Filho
de pescador ilhéu e agente de vigilância do INSS descobre evidências da
presença de navegadores chineses em Florianópolis no século XV. Anônimo no
Brasil, ele é reconhecido na China e nos Estados Unidos como o maior
pesquisador do mundo da área
por Raquel
Wandelli para Jornalistas
Livres – Sociedade, História
e Arqueologia Brasileira
Foi o interesse apaixonado pela história da Ilha de
Santa Catarina que levou Fausto Guimarães, filho de pescador, a “atravessar a
ponte” para a China e a ser reconhecido na China e nos Estados Unidos como o
maior pesquisador do mundo sobre a presença dos chineses nesta região antes da
chegada de Cabral. Agente de vigilância do INSS, ele lançou, na sexta-feira
(15), às 19 horas, no Restaurante Árabe Falah, em Florianópolis, sua quarta
publicação sobre a passagem pelo Brasil de dois dos cinco almirantes da dinastia
chinesa Ming, entre os anos de 1421 e 1423. Criado no Morro do Céu, Fausto
tornou-se não apenas um grande especialista nas incursões chinesas pelo Novo
Mundo, como autor de uma descoberta arqueológica capaz de revolucionar tudo que
se sabe sobre as relações entre os indígenas que aqui habitavam e esse povo do
Oriente. Capaz também de mudar o entendimento sobre as inscrições rupestres e
os artefatos de pesca locais que, na sua hipótese, são uma transferência de
tecnologia chinesa na troca de conhecimento com os índios Avás.
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Inscrições rupestres nos costões
da Praia do Santinho
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Para início de compreensão da importância de suas
pesquisas, a partir delas a origem das inscrições rupestres dos sítios
arqueológicos teria uma versão muito diferente da conhecida: “Já temos evidências
para demonstrar que nos desenhos dos dois costões do Santinho ou da Ilha do
Arvoredo, por exemplo, há presença de caracteres chineses”, afirma Fausto. O
encontro feliz entre o manezinho da Ilha e o mundo do Oriente aconteceu há 15
anos quando caminhava pela praia do Santinho e é tão fascinante quanto a
história que ele passou a contar obstinadamente a partir daí traduzidas do
português para o mandarim e para o inglês. Junto com as publicações, ele tem
realizado também inúmeras palestras em congressos internacionais sobre as
incursões marítimas das dinastias chinesas pelas Américas no período
pré-colombiano, patrocinadas pelo governo e por instituições de pesquisa na
China e nos Estados Unidos, onde suas teses já são referência.
Inscrições
rupestres nos costões da Praia do Santinho
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Agente de vigilância lança sua
quarta publicação
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Não limitado a publicar suas descobertas em forma de
romance no primeiro livro “A rampa do Santinho, um legado chinês na Ilha de
Santa Catarina” (Editora Insular, 2010), edição bilíngue português-mandarim de
456 páginas, o servidor recorreu desta vez às histórias em quadrinho para
divulgar essa narrativa épica. “A grande maioria dos florianopolitanos e
brasileiros – e mesmo os entendidos na cultura local – desconhece completamente
os impactos dessa presença chinesa na Ilha”, enfatiza Fausto, 52 anos, que foge
ao estereótipo brasileiro com o cabelo ruivo e os olhos claros. “Desconhecem
inclusive o fato histórico das navegações marítimas chinesas”. Em A grande
viagem às Terras do Oeste (Brasil) – 1421, a revista em quadrinhos que ele
lança na sexta-feira, vem para romper um pouco o silêncio sobre esse contato
prodigioso entre dois povos fundadores da cultura local na sua visão. Compõem
as ilustrações um mix de tecnologia virtual com alguns desenhos dele mesmo e de
outros ilustradores, mas a maior parte são adaptações fotográficas, a exemplo
das fotos aéreas da região dos Ingleses e do Santinho, explica Fausto, que
entrou para a Previdência Social há 33 anos, pelo Iapas.
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Primeiro livro do autor é a
história romanceada
das relações entre chineses e os índios Avás na Ilha de Santa Catarina |
Tanto livro como revista são, conforme o autor,
coerentes com paradigmas e estudos já consolidados sobre as experiências dos
chineses com outros povos. Sem referências exatas de realidade para compor uma
etnografia, optou por preencher as lacunas com as suas suposições, narrando em
forma de romance a relação desses exploradores com os índios Avás, que
habitavam a Ilha de Santa Catarina e arredores. “Mas tudo que escrevi
explorando a imaginação parte das minhas pesquisas e do
Agente
de vigilância lança sua quarta publicação
conhecimento estabelecido por outros autores”,
esclarece Fausto, que fará distribuição gratuita das revistas no lançamento.
