Notícias de que o emedebista golpista Michel Temer estaria negociando a
privatização das águas brasileiras começaram a circular pelas redes. Mas isso
seria possível?
por Fernanda Canofre para Sul21 – Sociedade e Expoliação dos Golpistas 2016
Sistema Aquífero Guarani está
presente em territórios do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai | Foto:
Reprodução/Wikimedia
Um dos
maiores reservatórios de água doce do planeta, o Aquífero Guarani, voltou às
manchetes esse ano, depois que Michel Temer (MDB) se reuniu em um jantar, no
Fórum Econômico Mundial, em Davos, com executivos da Nestlé e da Coca-Cola.
Notícias de que o emedebista estaria negociando a privatização das águas
brasileiras começaram a circular pelas redes. Mas isso seria possível?
O Guarani
foi batizado assim pelo geólogo uruguaio Danilo Anton, em homenagem aos povos
indígenas que habitaram (e ainda resistem) na região abrangida por ele, no
Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai. Em 1996, na época de sua descoberta, ele
chegou a ser considerado o maior do mundo. Com o tempo, porém, estudos provaram
que, ao invés de ser o “mar doce” que poderia abastecer a população brasileira
por 2,5 mil anos, ainda há muito para se entender sobre as dimensões do sistema
aquífero dentro de sua área.
Anton diz
que para que a venda fosse possível, precisaria ser articulado com as leis dos
quatro países. O que acha difícil que aconteça.
Porém,
paralelo aos boatos sobre o Guarani, o Senado brasileiro abriu uma consulta
pública para o projeto de lei 495, do senador cearense Tasso
Jereissati (PSDB). Reeditando uma proposta de 1997, ele propõe alterar a
Política Nacional de Recursos Hídricos e criação de mercados de água. O texto
fala que a introdução dos mercados de água na lei 9433 é “medida necessária
para promover alocação eficiente dos recursos hídricos em atividades que gerem
mais emprego e renda, de modo a otimizar os benefícios socioambientais e
econômicos”.
No site do Senado, mais de 60 mil pessoas já votaram
contra a proposta. Menos de 600 são favoráveis. O secretário da Federação Nacional dos Urbanitários chegou a
dizer que, na prática, a lei deixa claro que “quem tem dinheiro, compra e usa
água. Quem não tem, vai passar por dificuldade”.
O
Sul21 conversou com Anton sobre as ameaças que podem afetar o Sistema
Aquífero Guarani:
Sul21:
Como o senhor começou a estudar o Aquífero? O que o interessava então?
Danilo
Anton: Comecei
a estudar as formações gondwânica quando trabalhava no Instituto Geológico do
Uruguai, no final de década de 1960. Trabalhei em formações arenosas
quaternárias na Arábia Saudita por vários anos (geneticamente similares a
formação Botucatu). Pude visitar perfurações profundas em São Paulo, no início
da década de 1980. Trabalhando no IDRC do Canadá estive a cargo do programa
Water and Environment (Água e Meio-Ambiente), focado em águas subterrâneas.
Desenvolvi projetos hidrogeológicos na América Latina, incluindo Brasil (São
Paulo, Recife), que me permitiram conhecer os aquíferos na maioria dos países
latino-americanos. O aquífero Botucatu (em Tacuarembó, no Uruguai) requeria uma
análise internacional, por isso, me propus a estudá-lo e tive financiamento do
Centro Internacional para Desenvolvimento de Pesquisa (IDRC), onde trabalhava.
Sul21: És
conhecido por ser o pesquisador que o batizou. Por que o nome “Guarani”?
Danilo: O aquífero ocupa aproximadamente
o território onde se encontravam (e ainda se encontram) as comunidades guaranis
dos quatro países (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai). Eu havia
desenvolvido vários projetos com as comunidades guaranis da região, como parte
das minhas funções como oficial do programa do IDRC.
Sul21: O
que essa reserva significa hoje diante da forma que estamos utilizando recursos
naturais?
Danilo: É uma reserva importante, que se
utiliza amplamente nas zonas de afloramento para o abastecimento urbano e rural
e para irrigação, tem ainda potencial termal nas zonas de maior profundidade.
Sul21:
Essas águas são muito antigas, se diz que boa parte não poderia ser
aproveitada. Como funciona de fato?
Danilo: Só se pode aproveitar os
volumes renováveis (ou seja, apenas os caudais de recarga). Se se pretendesse
bombeá-lo além do limite aumentariam os custos, a ponto de fazê-lo
economicamente inviável.
Sul21: No
Brasil, depois que Michel Temer participou de um jantar com o presidente da
Nestlé, no Fórum Econômico Mundial, começaram a circular rumores de que ele
estaria negociando a venda do sistema. É possível vender o aquífero?
Danilo: Não creio que seja possível, no
marco das leis dos quatro países. Nas zonas onde o aquífero aflora, milhares de
produtores já o utilizam, incluindo populações. Talvez poderiam fazer
concessões de zonas termais. Não sei se a constituição do Brasil e dos estados
permitem.
Sul21:
Quais os riscos que esses sistemas correm, do ponto de vista econômico e de
meio-ambiente?
Danilo: O principal risco é de
contaminação nas zonas de recarga (afloramento). Outro risco pode ser o excesso
de bombeamento (por exemplo, em Ribeirão Preto ou em Santana do Livramento).
Sul21: O senador
Tasso Jereissati (PSDB) apresentou proposta para alterar a Política Nacional de
Recursos Hídricos, “para introduzir os mercados de água como instrumento
destinado a promover alocação mais eficiente dos recursos hídricos” e para
criar “mercados de água”. Há riscos junto as políticas de proteção também? Como
está isso no Uruguai?
Danilo: Os mercados de água são muito
perigosos, porque os recursos hídricos são muito importantes, tanto para o
abastecimento urbano, como para o rural e a produção agropecuária. Caudais, que
hoje se obtêm com baixo custo, poderiam aumentar seus preços sem cair nas mãos
de empresas privadas. Isso poderia ser muito prejudicial para muita gente que
depende deles.
https://www.sul21.com.br/ultimas-noticias/geral/2018/03/mercado-de-agua-pode-disparar-precos-mesmo-sem-privatizacao-alerta-geologo-que-batizou-aquifero-guarani/