Essa insanidade, a Era do Capital Improdutivo, precisa ser abreviada e desconstruída. Esse morto-vivo que desde 2008 vagueia pela terra e a quem nós, os países dependentes, damos refúgio e oferecemos o sangue do nosso povo para mantê-lo ativo, esse morto-vivo precisa ser reconstruído
por Roberto Requião no Viomundo – Sociedade e como despertar um novo ser ?
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Requião como co-presidênte da Assembleia Parlamentar Euro-Latino-americana, na reunião ordinária do colegiado que foi realizada em San Salvador, o ex-senador Roberto Requião fez um chamamento para os parlamentares da Europa, do Caribe e da América Latina, no qual, foi feito um “recorte” conforme abaixo, do discurso que realizou naquele momento, mas onde a realidade de ontem confunde-se com os dias de hoje.
“É a liquidação final do país. Tudo à venda e por preços irrisórios, ridículos.
Até mesmo as florestas amazônicas não escapam à loucura privatista.
Uma imensa área, maior do que muitos países europeus, vai ser franqueada à predação das mineradoras.
No afã de consolidar o Brasil, na divisão internacional do trabalho, como mero produtor e fornecedor de commodities, minerais e agrícolas, o atual governo brasileiro libera a venda de terras para estrangeiros, ilimitadamente.
E coloca o nosso petróleo e as nossas reservas minerais à disposição do mercado, também ilimitadamente, irrestritamente.
Como disse por esses dias um dos grandes pensadores econômicos do país, o professor Luís Carlos Bresser-Pereira: a privatização condena o Brasil a ser empregado dos países ricos.
Empregado barato, sem qualificação e direitos, acrescentaria eu (Requião).
O que se vê é a aplicação das teses dependentistas (com subordinação).
Nossas classes dirigentes, cujo complexo de vira-latas foi vocalizado por alguns intelectuais (alguns deles, inclusive, chegaram à Presidência do Brasil, como Fernando Henrique Cardoso, por exemplo), nunca confiaram na capacidade de nossa gente de construir um país industrialmente desenvolvido, avançado, próspero.
Por isso, entregam o país ao capital multinacional, para eles o único com capacidade para empreender, reservando para os nacionais a tarefa de produzir commodities agrícolas e minerais. Além de fornecer mão-de-obra barata, semiescrava.
Depois de um período em que foi espelho para a América Latina, África e Ásia da construção de um projeto de nação, o Brasil retrocede no tempo e agrilhoa-se aos interesses e aos proveitos imperiais (países que pirateiam nações emergentes ou pobres).
Ao mesmo tempo, a mudança de comando em Brasília e Buenos Aires e a crise venezuelana enfraqueceram um tanto mais a já precária (des)unidade latino-americana.
Quer o governo do Brasil quer o da Argentina não escondem o incômodo de perfilar-se entre os países em desenvolvimento, entre as nações mais pobres das Américas, da África ou da Ásia.
No caso brasileiro, por exemplo, a aproximação à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OCDE, e o distanciamento do G 77+China, sinaliza também um afrouxamento dos laços com o Mercosul, a Unasul, os Brics entre outras instituições globalísticas.
Ainda mais uma vez, reaviva-se o fantasma da falecida Alca, que tanto beneficiou os países ricos, (principalmente o país estadunidense).
Nesses dois anos de co-presidente da Eurolat, defendi com paixão, e com razão (Requião), a prevalência dos interesses nacionais, populares e democráticos sobre os interesses do capital, especialmente do capital financeiro.
Saudei com entusiasmo, nesta Assembleia, a pregação do Papa Francisco, um latino-americano, contra Mamon, contra a financeirização da economia, (câmbio que traz, o bojo do desequilíbrio monetário global) contra a usura, contra a acumulação insana, contra a demência dos juros, da concentração de rendas, que destroem as economias reais, os empregos e as (poucas) democracias.
A cada encontro da Eurolat, denunciei o capital improdutivo e desnecessário, que vagueia a terra à busca do lucro fácil, farto e estéril porque não produz um botão para as nossas roupas, uma peça para as máquinas (Requião).