Com a ajuda das comunidades Guarani, árabe e chinesa, organizou para o evento
uma grande performance com música, dança e teatro em torno de episódios do seu
épico que mostram a pluralidade cultural dessas relações entre povos.
Até 15 anos atrás, antes da publicação do romance de
Fausto, os pesquisadores canônicos só falavam das expedições europeias ao
Brasil e ao Novo Mundo como um todo. Ao longo de seis séculos, a misteriosa
passagem dos chineses manteve-se desconhecida dos historiadores modernos como
um tesouro secreto. Com esse episódio, o romance entre a índia Iracema e o
marinheiro Xiao também ficou guardado feito uma pérola em concha fechada para
ser reinventado pela pena do autor. Interessado pela cultura chinesa desde que
estudou acupuntura no Ceata, em São Paulo (1995), e desde a graduação no curso
de História da UFSC (1997), Fausto fez sua primeira viagem à China em 2005.
Ficou entusiasmado pelas viagens marítimas pré-colombianas ao ouvir de uma guia
turística chinesa sobre sua presença no Amazonas, reforçando a ideia da sua
presença em Meiembipe (nome indígena de Florianópolis) e confirmar suas
suspeitas de que as inscrições rupestres tinham a marca da cultura oriental.
As investigações bibliográficas e em campo acabaram
tomando conta do seu tempo livre e deram origem ao segundo livro narrando a
trajetória dos seus estudos e fundamentando suas hipóteses. Em Do Shan Hai Jing
às épicas viagens do almirante Zheng He; estariam os chineses visitando as
Américas e o Brasil há mais de quatro mil anos?, ele explica os elementos que
foi interligando para creditar a narrativa sobre os rastros deixados pelos
chineses na Ilha. Entre eles estão os registros do Padre Alfredo Rhor, no primeiro
congresso local sobre Arte Rupestre, em meados de 1960, revelando ter tirado e
extraviado na década de 40 a pedra com a imagem de uma santa que se atribuía à
padroeira dos navegantes e diante da qual as mulheres dos pescadores faziam
seus rituais para pedir proteção antes de os homens se lançarem ao mar.
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Depois de investir no romance, Fausto recorreu a histórias em
quadrinho para divulgar essa história ignorada
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Décadas depois,
conversando com o pai pescador e com as mulheres mais velhas do Santinho, que
alegaram ter ouvido a explosão da pedra quando crianças, verificou que nos
relatos o artefato tinha uma localização diferente e uma dimensão bem maior da
mencionada pelo arqueólogo. A descrição da imagem feita pelo padre também
difere e da apresentada pelas mulheres, o que levou Fausto ao seu primeiro
grande achado: tratava-se, na verdade, não de uma santa católica, mas de uma
mulher grande e forte, com um chapéu quadrado e um manto nas costas, que
corresponde à figura de uma chinesa chamada Mazu. Hábil nadadora, essa
personagem viveu de fato no século X numa colônia de pescadores no litoral de
China Meizhou e costumava salvá-los com seus braços grandes e fortes dos
afogamentos. Depois de sumir no mar, Mazu foi mistificada como uma espécie de
padroeira dos pescadores.
As surpresas não terminam por aí. Nesse trabalho de campo, o
autor confirmou no costão esquerdo da Praia do Santinho, bem na entrada pelo
mar, a existência de uma pedra com um furo de dinamite, provavelmente a da
imagem de Mazu, implodida pelo padre, e descobriu ao lado dela uma espécie de
rampa visivelmente cortada na pedra, que serviria ao atracamento das
embarcações. Tomou cuidado para registrar essa descoberta na certeza de que em
breve suas evidências seriam confirmadas, assim como outros indícios impactantes:
nas viagens para a China, em um museu de Hong Kong, identificou muitos
instrumentos de pesca, como puçá, coca, jererê, tarrafa que os índios usavam na
Ilha de Santa Catarina, sem falar na semelhança etimológica e material da
jangada nordestina com um pequeno junco chinês. “Todos esses artefatos para
pegar siri existem na China”, diz Fausto arreglando seus olhos verdes, que
sustenta ainda a tese de que a sofisticação das técnicas de pesca na Ilha,
identificadas pela presença abrupta e inexplicável e de esqueletos de grandes
peixes nos sambaquis, seria resultante desse contato profícuo entre Avás e
orientais. Da mesma forma, reflete, os chineses que têm como padrão de
comportamento o contágio e a apropriação cultural devem ter aprendido com os
índios.
