Um controlador de perfis falsos recebia por volta de R$ 800 mensais
quando começava a trabalhar na empresa. Nas eleições de 2014, o salário teria
subido para até R$ 2 mil
Os depoimentos à BBC do Brasil dos entrevistados e os temas
dos tuítes e publicações no Facebook levam aos nomes de 13 políticos que teriam
sido beneficiados por serviços de robôs ciborgs e fakes, entre eles os
senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e Renan Calheiros (PMDB-AL) e o atual
presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE).
A atuação era variada. Para Aécio, perfis supostamente
falsos publicaram, por exemplo, mensagens elogiosas ao candidato durante debate
com Dilma Rousseff (PT) na campanha de 2014: "Aécio é o mais bem preparado".
No caso de Renan, criaram uma hashtag para defendê-lo durante protestos em 2013
que pediam o impeachment do então presidente do Senado:
#MexeuComRenanMexeuComigo. Foi apoiada por usuários como "Patrick
Santino", que usa a imagem de um ator grego no perfil. Já sobre Eunício,
divulgaram voto durante as eleições: "Vou com 15. Melhores
propostas".
Não há evidências de que os políticos soubessem que o uso de
perfis falsos fazia parte de um serviço de consultoria em redes sociais (veja
ao final desta reportagem a resposta completa de cada um).
Image caption Foto do ator e cantor
grego Sakis Rouvas, usada para ilustrar perfil falso | Foto:
Reprodução/Instagram
Monitorados por Skype
Os funcionários, segundo os relatos, ficavam em diferentes
Estados do país, trabalhando de casa e monitorados por Skype. Quando se
levantava para ir ao banheiro, conta um deles, era preciso explicar sua
ausência pelo Skype a um coordenador.
Jovens e na maioria das vezes sem curso superior, eles
contam que eram chamados na empresa de "ativadores". Recebiam de
profissionais mais graduados uma "ficha técnica" e perfis prontos do
que chamavam de "personas". Continham foto, nome e história de cada
um - de onde era, se era casado, se tinha filhos e quais eram seus gostos,
hobbies e profissão.
Eles teriam de "ativar" o perfil, alimentando e
dando prosseguimento à narrativa criada, mesclando publicações sobre sua rotina
com postagens apoiando políticos.
Segundo as diferentes entrevistas, um controlador de perfis
falsos recebia por volta de R$ 800 mensais quando começava a trabalhar na
empresa. Nas eleições de 2014, o salário teria subido para até R$ 2 mil.
Fotos eram retiradas de bancos de imagens, roubadas de sites
de notícias e de perfis existentes. A BBC Brasil identificou, por meio de
pesquisa em ferramenta de busca, a origem de várias dessas fotos. Uma delas
pertencia a uma jovem vítima de assassinato cuja foto havia sido publicada em
um veículo de imprensa local. Algumas imagens eram manipuladas digitalmente, o
que dificulta o rastreamento de sua origem.
A empresa, segundo os entrevistados, fornecia chips de
celular para autenticar perfis em redes sociais.
A parte "robô", ou semiautomatizada, não era
sofisticada. Os funcionários contam e fica claro nas postagens que eram usadas
plataformas que possibilitam a administração de vários perfis ao mesmo tempo,
como o Hootsuite (que cobra R$ 258 mensais para que três usuários operem 20
perfis em redes sociais ao mesmo tempo).
Agendavam publicações que falavam sobre a rotina do personagem
e outras mais genéricas, como "bom dia", "vou almoçar",
"boa noite", "estou cansado", "dia exaustivo",
entre outras postagens semelhantes, para dar a impressão de que se tratavam de
perfis reais.
Image caption Perfil usa foto de mulher que apareceu no noticiário; ela
escreve sobre seu cotidiano e comenta sobre político Paulo Hartung | Foto:
Reprodução/Twitter
Alguns "ativadores" passavam o dia fazendo isso,
relatam. Outros se dedicavam a programar publicações para a semana inteira e
ficavam de olho para eventuais interações que tinham de fazer, como responder a
mensagens de perfis reais.
