O
filósofo e professor Vladimir Safatle em entrevista sobre a situação política
nacional, foi claro e conciso ao definir a velha democracia como algo morto,
desmoronado. O regime político de conciliação de classes, que surge como
“resultado de um medo de que a classe popular e operária desertasse o
capitalismo e entrasse em outra via” – nas palavras do professor morre e, em
seu lugar, a que melhor pode cumprir a tarefa de operar a velha ordem é a
extrema-direita. Ele analisa que provavelmente o que nos espera no futuro é “um
autoritarismo aberto mesmo”. Nesse sentido, é preciso ruptura ou, em suas
palavras: “A esquerda revolucionária precisa se preparar para esses cenários”
por Jailson de Souza no site A Nova Democracia – Sociedade e
a Luta Popular Ininteligível pelas
Esquerdas Brasileiras
Foto Rodrigo Duarte Baptista/AND.
Para Safatle, a conciliação de classes foi produto do medo de que o
proletariado tomasse o caminho da luta revolucionária
ANova Democracia
(AND): O que você pensa da repercussão pessimista que tiveram as jornadas de
2013 entre parcelas da intelectualidade?
Vladimir
Safatle: As
jornadas de 2013 são realmente um marco da vida política do país e um divisor
de águas. Você percebe claramente, a depender do posicionamento diante dos
protestos de 2013, quem está dentro de um processo de abertura para outras
formas de experiência social e aqueles que têm uma visão muito defensiva, de
preservar o mesmo modelo de gerenciamento social, econômico e político que fora
implementado de modo mais ou menos igual desde o fim da ditadura militar. Eu
sempre defendi que ali estávamos jogando os próximos capítulos da história
nacional e que não havia nenhum sentido temer essa tomada das ruas pela
população, por mais que fosse um processo contraditório, com várias forças,
como foi desde o princípio – porque isso é absolutamente natural.
Marx, no
18 de Brumário, tenta entender como uma revolução popular, em 1848, pôde gerar
Napoleão III, ou seja, como pôde gerar o fortalecimento cínico de um poder
imperial, extremamente violento e reacionário. Foi como em 2013. E é um sintoma
muito claro de que a esquerda brasileira não entendeu isso. Onde a esquerda
brasileira, ou seus setores hegemônicos, onde estavam? Estavam longe de uma
possibilidade de escutar as ruas, mas longe também de agir através delas.
Essas
manifestações, sua espontaneidade expressam a recusa de seguir um modelo
institucional vigente. Isso é claro. Óbvio que essa recusa pode dar em coisas
diferentes: em uma regressão social, de cunho protofascista, ou numa
transformação revolucionária efetiva.
AND:
Quais são as perspectivas para a próxima eleição?
VS: Nas próximas eleições, a extrema-direita – que se descolou da direita no
Brasil – não tem medo de fazer o debate ideológico e ela vai usar isso,
transformará a próxima eleição em plebiscito do governo, e vai colocar as
pautas nacionais. E, se o governo se sentir plebiscitado, ele vai botar a
quinta marcha e partir para cima de todo mundo. Acho que é importante a
esquerda revolucionária se preparar para esses cenários.
AND: O
que você pensa da lógica do governo atual e como a esquerda pode atuar?
VS: Isto que aí está não é um
governo, é um movimento. Não é a lógica de um governo a que está em operação,
mas sim a de um movimento, tanto que o
tópico central não é “vejam o que nós estamos fazendo”, mas sim “vejam como eu
não consigo governar”. E aí dizem que é porque o “poder Legislativo me impede”,
“o poder judiciário me impede”, “a burocracia me impede”. Tudo por quê? Porque
ele quer desmontar o resto e ter um poder absoluto.
Diga-se
de passagem, essa era a lógica fundamental do Estado fascista italiano.
Concretamente, na Itália, até meados dos anos 1930 o governo tinha resultados
econômicos pífios, e qual era a lógica fundamental? O Estado não nos permite
governar. Nesse sentido, é claro que a resposta da esquerda tem que ser outra.
Os setores hegemônicos da
esquerda brasileira não estão preparados para atuar nesse momento no qual é
preciso atuar em múltiplas frentes. Mesmo os grupos que atuam ainda são
minoritários. Temos um país com uma grande energia, e ela está presente em
todos os momentos. Há grandes manifestações, espontâneas e que funcionam em
rede, sem um grande grupo por trás, mas falta algo que reverbere. O povo brasileiro não saiu das
ruas desde 2013, são seis anos nessa toada, mas ainda não se produziu o acúmulo,
até agora -- o que não significa que não possa produzir, mas precisamos pensar
por que não se produziu até agora esse processo irreversível, de consolidação
de uma conquista. Essa é a questão central.
https://anovademocracia.com.br/no-228/12274-entrevista-com-o-filosofo-vladimir-safatle-a-democracia-liberal-morreu-o-pacto-de-classes-ruiu