No
contexto da missão chinesa pelos mares
Estudante de mandarim
há seis anos, logo o servidor se faria um dos grandes pesquisadores das
expedições chegadas à Ilha por ordens do imperador Zhu Di. O chefe da dinastia
alistou cinco almirantes para, sob o comando de seu homem de confiança, o
almirante Zheng He, cumprirem uma desafiadora missão: descobrir terras além da
África e cartografar todos os oceanos do mundo. O imperador estava decidido a
implantar uma importante mudança cultural no mapa político e geográfico do
planeta. Desejava romper definitivamente com uma tradição de milênios, pela
qual os chineses mantinham-se fechados ao olhos do mundo. Nessa expedição, Hong
Bao seria o responsável pela descoberta de terras, hoje conhecidas como Brasil.
Junto com ele, outros chineses, indianos e um africano de nome Kebec,
empreenderiam uma impactante relação com os índios Avás, que significa gente em
Guarani e substitui a denominação europeia de Carijós (índios escuros e
claros).
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Na hipótese do historiador, algumas inscrições são feitas de
símbolos indígenas
e outras de caracteres chineses |
Conta o livro, sempre
preservando o tom solene e misterioso de um grande épico que versa sobre o
encontro de dois povos de diferenças abissais: “Hong Bao é o comandante da
missão que se dirige para a terra do Oeste. Sob suas ordens homens e mulheres
viverão em comunhão com ideais confucianos. O mundo dos nativos Avás nunca mais
será o mesmo. Os chineses levarão seu conhecimento e em troca receberão o
respeito dos povos desta terra”. Além de criar a história amorosa de Iracema e
Xiao, o romance fala da vida simples do cacique e seu povo, a trama de Seci
para roubar Xiao de Iracema e as armadilhas feitas pelas índias amazonas para
capturar seu prisioneiros. Pergunto se essa relação não foi romantizada,
considerando que na história mundial os países expedicionários sempre foram
truculentos e dominadores com outros povos em suas explorações marítimas. E ele
me responde com uma aula sobre o pensamento e a história chinesa, mostrando que
os ditadores que barbarizaram a Ásia não eram de fato chineses, mas pertenciam
a outras nações que invadiram a própria China, como os mongóis e manchus. “Ao
contrário das explorações europeias que marcaram nossa colonização, a base
desse relacionamento chinês com outros povos sempre foi a paz e o respeito”,
garante, citando várias fontes bibliográficas e episódios históricos.
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Revista em quadrinhos ilustrada pelo próprio autor
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Em 2013, Fausto viajou
à China a convite da Universidade de Macau e da Universidade de Shanghai para
participar de um seminário sobre Viagens Marítimas chinesas do Século XV. Nessa
expedição de rota contrária aos antepassados de Hong Bao, apresentou seu
trabalho de pesquisa sobre as evidências arqueológicas da possível passagem dos
chineses pela Ilha de Santa Catarina antes da chegada dos portugueses, na
Associação Macau para promoção e Intercâmbio entre Ásia-Pacífico e América
Latina (Mapeau) na cidade de Macau, na China. Em dezembro de 2016, já era o
maior especialista no assunto e viajou a vários centros acadêmicos de pesquisas
sobre explorações marítimas da China, em cidades como Beijing, Nanjing, Guangzhou,
Hong Kong, entre outras, para divulgar seu mais recente livro, este em inglês:
From the Shan Hai Jing to the Epic Journeys of Admiral Zheng He in the XV
Century; Where the Chinese visiting the Americas and Brazil over 4000 years
ago? Por todos os institutos de pesquisa onde passou, mostrando as inscrições
rupestres do Santinho e da Ilha do Arvoredo, só recebeu um gesto de imediato
reconhecimento de ideogramas chineses, em sinal de afirmação com a cabeça “tui,
tui, tui” (sim, sim, sim).
Em outubro, nosso
agente administrativo, anônimo em sua terra, mas famoso entre os sinólogos do
Oriente e dos EUA, apresentará seu trabalho num simpósio de quatro dias sobre
diáspora chinesa pelo mundo e pelo Brasil, na Califórnia, no hotel Hilton, em
São francisco. Essas viagens a convite de outros países, são sempre
patrocinadas, mas as pesquisas são investimentos do próprio bolso. De tanto
estudar as expedições precoces, ele próprio se tornou um navegador a refazer
obstinadamente pelos livros ou pelas explorações a ponte que mostra as ligações
estreitas entre dois povos antes tidos como estranhos.
http://www.contextolivre.com.br/2017/09/reviravolta-na-historia-inscricoes.html
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