Amigos reais
Perfis falsos criam "reputação" e parecem ser
legítimos adicionando pessoas aleatórias com o objetivo de colecionar amigos
reais.
Pessoas reais chegam a dar parabéns a fakes em aniversários
mesmo sem conhecê-los e fazem comentários elogiosos a fotos de perfil, ajudando
a criar a sensação de que são verdadeiros. É desta forma que, inadvertidamente,
usuários reais contribuem para a criação de "reputação".
A reportagem detectou que os perfis identificados como fakes
também interagem entre si - encontrou até um "casal" de perfis
falsos.
Uma ex-funcionária ouvida pela BBC Brasil afirma que, na
época, não sabia que trabalhava administrando perfis falsos. Segundo ela,
quando trabalhou na empresa, de 2012 a 2014, tinha acesso a perfis no Facebook
de pessoas que eram "apoiadores" de candidatos, como se eles tivessem
cedido o acesso. Ela conta que seu trabalho era monitorar o que era publicado
sobre candidatos e fazer comentários que os apoiassem por meio dos perfis que
controlava.
"Eu já desconfiei que não eram de pessoas reais, mas
não sei se eram. Eu não tinha muita malícia na época. Como eu só tinha acesso a
publicar determinados conteúdos, eu não verificava muito os perfis."
Outro ex-funcionário define o trabalho, do qual chega a ter
até um pouco de orgulho: "Você é só uma pessoa mascarada atrás de um
perfil. A resposta é forte, o retorno é bom. Você sente que realmente faz
diferença na campanha".
Quando um fake era "desmascarado" por outros
usuários ou desativados pelas plataformas, logo havia outro para substituí-lo,
que vinha de um grande banco de perfis falsos criado e mantido pela empresa,
também de acordo com os entrevistados.
Muitos dos perfis reunidos pela BBC Brasil foram
abandonados. Cerca de um quinto dos identificados no Twitter publicaram
mensagens pela última vez entre os dias 24 e 27 de outubro de 2014. O segundo
turno das eleições daquele ano aconteceu no dia 26 de outubro.
Um dos ex-funcionários entrevistados diz que os perfis
identificados como falsos pela BBC Brasil representam apenas uma pequena
parcela do fenômeno, já que a empresa teria criado "milhares" de
perfis como estes. Ele diz também que havia empresas concorrentes fazendo o
mesmo no Brasil.
Um tipo de atuação comum, segundo os entrevistados, era
deixar comentários em sites de notícias e também votar em enquetes, como as do
site do Senado, tomando até o cuidado de deixar a opinião oposta ultrapassar um
pouco antes de vencê-la, para que "tudo parecesse muito orgânico e
natural", nas palavras de um ex-funcionário. "Às vezes, dez pessoas
ficavam votando em determinada opção durante oito horas do dia."
Como identificar um
fake?
Para identificar os perfis supostamente falsos, com a ajuda
de especialistas, a reportagem levou em consideração elementos como: o uso de
fotos comprovadamente falsas, modificadas ou roubadas; a publicação de
mensagens a partir da mesma ferramenta externa às redes sociais; o padrão de
mensagens que simulam rotina, com repetição de palavras; a participação ativa
nas redes durante debates e "tuitaços"; atividade apenas durante o
horário "útil" do dia; as recorrentes mensagens de apoio ou de
agressão a candidatos específicos e, por fim, vários casos de datas
coincidentes de criação, ativação e desativação dos perfis.
Image caption Perfis usavam fotos
roubadas para escrever a favor de candidatos | Foto: Reprodução/Facebook
Malini, o acadêmico do Espírito Santo cujo grupo que
coordena já pesquisava parte dos supostos fakes identificados pela BBC Brasil,
elaborou o que especialistas chamam de "grafo", um desenho gerado por
computador que espelha o histórico da interação e atividade dos perfis no
Twitter. Isso inclui os retuítes, menções a outros usuários e comentários em
tuítes feitos pelos usuários com características falsas.
O resultado mostra os perfis com os quais estabeleceram o
maior número de interações, gerando uma espécie de "nuvem".
