O “aquecimento global” derrete o gelo dos polos, da Groenlândia e dos glaciares elevando o nível do mar e deixando bilhões de pessoas afetadas pela invasão da água salgada e escassez da água potável. A acidificação e a morte dos oceanos vai ter um impacto devastador para a humanidade. O aquecimento e a acidificação também vai afetar a agricultura e o preço dos alimentos deve subir, aumentando a insegurança alimentar e acendendo uma centelha capaz de incendiar grandes mobilizações de massa
A súbita “mudança climática” pode levar a civilização ao colapso. Não é a natureza que está ameaçando o ser humano. O ser humano é que está se autodestruindo ao aquecer a temperatura do Planeta. E o pior é que muitas espécies inocentes podem desaparecer no Antropoceno devido à irresponsabilidade e ganância de uma espécie egoísta e que só pensa em aumentar o seu padrão de vida às custas das riquezas naturais
por José Eustáquio Diniz Alves* no EcoDebate e IHU Unissinos – Sociedade, Aumento da Temperatura na Terra e Impactos na Humanidade
"A 6ª extinção em massa das espécies e o agravamento do “aquecimento global” são apenas o prelúdio de um “colapso ecológico e social” que se vislumbra no horizonte. No dia 22 de abril de 2020 comemorou-se os 50 anos do Dia da Terra e foi uma boa oportunidade para as pessoas manifestarem-se e mobilizaram-se contra o caminho “ecocida e suicida que a humanidade está seguindo", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate em 20-01-2020 (ver referência bibliográficas no final do texto).
Cenário Climático na Terra está Ficando Cada Vez Mais Perturbador
“A prosperidade da vida humana e das suas culturas
é compatível com um substancial decrescimento da população” (1984) - Arne
Næss and George Sessions em 8 Princípios da Ecologia Profunda
Enquanto a roda viva dos eventos sociais gira de
maneira alucinante e as atividades antrópicas crescem continuamente, há
um desastre ecológico ocorrendo
em câmara lenta (para os olhos humanos), mas que segue um ritmo aceleradíssimo
para a escala geológica. Aquilo que os cientistas chamavam de maneira cautelosa
de “mudanças climáticas”
transformou-se em “crise climática” ou “caos climático”, passando a representar um perigo existencial à
civilização e uma ameaça concreta à sobrevivência da vida humana e não humana.
Como disse Greta Thunberg: “Nossa casa está
pegando fogo”. A crise climática é a ameaça mais urgente do nosso tempo. E o
tempo para reverter o aquecimento global está
se esgotando.
Depois de 5 anos (2014-2018) das temperaturas mais
altas já registradas desde o início da série histórica que começou em 1880, o
ano de 2019 marcou a vice-liderança e, mesmo não sendo um ano de “El Niño”, ficou 0,95º C acima da
média do século XX. A atual década tem sido marcada por um calor excepcional,
indicando uma tendência preocupante. O cenário climático está ficando cada vez
mais perturbador, mais ameaçador e se agravando com muita rapidez e
profundidade e os incêndios e queimadas da Austrália são
apenas uma “amostra grátis” do que vem por aí.
Terra: Estudo Mostra que a Emissão de CO2 Devido a Queima de Combustíveis Fósseis é o Principal Motivo de Aumento da Temperatura
O gráfico abaixo, da “NOAA”, tendo como referência básica a temperatura média do período 1901-2000, mostra as temperaturas mensais entre 1880 e 2019 e a reta de tendência dos últimos 20 anos (1999-2019). Assim, em relação à média do século XX, a temperatura de 2019 foi 0,95º C mais alta (sendo que no mês de dezembro apresentou um aumento de 1,05º C). Mas em relação ao período pré-industrial a anomalia foi de cerca de 1,2º C. Na primeira metade do século XX as temperaturas estavam abaixo da média do século e passaram a ficar bem acima da média na segunda metade do século. Já no século XXI o aumento é ainda mais significativo, pois das 19 maiores temperaturas, 18 ocorreram entre 2001 e 2019 e 8 dos anos mais quentes ocorreram na atual década.
