O
aspecto mais relevante do artigo diz respeito aos vínculos da operação Lava
Jato com a elite econômica do Paraná. “Este seleto grupo de indivíduos forma
parte do 1% mais rico no Brasil
por Daniel Giovanaz para Brasil de Fato e Diario do Centro do Mundo – Sociedade e Como se Articula a Elite Brasileira
Rafael Braga foi o único brasileiro preso
nas manifestações de junho de 2013. Negro, pobre e morador de favela, o
ex-catador de material reciclável foi condenado a 11 anos
e três meses de prisão pelo suposto porte de maconha, cocaína e
material explosivo. Quatro anos depois, não resta comprovado que, naquele dia,
Rafael levava consigo algo além de produtos de limpeza. Ele continua preso, à
espera de um novo julgamento.
Breno
Borges, filho da desembargadora Tânia Borges, teve melhor sorte. Flagrado no
dia 8 de abril com 129 quilos de maconha e 270 munições, além de uma arma sem
autorização, o jovem branco foi julgado e solto em menos de
uma semana. A mãe dele, presidenta do Tribunal Regional Eleitoral do
Mato Grosso do Sul, é investigada por favorecimento na libertação do filho.
Os
vínculos familiares são determinantes para se entender as dinâmicas dos campos
político e judiciário no Brasil. Professor do Departamento de Ciência Política
e Sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ricardo Costa de
Oliveira afirma que a origem social dos indivíduos está relacionada a uma série
de privilégios, hábitos e visões de mundo compartilhadas.
A
última pesquisa dele foi publicada esta semana na revista Núcleo de Estudos
Paranaenses (NEP). O artigo “Prosopografia
familiar da operação Lava Jato e do ministério Temer” foi assinado
em conjunto com outros três pesquisadores: José Marciano Monteiro, Mônica
Helena Harrich Silva Goulart e Ana Christina Vanali.
De pai para filho
O
texto apresenta uma biografia coletiva do juiz de primeira instância Sérgio
Moro, dos 14 membros da força-tarefa nomeados pela Procuradoria-Geral da
República e de oito delegados da Polícia Federal que atuam no caso, além de
ministros indicados pelo presidente golpista Michel Temer (PMDB).
O
aspecto mais relevante do artigo diz respeito aos vínculos da operação Lava
Jato com a elite econômica do Paraná. “Este seleto grupo de indivíduos forma
parte do 1% mais rico no Brasil, e muitos até mesmo do 0,1% mais rico em termos
de rendas”, descrevem os pesquisadores.
Políticos
defensores da ditadura civil-militar e indivíduos que atuaram no sistema de
justiça durante o regime também aparecem na “árvore genealógica” da Lava Jato.
O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, por exemplo, é “filho do
ex-deputado estadual da ARENA Osvaldo dos Santos Lima, promotor, vice-prefeito
em Apucarana e presidente da Assembleia Legislativa do Paraná, em 1973, no auge
da ditadura, quando as pessoas não podiam votar e nem debater livremente”,
segundo o texto. O pai de Carlos Fernando, assim como os irmãos, Luiz José e
Paulo Ovídio, também atuaram como procuradores no Paraná.
O
professor Ricardo Costa de Oliveira conversou com a reportagem do Brasil
de Fato e debateu os resultados da pesquisa. Confira os
melhores momentos da entrevista:
Brasil de Fato – O que há em comum na
biografia de todos os personagens da operação Lava Jato analisados no artigo?
Ricardo
Costa de Oliveira – Todos eles pertencem à alta burocracia estatal. Há alguns,
da magistratura ou do Ministério Público, que ganham acima do teto [salarial do
funcionalismo público, equivalente a R$ 33,7 mil por mês]. Com suas esposas e
companheiras, eles estão situados no 0,1% mais ricos do país.
Quase
todos são casados com operadores políticos, ou do Direito. Você só entende os
nomes entendendo a família. É uma unidade familiar que opera juridicamente,
opera politicamente.
O juiz de primeira instância Sérgio Moro é
um desses exemplos?
O
juiz Moro é filho de um professor universitário, mas também é parente de um
desembargador já falecido, o Hildebrando Moro. A mulher do Moro, a Rosângela
[Wolff], é advogada e prima do Rafael Greca de Macedo [prefeito de
Curitiba]. Ela pertence a essa importante família política e jurídica do
Paraná, que é o grande clã Macedo, e também é parente de dois desembargadores.
O artigo ressalta as coincidências entre a
Lava Jato e o caso Banestado [que investigou o envio ilegal de 28 bilhões de
dólares ao exterior]. Como isso ajuda a entender o papel da força-tarefa e do
Judiciário nas investigações sobre os contratos da Petrobras?
Boa
parte deles também estiveram no [caso] Banestado. Foi uma operação que desviou
muito dinheiro e apresentou uma grande impunidade, ao contrário de outros
momentos. Até porque era outra conjuntura, outros atores políticos que foram
investigados.