Nela, aparecem os políticos mencionados pelos
ex-funcionários como clientes da empresa, a página Lei Seca RJ e, no centro,
Eduardo Trevisan, "inflacionado" pela atividade dos supostos fakes.
"Ele é uma figura central, que recebe menções e retuítes de grande parte
dos usuários analisados", afirma Malini. "Essa alta centralidade salta
aos olhos e aponta quem deve ser investigado", acrescenta.
Pagamentos
Por meio da análise de pagamentos legais disponíveis ao
público em prestações de contas, a BBC Brasil conseguiu mostrar a ligação da
Facemedia de Trevisan com três políticos e um partido, o PSDB. A empresa
recebeu também, neste caso, segundo dados de um relatório disponível no site da
Câmara, transferência de uma agência de propaganda e marketing. No total, os
pagamentos feitos pelas cinco partes somam R$ 1,2 milhão. Veja em detalhes abaixo,
e um resumo da resposta de cada um:
- A empresa de Trevisan recebeu R$ 360 mil do Comitê
Nacional do PSDB para a campanha presidencial em 2014 pela "prestação de
serviços de marketing e comunicação digital", segundo consta da prestação
de contas do partido. O PSDB disse que a empresa foi contratada para prestação
de serviços de melhoria e monitoramento de movimento e tendências nas redes
sociais.
- A Facemedia também recebeu R$ 200 mil de Renan Filho
(PMDB) em 2014, então candidato ao governo de Alagoas, segundo a prestação de
contas. A assessoria do político, que venceu a eleição, disse que a empresa foi
contratada para prestação de serviços de monitoramento e análise digital das
redes sociais durante a campanha e acompanhamento do interesse do eleitor.
"Em nenhuma hipótese houve contratação ou realização de pagamento para a
criação de perfis falsos ou divulgações online por estes em favor da
campanha."
- Recebeu também R$ 30 mil do ministro do Tribunal de Contas
da União (TCU) Vital do Rêgo Filho (PMDB), então candidato ao governo da
Paraíba, de acordo com os dados públicos. Sua assessoria afirmou que o
candidato "utilizou serviços de mídias sociais para divulgação regular de
sua campanha, desconhecendo qualquer criação de perfis falsos por parte da
empresa contratada".
- Os mais recentes pagamentos encontrados pela reportagem
vieram da cota parlamentar do gabinete da deputada federal Laura Carneiro
(PMDB-RJ). A empresa de Trevisan recebeu R$ 14 mil por mês por "divulgação
da atividade parlamentar por meio da diagramação, manutenção e alimentação das
suas mídias sociais (Instagram, Facebook, Twitter)" de fevereiro a setembro deste ano, totalizando R$ 112 mil. As datas
coincidem com o período de atividade de um grupo de perfis supostamente falsos
identificados pela BBC Brasil atuando na página da deputada. A assessoria dela
disse que "os serviços prestados eram de monitoramento e de divulgação do
mandato parlamentar nas mídias sociais. A deputada não tem qualquer
conhecimento sobre o uso antiético de perfis falsos em qualquer prestação de
serviços realizados por essa empresa".
- Entre março de 2014 e julho de 2014, a Facemedia recebeu
R$ 504 mil da agência PVR Propaganda e Marketing Ltda, de Paulo Vasconcelos,
marqueteiro da campanha de Aécio à Presidência. O pagamento da PVR foi descrito
em um relatório produzido pelo Conselho de Controle de Atividades Financeira
(Coaf) em julho deste ano. Não é possível determinar no registro do pagamento
quais dos clientes da PVR teriam se beneficiado dos serviços da Facemedia. A
agência tinha entre seus clientes o PSDB e a J&F, controladora da JBS. A JBS
foi identificada como tema em diferentes tuítes, entre os reunidos pela BBC
Brasil, e também citada por um ex-funcionário como cliente da Facemedia. A
J&F não quis comentar. A PVR disse que contratou a Facemedia "para
prestação de serviços de monitoramento e análise do ambiente político". A
empresa nega que tenha feito algum pagamento para divulgação da candidatura de
Aécio Neves.
