O avanço da violência no campo no primeiro ano do GovernoFederal pós-golpe 2016
“...com a possibilidade de efetivação de políticas
públicas, como a regularização fundiária, reforma agrária, desintrusão e
demarcação de terras indígenas, titulação de territórios
quilombolas. Muitos assassinatos têm relação com possíveis limites à
desenfreada expansão do agronegócio e seus grandes lucros, com anos seguidos de
altos preços das commodities agrícolas”
Depois da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF),
de derrubar a tese do marco
temporal para a demarcação das terras indígenas, explodem conflitos
nas regiões, nos quais o agronegócio organizou uma ofensiva aos territórios
indígenas.
por Amigas da Terra Brasil no Brasil de Fato – Sociedade e Ganância
do Agro
A Comissão Pastoral da Terra (CPT)
divulgou recentemente os dados da violência no campo do primeiro semestre deste
ano: foram registrados 973 conflitos, representando o segundo
semestre mais violento dos últimos 10 anos, perdendo apenas para o ano de 2020,
no qual foram registrados 1.007 conflitos. Em sua maioria, os conflitos
envolvem a questão da terra e território. Segundo a CPT, ao todo foram
assassinadas 18 lideranças até outubro deste ano, sendo que os números
aumentaram exponencialmente neste mês. Apenas entre 10 e 11 de novembro, 8
assassinatos ocorreram num único final de semana: 4 quilombolas vítimas de
chacina na Bahia; 3 sem-terra assassinados na Paraíba; 1 indígena assassinado
no Pará. E durante a semana seguinte, mais uma morte indígena.
O retorno de um governo progressista e a possibilidade
de retomada das políticas públicas para efetivação dos direitos
constitucionais, tais como a concretização da reforma agrária, a demarcação das
terras indígenas e a titulação dos
territórios quilombolas, faz movimentar as forças de direita. Darci
Frigo, coordenador-executivo da organização de direitos humanos Terra de
Direitos, analisa que “quando o poder
central está na mão dos setores mais progressistas, da esquerda, que não são de
confiança das oligarquias, elas passam a atuar no âmbito local com a
articulação de forças policiais dos governos dos estados ou das milícias
privadas”.
Esses setores não confiam no governo central, ainda
mais com a possibilidade de efetivação de
políticas públicas, como a regularização fundiária, reforma agrária, desintrusão e
demarcação de terras indígenas, titulação de territórios
quilombolas. Muitos assassinatos têm relação com possíveis limites à
desenfreada expansão do agronegócio e seus grandes lucros, com anos seguidos de
altos preços das commodities agrícolas.
A oligarquia rural brasileira é conhecida
mundialmente pela sua violência. É comum haver uma influência desse setor sobre
as forças de segurança pública estadual e local, para realização de despejos e
ameaças. Nesse sentido, o tema da violência no campo encontra o problema da
segurança pública no Brasil. Vários dos conflitos agrários estão vinculados às
atuações policiais envoltas em abuso de autoridade. Além disso, a oligarquia
mobiliza forças de segurança privada, que atuam como verdadeiras milícias
rurais, exterminando lideranças capazes de mobilizar a luta por direitos que
afetem os interesses econômicos.
As movimentações políticas em Brasília afetam
consideravelmente este cenário. Depois da
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de derrubar a tese do marco
temporal para a demarcação das terras indígenas, explodem conflitos
nas regiões, nos quais o agronegócio organizou uma ofensiva aos territórios
indígenas. As lideranças indígenas e quilombolas são as mais ameaçadas. A
determinação do ministro Barroso para efetivação dos processos de desintrusão
das Terras Indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá tampouco vem sendo fácil de
executar pelo Ministério da Justiça. Inclusive, a possibilidade de avanço das
titulações quilombolas gerou uma contra ofensiva, com as vidas ceifadas das
lideranças quilombolas na Bahia e no Maranhão.
A violência refletida nos territórios está no
Congresso Nacional. A força do agronegócio impõe violações aos direitos
constitucionais previstas na Constituição de 1988, como nos questionamentos às
decisões do STF, na reabertura do debate do marco temporal e nos projetos de
lei de flexibilização do licenciamento ambiental. Sensível a aliança da bancada
do boi com a da bala no apoio à proposta de nova lei das Polícias Militares (PL
n.º 3045/2022, na mesa da presidência), que permite ainda menor controle e
transparência da sua atuação.
