O PL 2184/20 poderá garantir que o estado tenha
capacidade e que efetue medidas que sejam eficientes, rápidas e contundentes
para fazer com que as pessoas de fato consigam se manter em isolamento social e
evitar que empresas venham a ter problemas de caixa; o lucro do Banco Central em 2020 foi R$500 bi
por Nara Lacerda no Brasil de Fato – Sociedade e Luta
Popular por um Brasil Democrático
BC destinaria valor mensal para ações contra a pandemia. "É um
projeto sóbrio, realista e técnico", avalia economista - Banco Central/
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Um
projeto de lei, que tramita na Câmara, propõe que o lucro contábil do
Banco Central (BC) seja direcionado ao tesouro para ações diretas de combate à pandemia do coronavírus. Atualmente, esse caixa do BC
tem mais de US$ 340 bilhões e os ganhos acumulados, somente neste
ano, ultrapassam R$ 500 bilhões.
O PL 2184/20 pretende que o valor seja destinado mensalmente ao
fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e da seguridade social,
assim como a ações para conter a crise econômica, com preservação da renda do
trabalhador e manutenção das micro e pequenas empresas.
Além
disso, o texto prevê financiamento de pesquisas científicas, desenvolvimento da
indústria estratégica de defesa nacional e aporte a estados e municípios.
O Brasil
de Fato conversou com os economistas André Ramos e Fábio Terra e com
o advogado Caio Ferreira, que participaram da construção do Projeto de Lei (ouça
a entrevista completa no início da matéria). Eles explicam que, atualmente,
o lucro contábil é destinado ao abatimento da dívida pública. Ou seja: vai
para o sistema financeiro que têm títulos da dívida.
Caio
Ferreira lembra que as primeiras medidas tomadas para enfrentamento da crise
foram destinadas à saúde dos bancos. O governo diminuiu o depósito compulsório, parte
do dinheiro dos bancos privados que fica no Banco Central como uma trava de
prudência. Ele caiu de 25% para 17% do patrimônio das instituições, uma
transferência da ordem de um trilhão de reais.
A
expectativa era de que a medida impulsionasse a liberação de crédito, o que não
aconteceu. Também foi proposta a suspensão das regras da lei de
responsabilidade fiscal e houve a aprovação do orçamento de guerra, que suspende a limitação do
endividamento.
“Se forem
somente essas medidas, o que vai acontecer é que o estado vai aumentar o gasto,
só que para financiar esse gasto ele vai tomar dinheiro com os bancos. O que se
está construindo no Brasil é um seguro para o sistema financeiro, para ele
atravessar a crise. Lá na frente, pode significar um estado que não tem
atividade econômica porque todo mundo quebrou, não tem de onde tirar tributação
para pagar essa dívida. E qual é o programa dos bancos e desse setor organizado
neoliberal? É virar e dizer o seguinte ‘Vocês não pediram emprestado? Agora
paguem a conta’. Aí entram Reforma da Previdência, privatizações, alterações
constitucionais para tirar direitos sociais, para reduzir a participação do
estado da vida do brasileiro e da brasileira.”
O que se está construindo no Brasil é um seguro para
o sistema financeiro, para ele atravessar a crise. Lá na frente, pode
significar um estado que não tem atividade econômica porque todo mundo quebrou.
Lucro contábil são os ganhos acumulados pelo Banco Central com a administração das reservas internacionais. / Arte: Fernando Bertolo/Brasil de Fato
O
economista André Ramos ressalta que as medidas tomadas até agora não garantem a
segurança econômica e da saúde da população. Segundo ele, a insuficiência das
ações do governo tem causado efeito contrário e prejudicado o isolamento social, principal medida para contenção do
vírus, segundo
as maiores autoridades em saúde do mundo.
“O
objetivo prioritário que temos que ter no Brasil é evitar que pessoas fiquem
doentes e mitigar as mortes. As medidas que foram anunciadas até agora não respondem
à necessidade das empresas e das famílias. A gente tem visto, cada vez mais, a
tendência de as pessoas buscarem descumprir o isolamento social e retomarem
suas atividades. Isso vai impulsionar o avanço da pandemia e do número de
mortes. A gente
tem que garantir que o estado tenha capacidade e que efetue medidas que sejam
eficientes, rápidas e contundentes para fazer com que as pessoas de fato
consigam se manter em isolamento social e evitar que empresas venham a ter
problemas de caixa.”
“A gente tem visto, cada vez mais, a tendência de as
pessoas buscarem descumprir o isolamento social e retomarem suas atividades. Isso
vai impulsionar o avanço da pandemia e do número de mortes.
Resistências no Congresso
Os
autores do projeto afirmam que o texto pode gerar resistência no mercado
financeiro e vai exigir que paradigmas neoliberais da equipe econômica do governo
sejam radicalmente modificados. Ainda assim, o economista Fábio Terra, diz que
a receptividade entre os servidores técnicos do Ministério da Economia e do
Congresso foi positiva. Além disso, o PL preserva a Lei de Responsabilidade
Fiscal.
“Eu acho
que talvez o projeto não enfrente resistência no Congresso, porque ele é um
projeto sóbrio, realista e técnico. Ele visa nesse momento, permitir que o
governo tenha mais recurso próprio, o que é mais barato que o endividamento,
para administrar todo o enfrentamento que ele vai ter que fazer da crise. Até o
primeiro semestre de 2019, o ganho cambial do Banco Central - isso que
nós estamos tratando – era transferido para a conta única do Tesouro Nacional,
onde a gente coloca todo o acumulado de recursos que o Tesouro tem. É a
poupança do Tesouro. Desde o início das modestas atitudes do governo em relação
ao enfrentamento da pandemia, o governo tem usado essa conta única. Portanto,
ela é mais barata e é mais fácil de administrar do que recorrer ao
endividamento. A gente, com esse projeto, oferece caminhos pelos quais teremos
mais flexibilidade usando recursos próprios, ganhos desses ativos, sem vender
reservas. Estamos basicamente, como se fala no jargão popular, vivendo de
renda, sem nos desfazer dos ativos.”
“Desde o início das modestas
atitudes do governo em relação ao enfrentamento da pandemia, o governo tem
usado essa conta única. Portanto, ela é mais barata e é mais fácil de
administrar do que recorrer ao endividamento.”
Tramitação do PL
O autor
do projeto, deputado Paulo Teixeira (PT-SP), protocolou o texto, que agora
precisa ser pautado a partir de uma reunião dos líderes. Se for para a pauta, o
PL segue os ritos de uma aprovação de lei ordinária e pode ser aprovado em
comissões, sem precisar ir ao plenário.
Para que
os recursos sejam usados este ano, a aprovação precisa acontecer antes do final
de junho, quando são apurados os lucros do Banco Central. Após essa apuração,
se nada mudar, o dinheiro continuará destinado ao pagamento da dívida pública.
Publicado Brasil de Fato: 14 de Maio de 2020
Edição: Rodrigo Chagas
https://www.brasildefato.com.br/2020/05/14/projeto-propoe-que-caixa-de-r-500-bi-do-bc-seja-utilizado-para-combate-a-pandemia