Variação mensal da temperatura global 1880-2019 e tendência do período 1999-2019
Nota-se que, não somente o ano de 2019 apresentou um “calor excessivo”, como o ritmo do aquecimento da série histórica aumentou para 0,22º C por década. A tendência do aumento da temperatura entre 1880 e 2019 foi de 0,07º C por década. A tendência entre 1950 e 2019 foi de 0,14º C por década e entre 1999 e 2019 foi de 0,22º C por década. Mas o mais surpreendente é que a tendência 2009 a 2019 apresentou um aumento de 0,36º C.
Desta
forma, há, indubitavelmente, uma inquestionável aceleração do ritmo do aquecimento global. Isto quer dizer que o
aquecimento pode atingir 1,5º C (o limite estabelecido no Acordo de Paris) até 2030 e pode atingir 2º C
antes de 2050, abrindo a possibilidade de se chegar a algo em torno de 4º C no
final do século. O mundo sairia da “emergência climática” para o “caos climático”.
Os seis anos mais quentes do Antropoceno aconteceram
entre 2014 e 2019 e os dois gráficos abaixo mostram as variações mensais da
temperatura. No primeiro gráfico são apresentadas as anomalias mensais e o
valor de cada entre parênteses. No segundo gráfico são apresentas as variações
mensais para todos os anos da série, sendo os anos mais frios em azul e os mais
quentes em vermelho (2019 com os marcadores pretos).
GISTEMP Seasonal
Cycle since 1880
Com os “sucessivos recordes anuais”, a atual década (2011-20) é a mais quente já registrada desde o início das medições em 1880. A temperatura média da atual década ficou 0,82º C acima da linha de base 1901-2000. Nota-se que a década de 1970 ficou 0,09º C acima da média do século XX, a década de 1980 ficou 0,30º C, a década de 1990 ficou 0,41º C e a década de 2001-10 ficou 0,63º C acima da média do século XX.
Variação anual e
decenal da temperatura global 1880-2020
Todos os dados acima foram reforçados por estudo publicado dia 15 de janeiro de 2020 por “James Hansen e colegas do Goddard Institute for Space Studies (GISS)”. Utilizando uma linha de base de 1880-1920 (início da série histórica), os autores mostram que a temperatura em 2019 ficou em 1,2º C acima. O estudo mostra que a emissão de CO2, em função da queima de combustíveis fósseis é o principal vetor de aumento da temperatura.
Temperatura global
da superfície em relação a 1880-1920
Antecedente de um “Colapso Ecológico e Social” que se Vislumbra no Horizonte Sobre a Terra
Acontece
que esta súbita “mudança climática” pode levar a civilização
ao colapso. Não é a natureza que está ameaçando o ser humano. O ser humano é
que está se autodestruindo ao aquecer a temperatura do Planeta. E o pior é que muitas espécies inocentes
podem desaparecer no Antropoceno devido
à irresponsabilidade e ganância de uma espécie egoísta e que só pensa em
aumentar o seu padrão de vida às custas das riquezas naturais.
O Acordo de Paris, de 2015, propõe
limitar o aquecimento global preferencialmente
até 1,5º C e, no máximo, em 2º C. Porém, a meta mais baixa já está praticamente
impossível de ser atingida e a meta superior pode ser ultrapassada até meados
do atual século (aproximadamente 2050). O resultado deste processo de
aquecimento deve ser calamitoso.
Artigo recente publicado na revista “Geophysical
Research Letters (Mark Zelinka, 03/01/2020)” mostra que
os modelos antigos subestimaram o ritmo do “aquecimento global” e
novos estudos “representam as tendências
climáticas atuais com mais precisão”. Segundo os autores, no ritmo atual o
mundo caminha para uma temperatura de 5º C acima dos níveis pré-industriais, o
que torna as metas do Acordo de Paris cada vez
mais distantes.
O “aquecimento global” derrete o gelo dos polos,
da Groenlândia e dos glaciares elevando o nível
do mar e
deixando bilhões de pessoas afetadas pela invasão da água salgada e escassez da
água potável. A
acidificação e a morte dos oceanos vai ter um impacto devastador para a
humanidade. O aquecimento e a
acidificação também vai afetar a agricultura e o preço dos alimentos deve subir,
aumentando a insegurança alimentar e acendendo uma centelha capaz de incendiar
grandes mobilizações de massa.
