O Brasil
converte-se no próprio exemplo da jabuticaba internacional. Por força de um
governo retrógrado e de elites portadoras dos interesses mais imediatos do
dinheiro, ganha relevância na atualidade o equívoco de ultrapassada importação
das medidas neoliberais pré-crise global de 2009 que, por serem amplamente
fracassadas no exterior, terminaram sendo abandonadas
por Marcio Pochmann* na Rede Brasil Atual
– Sociedade e Entrega do Patrimônio
Nacional pelo Governo Federal
©
Reprodução - The Independent/UK
Manifestação pede volta de
empresa de transporte volte ao controle do Estado inglês: perseguição ao lucro
a qualquer custo contraria interesses e direitos das populações
A crise
da globalização instaurada desde 2008 produziu efeitos traumáticos diversos,
gerando questionamentos, inclusive da rainha Elizabeth II que durante visita a
uma das principais escolas inglesas de difusão do receituário neoliberal
indagou, sem resposta, a respeito das razões do generalizado colapso
creditício. Lembrando que não fossem as diversas iniciativas antiliberais
adotadas pelos governos da época, a intensidade e profundidade da crise seriam
ainda mais graves, apenas comparáveis à Depressão de 1929.
Nos
Estados Unidos, por exemplo, somente o governo central chegou a comprometer 700
bilhões de dólares nas operações de estancamento da crise instalada no interior
do setor privado. Do total de recursos públicos liberados, por exemplo, 36% foram
para salvar os bancos, 12% para evitar a quebra generalizada do complexo
automobilística e 10% para assegurar a solvência da seguradora AIG.
De lá
para cá, silenciosa e gradualmente o Estado foi sendo recuperado em diversos
países, outrora defensores do neoliberalismo e praticantes da privatização.
Exemplos disso podem ser constatados em inúmeras empresas que foram
reconvertidas em empresas públicas devido ao fracasso da privatização, como nos
serviços públicos.
O
Transnational Institute (TNI) sediado na Holanda contabilizou no período de
2000 a 2017, a reestatização de 884 serviços prestados pelo setor privado no
mundo, sendo 83% delas transcorridos a partir da crise global (2008), sobretudo
nos serviços essenciais como saneamento, transporte, distribuição de água,
energia, coleta de lixo e outros.
A
desprivatização que alcançou quase 60 países como os EUA, Alemanha, França,
Índia, Moçambique, Canadá entre outros pode ser justificada pela constatação
generalizada que as empresas privadas, ao priorizarem o lucro, terminaram por
aumentar os preços e prestarem serviços insatisfatórios. Somente a reestatização dos serviços de
saneamento aconteceu em cerca de 270 cidades no mundo, como em Paris
e Berlim.
Também
tem importância ressaltar a reversão das experiências anteriores de
privatização dos sistemas públicos de aposentadoria e pensão. Segundo a OIT,
por exemplo, 2 países a cada 3 que adotaram regimes de capitalização
previdenciária entre 1981 e 2014 terminaram abandonando-os devido à
generalização dos impactos sociais e econômicos extremamente negativos (custos
fiscais e administrativos elevados, valor decrescente das aposentadorias para
patamar muito baixo, cobertura reduzida da população pela previdência privada e
crescimento da desigualdade de renda e da pobreza entre os mais velhos).
No caso
da atuação empreendedora do Estado, comprova-se ainda mais ao movimento de
retomada das empresas estatais. Em 2015, por exemplo, cerca de 1/4 das 500
maiores empresas do mundo eram controladas pelo Estado, enquanto 10 anos antes
(2005) não chegavam a 10%.
Atualmente,
conforme a Revista Forbes de 2018, constata-se que entre as 10 maiores empresas
do mundo por total de ativo 7 estatais. Quatro são bancos chineses, duas
empresas de crédito imobiliário pertencem aos Estados Unidos e um é o
conglomerado dos correios do Japão, cujo valor do total dos ativos supera em
muitas vezes as empresas privadas como a Apple, Facebook, Amazon, Microsoft e
outras.
Do total
do PIB mundial, cerca de 1/10 depende diretamente das atividades desenvolvidas
por empresas estatais situadas em vários setores como telecomunicações, transporte,
energia, petróleo e gás e outras. Das 21 maiores empresas petrolíferas do
mundo, por exemplo, 13 são estatais.
O avanço
na retomada das estatais se generaliza em países de distintas realidades. Só na
França, por exemplo, a quantidade de empresas controladas pelo Estado saltou de
830 na metade da década passada para 1,6 mil em 2015, ao passo que na Bolívia o
processo de estatização consolidou o crescimento econômico e estabilidade
política com 30 estatais respondendo por 40% do PIB nacional.
Já no
caso alemão, a peculiaridade localiza-se na existência de quase 16 mil empresas
públicas, cuja concentração em cerca de 90% delas nos governos locais suporta a
geração de mais de 10% do PIB nacional, o quarto maior do mundo.
Em grande
medida, o esforço de diversas nações em superar a crise global gerada pela
adoção do receituário neoliberal pode ser compreendido pela emergência da
revalorização do Estado e das empresas públicas. Ademais, a China, o país com a
mais notável ascendência internacional recente chega a deter 150 mil empresas
estatais, sendo 9,1 mil delas operando com sucesso em 185 países.
Apos ter
registrado a privatização de mais de 120 empresas estatais desde 1990, os
porta-vozes do dinheiro no Brasil seguem propagando acriticamente o contrário,
sobretudo com ascensão do governo Temer e agora do de Bolsonaro que aplicam
cegamente o receituário neoliberal.
A
imposição recorrente da redução do Estado por meio da asfixia orçamentária nos
serviços públicos e a adoção da privatização no setor produtivo estatal vêm
acompanhadas do interesse governamental de tornar privado todo o sistema
público de aposentadoria e pensão pela aprovação do regime de capitalização.
Neste
cenário, o Brasil converte-se no próprio exemplo da jabuticaba internacional.
Por força de um governo retrógrado e de elites portadoras dos interesses mais
imediatos do dinheiro, ganha relevância na atualidade o equívoco de
ultrapassada importação das medidas neoliberais pré-crise global de 2009 que,
por serem amplamente fracassadas no exterior, terminaram sendo abandonadas.
Sem o
Estado forte, não há registro de mercado eficiente.
*Marcio Pochmann é professor do Instituto de
Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do
Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil.
e-mail: pochmann@unicamp.br
e-mail: pochmann@unicamp.br
https://www.redebrasilatual.com.br/blogs/blog-na-rede/2019/06/marcio-pochamnn-desprivatizacoes-60-paises/