É preciso que nos convençamos de que a globalização financeira (ou a globalização pelas redes sociais da internet, social, cultural, patrimonial, militar, judicial ou política) é hoje o principal inimigo do Estado Nacional, do Estado-Nação, da população fora das elites.
É o principal inimigo da democracia, do pleno funcionamento e da robustez das instituições democráticas, da liberdade.
É o principal inimigo da nossa aventura de vida, da civilização, da paz, do bem-estar e da felicidade humana.
Os três clássicos que vislumbraram o aterrador e angustiante tempo futuro, “Nós”, de Eugene Zamiátin, “1984”, de George Orwell, e “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley devem ser lidos hoje não mais como a reprodução deste ou daquele regime, deste ou daquele ditador e sim como a distopia final da humanidade.
Hoje quem encarna o “Benfeitor”, o “Grande Irmão” ou “Lord Ford”, personagens-sínteses do pensamento único, da uniformidade e da unanimidade não são mais reproduções de Hitler, Mussolini ou caricatos e sanguinários ditadores terceiro-mundistas.
Hoje, a manipulação das pessoas, de suas vontades e decisões; e a sujeição da vida das nações e das instituições nacionais são feitas por Mamon, o senhor da globalização financeira.
O “Estado Único”, de Zamiátin, a “Oceânia, a Eurásia e a Lestásia” de Orwell, o “Governo Mundial” de Huxley fundiram-se em uma só monstruosa entidade: o Banco Global.
Onisciente, implacável controlador de arbítrios, desejos, sinas e propósitos, o Banco Global é o senhor de todas as vidas, de todos os destinos do planeta Terra.
A realidade que vivemos presentemente, cotejada com as ficções de Zamiátin, Orwell e Huxley torna-se ainda mais chocante quando, lá e cá, na ficção e na realidade, vemos o papel essencial da comunicação para dar contornos… edulcorantes (que dissimula, camufla) ao pesadelo do Estado Único e do Pensamento Único.
Às vezes insinuante, sorrateira, outras cativante, atrativa, mais das vezes parcial, tendenciosa e mesmo escrachadamente mentirosa, a comunicação é o alimento que envenena os espíritos e molda as opiniões, em nossos países, em todo o Planeta.
Assim, com o imprescindível apoio da mídia, o Banco Global inaugura uma nova era na história da humanidade, a Era do Capital Improdutivo.
Depois das Eras do Capital, dos Impérios e das Revoluções, segundo a classificação de Eric Hobsbawn, temos agora a Era de Mamon.
O trabalho, a vida, as ideias, os sonhos, a criação, a inventividade, o gênio e a generosidade, o avanço tecnológico e a produção só contam à medida que são financeirizados, que se transformem em derivativos.
Afinal, o que conta, o que realmente vale, é o lucro. Se é mais lucrativa a especulação que a produção, viva a agiotagem. E por que a produção se o mundo é para poucos? E de poucos?
Essa insanidade, a Era do Capital Improdutivo, precisa ser abreviada e desconstruída. Esse morto-vivo que desde 2008 vagueia pela terra e a quem nós, os países dependentes, damos refúgio e oferecemos o sangue do nosso povo para mantê-lo ativo, esse morto-vivo precisa ser reconstruído.
A estaca que vai transformá-lo em pó é a aliança do capital produtivo com o trabalho.
Falo agora do continente que represento.
Uma das maiores catástrofes da América Latina é a maldição do eterno retorno.
“A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira”, assim falava o pensador Zaratustra a cada passo de nossa história.
Quando pensamos que vencemos uma etapa da vida, que avançamos dois, três degraus, dá-se o retrocesso (eterno retorno).
Reproduz-se agora, notadamente na Argentina e no Brasil, a mesma ferocíssima e incomplacente investida do capitalismo liberal que sofremos nos anos 90”.
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Observação: antes desse discurso de Requião em setembro/2017, ou a 4 anos, o Brasil foi golpeado judicial-parlamentar-industrial-bancário e militarmente em 2016 com duração até hoje, e a vida tornada um pandemônio (na pandemia). Já a Argentina, através do grupo liderado pela Cristina Kirchner, conseguiu superar a administração federal de direita, por outra de centro liberal, que dura até esses dias.