O jornalista David Wallace-Wells tem
escrito sobre a possibilidade de uma catástrofe ambiental. Seu influente livro “The
uninhabitable Earth: life after warming” (2019), começa com a frase:
“É pior, muito pior do que você pensa”. Ele mostra que o aquecimento global vai
ser abrangente, terá um impacto muito rápido e vai durar muito tempo. Isso quer
dizer que os efeitos danosos das “mudanças climáticas” vão se
agravar com o tempo e, embora todas as gerações já estejam sendo atingidas, são
as crianças e jovens que nasceram e vão nascer no século XXI que vão sentir as
maiores consequências do colapso ambiental. A “degradação ambiental” vai ocorrer em
várias áreas, com a acidificação dos solos, águas e oceanos, a precarização dos
ecossistemas e os “desastres climáticos extremos” (secas,
chuvas, furacões e inundações de grandes proporções), tornando muitos lugares
da Terra bastante inóspitos ou inabitáveis (Alves, 2019).
Para
mudar este quadro, libertar-se dos combustíveis fósseis é essencial.
Porém, está cada vez mais evidente que não basta mudar a matriz energética,
descarbonizar a economia e promover uma maquiagem verde no processo de produção
e consumo. É preciso, urgentemente, colocar na ordem do dia o debate sobre os
meios de se promover o decrescimento das atividades antrópicas. A meta de “redução
da pobreza” deve ser alcançada pelo decrescimento das
desigualdades sociais e não pelo crescimento demográfico e econômico desenfreado.
A Destruição do Meio Ambiente a Nível Global Provocará Condições Sociais Muito Precárias
A destruição do meio ambiente e os efeitos deletérios da globalização vão provocar um agravamento das condições sociais de amplas parcelas da população mundial, gerando levantes populares e rebeliões. Análise da consultoria Verisk Maplecroft em 16/jan/2020 mostrou que 47 países ao redor do mundo conviveram com distúrbios civis no ano passado, como Hong Kong, Chile, Nigéria, Sudão, Haiti e Líbano. E este número pode subir para 75 países em 2020.
Até a elite econômica de Davos, na Suíça, reconhece a gravidade da situação ecológica. O novo relatório do Fórum Econômico Mundial,
de janeiro de 2020, afirmou que a crise climática é o maior risco global,
pois se nos anos anteriores os problemas econômicos eram considerados as
maiores ameaças, agora os temores de
colapso climático ficaram no centro do palco. As percepções de risco se
desviaram para condições climáticas extremas, desastres ambientais, perda de
biodiversidade, catástrofes naturais e falha na mitigação das “mudanças
do clima”. Uma das estrelas do evento foi Greta Thunberg que reforçou
a demanda pelo fim do uso dos “combustíveis fósseis”.
Assim, não é possível mais negar a gravidade da
situação. A 6ª extinção em massa das espécies e
o agravamento do “aquecimento global” são
apenas o prelúdio de um “colapso ecológico e social” que
se vislumbra no horizonte. No dia 22 de abril de 2020 foi comemorado os 50 anos
do Dia da Terra e foi uma
boa oportunidade em que as pessoas manifestarem-se e mobilizaram-se contra o
caminho ecocida e suicida que a humanidade está seguindo.
Referências Bibliográficas:
ALVES, JED. Os 25 anos da CIPD: Terra inabitável e o grito da
juventude, R. bras. Est. Pop., v.36, 1-13, e0085, 2019.
ALVES, JED. A maior temperatura em 5 milhões de anos,
Ecodebate, 19/09/2016.
ALVES, JED. O clima na era dos humanos,
Ecodebate, 27/07/2016.
James
Hansen et. al. Global Temperature in 2019, GISS, 15 January 2020.
Mark
D. Zelinka et. al. Causes of higher climate
sensitivity in CMIP6 models, Geophysical Research Letters, 03 January 2020.
Miha
Hribernik and Sam Haynes. 47 countries witness surge
in civil unrest – trend to continue in 2020. Political Risk Outlook 2020, Verisk Maplecroft,
16 January 2020.
The
Global Risks Report 2020. Para acessar _ https://www.weforum.org/reports/the-global-risks-report-2020 .
Publicado no IHU Unissinos: 20 Janeiro 2020
Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/595739-recorde-de-temperatura-no-sexenio-2014-2019-preludio-do-colapso-ecossocial