes da posse.
A vitória de Lula no dia 31 de outubro de 2022 não
garantiu nada, estava armado um golpe que ultrapassava em muito os desvarios da
turba das mídias sociais, principalmente os enrustidos da mídia conservadora.
Envolve ex-ministros de Bolsonaro, servidores de alta patente dos das forças
policiais militares, um tipo de empresariado milicianizado (sim, agem igual as
milícias ou máfias) e uma turba de fanáticos que serviria como bucha de ganhão,
caso a tentativa de golpe em 18 de janeiro de 2023 desse certo.
O governo Lula conseguiu sair ileso desta esbórnia,
inclusive levando adiante as medidas legais necessárias para desvendar toda a
trama e começar a punir quem deve ser punido, conforme notícias pela mídia
digital e imprensa conservadora. E o governo está fazendo muito mais, como o
apoio do STF e parte do Congresso.
Em 100 dias, o Brasil também voltou ao mundo como
um parceiro a ser considerado com seriedade. O presidente foi à Argentina, ao
Uruguai, aos Estados Unidos e, na semana que vem, irá à China. Enquanto isto,
seu assessor especial, Celso Amorim, administra relações mais complexas, na Venezuela
e na Rússia, deixadas em suas mãos com grande astúcia, pois seu conhecimento em
relações internacionais foi comprovado anteriormente.
Internamente, o governo enfrentou com vontade
política invejável a crise em Roraima, que envolve a sobrevivência de um de
nossos povos indígenas (indígenas yanomani), e o desmantelamento do criminoso
garimpo de ouro. O problema está longe de ser resolvido, mas os
encaminhamentos são corretos, e o tempo mostrará que o governo segue o caminho
correto. Não menos importante e urgente foi a reorganização do programa
Bolsa Família, que havia se tornado um ninho de mal uso do dinheiro público a
serviço da re-eleição da extrema-direita (Bolsonaro e militares) nas últimas
eleições. Foi relançado também a Minha Casa Minha Vida e o Ministério da Saúde
reapareceu, saindo do fundo do poço em que havia submergido, sob o comando de
um general falastrão, que foi colocado como ministro da saúde e se viu a
catástrofe na pandemia da covid-19. Agora ressurge campanhas de vacinação, programa
de aceleração de cirurgias eletivas entre outros programas prioritários para a
população. O Ministério da Cultura reorganiza-se, assim como o da Mulher e da
Igualdade Racial e dos direitos Humanos. Tudo isso ainda em franca
reorganização, no qual se verão os resultados ao longo de 2023 e, principalmente
em 2024.
Temos agora um governo e ministros que respondem à
sociedade, através da mídia conservadora e mídias digitais, com a
responsabilidade de seus cargos, estão sempre à disposição das TVs, dos jornais
e mesmo da mídia alternativa para esclarecer e prestar contas. Mas a mídia
tradicional quer coisas novas. Talvez esteja com saudade de algum ministro
conversando com Cristo nos galhos de uma goiabeira (sic)… Seria uma novidade e
tanto...
Deixando a sátira de lado, não se falou de
economia. Não se sabe se o arcabouço fiscal apresentado por Haddad é a melhor
solução para a economia, nem mesmo se deveria haver um arcabouço fiscal.
Não tem-se aqui qualificações para falar no tema, mas sendo mais simpática às
posições da economista indiana Jayati Ghosh, que esteve no Brasil em um
seminário promovido pelo BNDES, e de André Lara Resende, que deu um show de bom
senso em uma entrevista na Globonews para Miriam Leitão. A certa altura, num
lance de genialidade, ao ouvir da jornalista que todos os economistas eram
contrários às ideias dele, responde: “Todos os que você lê!” (né Miriam Leitão,
a repórter economista testa-de-ferro das eleites).
Mesmo não entendendo do assunto, não se é simpática
às soluções fiscalistas, mas compreende-se a posição de Haddad. Ele enfrenta
uma situação muito particular: o mercado tornou-se, na atual quadra da história
do Brasil, uma instituição de Estado, que responde sob a alcunha de Banco
Central independente (sic). BC independentes existem espalhados pelo
mundo, mas imagino que poucos sejam dependentes de forma tão caricata do mercado
e dos setores que viviam sob a proteção do governo derrotado como o brasileiro
na administração Bolsonaro, o que torna a posição do Ministro da Fazenda
complicadíssima. Isso me faz lembrar a posição de uma família que tem um membro
sequestrado: quanto mais paga aos meliantes (sequestradores), mais dinheiro é
exigido e o sequestrado não voltará.
Para completar o quadro, também é preciso
considerar o atual Congresso Nacional e, mais especificamente, a Câmara de
Deputados, cuja maioria, sob o comando de Arthur Lira, não tem pudor, nenhum
pudor de escancarar (tirar sarro) ao mundo que não tem qualquer preocupação com
o país, apenas com seus mais inconfessáveis e corporativos interesses pessoais
e dos que estão próximos a ele na Câmara. A massa dos deputados federais
foi o que restou do desmonte da estrutura político-partidária levada a efeito a
partir de 2013, pelo apetite do centro (ou centrão) e da direita de acabar com
o PT, uma conjunção de PSDB aético (Aécio Neves) com um lava-jatismo (ex-juiz
Sergio Moro) muito próxima de um conluio de feição mafiosa. O país está
pagando um preço muito alto por essa bizarrice irresponsável.
Portanto, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva
fez muito em 100 dias, sob condições de ameaça constante. Tem-se críticas?
Certamente. Mas é hora de respirar fundo e afirmar sem medo que, apesar de
todas as tempestades, a política voltou, o político voltou. E isto dá esperança
de podermos colocar o país no rumo da normalidade democrática. Se, em 4 anos, o
governo conseguir salvar o país da calamidade, que esteve no poder até 2022 e
sempre está a rondar agora mesmo em 2023, estruturando um Brasil politicamente
democrático e voltado para a resolução dos reais problemas das desigualdades de
todas as ordens que nos afligem, então terá-se um governo que o povo brasileiro
merece.
* Céli Pinto, professora Emérita da UFRGS, cientista
política; professora convidada do PPG de História da UFRGS.
Publicado no BdF: 5 de abril de 2023
Fonte:
https://sul21.com.br/opiniao/2023/04/o-que-voce-fez-nos-ultimos-100-dias-por-celi-pinto/