Outros políticos
Um ex-funcionário de Trevisan cita uma longa lista com
outros políticos que também teriam contratado o serviço. Todos eles foram
citados em algum momento pelos perfis falsos identificados pela BBC Brasil. São
eles: o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), os senadores Renan
Calheiros (PMDB-AL), Eduardo Braga (PMDB-AM) e Ricardo Ferraço (PSDB-ES), o governador
do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB), o ex-prefeito de Vila Velha (ES)
Rodney Miranda (DEM), o secretário municipal de Urbanismo, Infraestrutura e
Habitação do Rio de Janeiro, Índio da Costa (PSD), o ex-senador Gim Argello
(DF) e o ex-deputado estadual Felipe Peixoto (PSB-RJ).
Eles negaram ter conhecimento sobre qualquer uso de perfis
falsos nesse contexto. Não há nenhum indício de que os citados acima sabiam da
existência e do uso de fakes nas suas redes sociais como parte de um serviço
para favorecê-los.
Wallim Vasconcelos, que foi candidato à presidência do
Flamengo, também é citado pelo ex-funcionário e também foi tema de tuítes de
perfis considerados falsos. Ele encaminhou à BBC Brasil a resposta de sua
assessoria à época das eleições. Disseram que a Facemedia fazia apenas
"monitoramento" das redes.
O único citado com quem a reportagem não conseguiu contato
foi Gim Argello, hoje preso da operação Lava Jato. Seu advogado, Marcelo Bessa,
disse que não tem procuração para responder sobre esse assunto. (leia a íntegra
da resposta de todos os citados no final do texto)
Image caption Perfil falso que apoia
Paulo Hartung no Twitter usa foto de banco de imagens | Imagem:
Twitter/Reprodução
Responsabilidade
Perfis falsos foram usados para tentar influenciar as
eleições americanas no ano passado e representam uma crescente preocupação no
mundo ao lado das notícias falsas, facilmente compartilhadas nas redes, e
também do papel da propaganda direcionada nas redes sociais, mecanismo que
teria sido usado por russos nas eleições dos EUA. O Facebook declarou ter
desativado 470 contas e páginas "provavelmente operadas da Rússia",
que publicavam conteúdo que visava causar maior divisão nacional em tópicos
como direitos LGBT e questões raciais e de imigração.
O reflexo desta tendência no Brasil levou especialistas
ouvidos pela BBC Brasil a reforçar um apelo por ação mais rigorosa tanto do
Twitter quanto do Facebook.
Para Pablo Ortellado, professor da USP, deve haver maior
transparência e regulação nas plataformas como o Facebook, que deve começar a
agir "como se fosse um Estado, já que virou a nova esfera pública"
onde acontecem discussões e interações entre as pessoas. Ou seja, para ele, a
plataforma deve começar a se autorregular, se não quiser ser regulada pelos
Estados, um cenário também não livre de polêmicas.
O Twitter informa que "a falsa identidade é uma
violação" de suas regras. "As contas do Twitter que representem outra
pessoa de maneira confusa ou enganosa poderão ser permanentemente suspensas de
acordo com a Política para Falsa Identidade do Twitter. Se a atividade
automatizada de uma conta violar as Regras do Twitter ou as Regras de
Automação, o Twitter pode tomar medidas em relação à conta, incluindo a
suspensão da conta."
Já o Facebook informa que suas políticas "não permitem
perfis falsos". "Estamos o tempo todo aperfeiçoando nossos sistemas
para detectar e remover essas contas e todo o conteúdo relacionado a elas.
Estamos eliminando contas falsas em todo o mundo e cooperando com autoridades
eleitorais sobre temas relacionados à segurança online, e esperamos tomar
medidas também no Brasil antes das eleições de 2018."
A empresa também afirma que não pode comentar os perfis
citados na reportagem porque não teve acesso a eles antes da publicação deste
texto. "Entretanto, vale ressaltar que durante as eleições de 2014 mais de
90 milhões de pessoas no Brasil usaram a plataforma para debater temas
relevantes para elas e engajar com seus candidatos."