O
[procurador] Celso Tres era um dos maiores especialistas nessas questões. Por
que ele não foi convidado para entrar na Lava Jato? Porque ele não tinha a
homogeneidade político-ideológica que essa equipe tem. É uma equipe que foi
preparada para essa tarefa, não apenas jurídica, mas também política – que na
nossa leitura, é a perseguição, lawfare [“guerra
jurídica”] à esquerda, ao Partido dos Trabalhadores, ao ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva.
Em relação aos vínculos com a ditadura
civil-militar [1964-1985], quais foram as constatações mais relevantes da
pesquisa?
Os
operadores da Lava Jato, bem como os jovens ministros do governo Temer, são de
famílias políticas. E os pais trabalharam, defenderam, reproduziram e atuaram
na ditadura militar. Os filhos herdam a mesma mentalidade autoritária, o
elitismo, o ódio de classe contra o PT.
Como
pertencem ao 1% mais rico, eles sempre tiveram uma vida muito luxuosa e
beneficiada [pelas condições econômicas]. Estudaram em escolas de elite, vivem
em ambientes luxuosos, estudaram Direito, depois fizeram concursos, com muito
sucesso. Quando você tem pais no sistema, você tem facilidades.
Por que incluir na mesma pesquisa os
operadores da Lava Jato e os ministros nomeados por Michel Temer?
Há
uma conexão, no sentido de que é a mesma ação política da classe dominante.
Eles operam em rede. Há uma coordenação.
Por
isso que é uma prosopografia [biografia coletiva]. Eles são originários da
mesma classe social, do mesmo círculo social, e eles transitam nos mesmos
ambientes empresariais, elitizados.
O
juiz Sérgio Moro, por exemplo: onde é que ele atua quando está em público? Em
grandes publicações da mídia dominante burguesa, quando ele está muitas vezes
abraçado, cumprimentando efusivamente os membros do golpe [de 2016]. Você vai
ver um juiz ou um membro da Lava Jato num acampamento sem-terra? Ou num órgão
alternativo da mídia, num sindicato de trabalhadores de categorias braçais e
manuais? Jamais.
Tudo
em família
Coordenador
da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol é filho de outro procurador de
Justiça, Agenor Dallagnol. O procurador Andrey Borges de Mendonça, que também
atua na operação, é irmão do procurador Yuri Borges de Mendonça. Outro membro
da força-tarefa, Diogo Castor de Mattos, é filho de um ex-procurador de
Justiça, Delivar Tadeu de Mattos. O tio de Diogo, Belmiro Jobim Castor, foi
secretário de Estado várias vezes no Paraná nos anos 1970 e 1980.
O
escritório de advocacia Delivar de Mattos & Castor é dos mais conhecidos do
Paraná. Nele também atuam os irmãos Rodrigo Castor de Mattos e Analice Castor
de Mattos.
Os vínculos familiares de Gebran Neto
Amigo
e admirador confesso de Sérgio Moro, João Pedro Gebran Neto é um dos
desembargadores da 8ª Turma do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Ele será o relator do
processo conhecido como “caso triplex”, em segunda instância, cujo réu é o
ex-presidente Lula (PT).
Segundo
pesquisa do professor Ricardo Costa de Oliveira, o desembargador que atua
no Rio Grande do Sul é filho de Antonio Sebastião da Cunha Gebran e neto de
João Pedro Gebran, ex-diretores-gerais da Assembleia Legislativa do Paraná nos
anos 1950 e 1970.
O
casamento de João Pedro Gebran, em 1924, foi o acontecimento que abriu as
portas da família junto à classe dominante paranaense. Foi quando eles passaram
a ter relações com a antiga rede social e política de sua esposa, Francisca
Cunha, filha do coronel Francisco Cunha, prefeito da Lapa na República Velha.
O
avô do coronel Cunha era o comendador Manuel Antonio da Cunha, primeiro prefeito
da Lapa, em 1833, casado com a filha do 1º capitão-mor da Lapa, o português
Francisco Teixeira Coelho. Todas, famílias com origens históricas no latifúndio
escravista, aparentadas entre si – tais como a família Braga, do ex-governador
Ney Braga, e a família Lacerda, do ex-reitor e ministro da Educação do início
da ditadura, Flávio Suplicy de Lacerda.
Este artigo faz parte
da cobertura especial da operação Lava Jato. Para ver outros materiais
produzidos sobre o tema, acessar: https://www.brasildefato.com.br/2017/08/10/berco-de-ouro-mentalidade-autoritaria-a-arvore-genealogica-da-lava-jato/?utm_source=bdf&utm_medium=referral&utm_campaign=twitter_share
Edição: Ednubia
Ghisi
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/elite-paranaense-na-raiz-da-arvore-genealogica-da-lava-jato-em-curitiba-por-daniel-giovanaz/