Novamente, deparamo-nos com o cenário da violência
no campo de 2003, quando a chegada do primeiro Governo Lula e a possibilidade
de mudanças concretas na garantia de direitos sociais, econômicos, culturais e
ambientais ao povo brasileiro fez insurgir a classe, até então dona do poder.
Quando não controla o poder público federal, ainda que com sólidos braços no
governo de composição do atual Governo Federal, a oligarquia rural estende suas
ações aos poderes locais, estaduais e municipais. Como enfrentaremos essa
ofensiva?
Duas
discussões centrais do governo para enfrentar o problema
O tema da segurança pública tem sido um desgaste na
imagem do Governo Federal. Sem adentrar no vespeiro, interessa-nos refletir
sobre as dinâmicas de controle interno e externo da atuação policial. A Polícia
Militar no Brasil está mais associada ao militarismo que à segurança pública,
assumindo uma inversão de poder; inclusive, algumas PMs sequer respondem aos
governos estaduais, como é o casa na Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro. Há
ausência de punição sobre os casos de infração, com muitos arquivamentos de
inquéritos. Outro elemento é a falta de transparência da Instituição Militar,
não apenas quanto a sua atuação, mas também quanto ao orçamento. Igualmente, a
responsabilização para os gestores que fazem uso político das polícias e do
dinheiro público, para efetivação de seus interesses.
A violência, a polícia e a responsabilização pelas
infrações, especialmente o abuso de autoridade, precisam ser tratadas no país.
A condução da segurança pública, com o aumento da militarização nos
territórios, não é a resposta eficiente à crise. É preciso haver coragem para
enfrentar uma reforma da organização das polícias Civil e Militar no país, e
isso definitivamente não está na proposta atual de lei orgânica das PMs, quer
pela atuação do Governo Federal, do Congresso ou do STF, que são os 3 maiores
poderes públicos brasileiros.
Outro tema importante é a política de defensores e
defensoras de direitos humanos, dos povos e dos territórios. No país que figura
como um dos que mais mata defensores e defensoras da luta pelas causa de
melhoria de qualidade de vida no mundo, o tema parece não ser uma prioridade,
um verdadeiro drama de genocidio. Desde as discussões do Grupo de Trabalho da
Transição, o governo sabia da determinação judicial para formar um Grupo de Trabalho
para reformular a política de defensores no país, com a missão de construir o
Plano Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, do meio ambiente
e comunicadores e o anteprojeto de lei.
Apesar disso, o Decreto com a criação do GT
(Decreto n.º 11.562/2023) saiu em 13 de junho de 2023. E a primeira
reunião do grupo só aconteceu no dia 10 de novembro de 2023. Em meio a essa
morosidade, vários defensores e defensoras vêm sendo assassinados. As respostas
são a investigação criminal dos mandantes e executores, elemento muito
importante para cessar a impunidade, contudo insuficiente. Enquanto as
políticas de defensores não considerarem os aspectos coletivos da violação, e
enfrentarem as questões estruturais que dão causa à ação dos defensores, as
tragédias seguirão se repetindo.
A proteção da vida humana e da integridade física é
obrigação inegociável do poder público. Não existem expectativas de que o atual
governo resolva todos os problemas estruturais que como país enfrentamos;
porém, se houver recuos em prol da conciliação com a barbárie da oligarquia
agrária brasileira (agro), processos políticos fundamentais na construção de
outro país, de um Brasil sem fome e sem violência, não serão possíveis.
É urgente e necessário que os ministérios assumam a
orientação de governo de construção popular e participativa de políticas
públicas, para que nossos problemas sejam tratados entre nós, com seus limites
e potencialidades. Avançar no desenvolvimento de perspectivas regionais e
locais também é fundamental. Tanto para gestão da segurança pública como para a
efetiva proteção dos defensores de direitos humanos, dos povos e dos
territórios.
Edição:
Rodrigo Durão Coelho
Publicado
no Brasil de Fato: 21 de Novembro de 2023
Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2023/11/21/o-avanco-da-violencia-no-campo-no-primeiro-ano-de-governo-lula