Roteiro
O padrão de criação de uma conta falsa no Twitter e no
Facebook, segundo os entrevistados, seguia um roteiro: durante um ou dois
meses, determinado perfil apenas tuitava sobre sua rotina, publicando tuítes
muito parecidos para "martelar" ou "fixar" seu cotidiano
por meio das publicações agendadas, com características e hobbies que são muito
claros: há a mãe que gosta de assistir a séries e faz pilates, a universitária
que fala sobre seus estudos, o síndico de prédio que gosta de futebol.
De repente, uma aglomeração de tuítes a favor de determinado
político interrompe esse padrão - e aí entram de fato seres humanos, assistindo
aos debates na televisão e fazendo comentários ou promovendo
"tuitaços" a favor de seu candidato.
Um dos tuitaços de que participaram os usuários fakes foi
para que o perfil Lei Seca RJ fosse nomeado ao prêmio Shorty, que reconhece
pessoas e organizações que produzam bom conteúdo nas redes sociais.
Em alguns casos, o histórico revela "reciclagem"
de perfis, apoiando diferentes candidatos ao longo do tempo. Em 5 de outubro de
2014, "Fernanda Lucci", que usa no perfil uma foto de Petra Mattar,
cantora e filha do ator Maurício Mattar, escreve ter dado seu voto para Renan
Filho (PMDB), então candidato ao governo de Alagoas.
Image caption Perfil falso conta ter
votado em Renan Filho | Imagem: Twitter/Reprodução
Já no dia 24 de outubro, escreve: "Dia 26 quero
#Eunicio15 para mudar CE", em referência ao senador Eunício Oliveira
(PMDB), que na época concorria ao governo do Ceará.
Image caption Perfil falso diz apoiar
o senador Eunício Oliveira | Imagem: Twitter/Reprodução
Dois meses antes, ela elogiava Paulo Hartung (PMDB), então
candidato ao governo do Espírito Santo, por sua performance em um debate,
sempre incluindo também uma hashtag em referência a esses políticos.
Image
caption 'Fernanda Lucci' apoia Hartung | Imagem: Twitter/Reprodução
Atividade recente
Parte dos perfis identificados como falsos estavam ativos
até novembro deste ano, interagindo, curtindo e comentando em publicações da deputada
federal Laura Carneiro (PMDB-RJ), como fazem os perfis de "Marcos
Vieira" e "Breno Marson", que tagueiam perfis de pessoas com
maior proeminência no Twitter para tentar aumentar o alcance da publicação.
A assessoria de imprensa da deputada diz não ter
"conhecimento sobre o uso antiético de perfis falsos em qualquer prestação
de serviços realizados por essa empresa".
Image caption Perfis marcam Twitter de famosos em publicação
de deputada no Twitter | Imagem: Twitter/Reprodução
Uma publicação sobre vacinação antirrábica na página do
Facebook da parlamentar, do dia 26 de setembro deste ano, tem nove comentários.
Cinco deles foram feitos por perfis identificados como ciborgues, com poucos
minutos de diferença.
"Romulo Borges" comenta que a iniciativa da
deputada é "Super importante!!!". Ele tem 71 amigos e começou a
publicar no Facebook, em março deste ano, textos como "esperando a hora de
chegar em casa e comer sobra de pizza" e "segunda-feira chuvosa e
fria", sempre da plataforma Hootsuite.
"Borges" também tem um perfil no Twitter, com a
mesma foto e mesmo nome. Foi criado em 2010 e ficou ativo entre julho e outubro
de 2014, quando tuitava sobre sua rotina ("bom dia", "trabalho
pesado", "fome", "boa noite" são expressões
recorrentes).
Na época, chegou a tuitar sobre um debate entre Dilma
Rousseff (PT) e Aécio, criticando a performance de Dilma. Encerrou suas
atividades no fim de outubro daquele ano e só voltou em março de 2017. Hoje em
dia, curte no Twitter quase todas as publicações de Laura Carneiro. Uma
pesquisa feita pela BBC Brasil revela que sua foto, na realidade, pertence a
outra pessoa.
Ator grego
Também fora de campanha, mas em 2013, Renan Calheiros
(PMDB-AL) teria contratado a empresa para cuidar de sua imagem, segundo um dos
entrevistados.
Naquele ano, quando manifestações pelo Brasil pediam o
impeachment do então presidente do Senado, os perfis supostamente falsos
criaram a hashtag #MexeuComRenanMexeuComigo, defendendo o político nas redes e
criando a falsa ilusão de que ele era apoiado por aquele grupo de pessoas.
O perfil falso abaixo, de "Patrick Santino",
entrou em uma briga com outro usuário (que já não está mais ativo) usando a
hashtag para defender o senador, num tuíte replicado 777 vezes. Sua foto de
perfil pertence ao ator e cantor grego Sakis Rouvas.
Image caption Perfil falso escreve
mensagem a favor do senador Renan Calheiros | Imagem: Twitter/Reprodução
Pressão por projeto
de lei
Ao menos oito perfis falsos identificados pela BBC Brasil fizeram postagens positivas em relação à Friboi, da
JBS. Segundo um dos entrevistados pela reportagem, a empresa contratou os
serviços da agência para "botar pressão" pela aprovação de um projeto
de lei que exigisse de todos abatedouros no Brasil um selo mais rígido -
favorecendo o frigorífico, que teria a capacidade de tê-lo. A J&F
Investimentos, holding que controla a JBS, não quis comentar.
"Letícia Priori" está no Twitter e no Facebook, onde já escreveu sobre Aécio Neves (PSDB), Renan
Filho (PMDB) e Eunício Oliveira (PMDB). Quando não fala sobre políticos,
escreve a respeito das sobrinhas e do chefe. E, numa manhã de quarta-feira,
recomenda a seus seguidores uma receita da Friboi, acompanhada de sua hashtag.
A foto de "Letícia" pertence a uma mulher morta. A BBC Brasil tentou
entrar em contato, sem sucesso, com a família da jovem real, assassinada de
forma brutal no Rio de Janeiro.
Image caption Perfil que usa foto de mulher morta elogia Friboi | Imagem:
Twitter/Reprodução
Ataque a inimigos
Os perfis, segundo os entrevistados, também participavam de
grupos políticos no Facebook. A BBC Brasil identificou um grupo contra Renato Casagrande (PSB), então candidato ao governo
do Espírito Santo, criado por "Deborah Mendes", que usa foto de
perfil retirada de um banco de imagens e é um dos perfis que seriam ligados à
Facemedia. A atividade da página mostra que ela adicionou um funcionário da
Facemedia ao grupo.
Casagrande disputava as eleições com o atual governador
Paulo Hartung (PMDB), defendido pelos perfis falsos.
Image caption Grupo
criado por perfil falso no Facebook tem participação de coordenador da
Facemedia | Imagem: Facebook/Reprodução
Ao menos uma dezena dos membros do grupo são fakes. Outra
parte é composta por pessoas verdadeiras, que foram expostas às postagens no
grupo, visualizando notícias e comentários publicados por eles, sempre contra o
candidato. Quando um perfil publicava uma notícia, imediatamente outros
comentavam abaixo dela, dando "força" à publicação.
'Esse tal de Twitter'
Em 2009, Trevisan foi convidado para o programa matinal de
Ana Maria Braga na TV Globo para falar sobre "esse tal de Twitter",
nas palavras dela. Apresentou-se como "consultor de marketing", que
trabalhava "monitorando marcas e produtos" nas redes sociais e disse
ter recebido treinamento dos "papas de Twitter" da campanha do então
presidente americano Barack Obama. Em seu Instagram, Trevisan posta imagens com
logos do Facebook e do Twitter agradecendo sua existência.
Foi entrevistado várias vezes para reportagens sobre a
página Lei Seca RJ, sempre dizendo que ela fora criada com o intuito de
melhorar a vida de quem não havia bebido e perdia tempo nas filas das blitze no
Rio - e não por quem bebe acima do limite, dirige e quer escapar da lei.
Em 2010, Trevisan foi homenageado pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro
"por seu relevante serviço voluntário prestado em prol dos atingidos pelas
fortes chuvas do mês de abril" - a autora da proposta foi a então
vereadora Clarissa Garotinho. Na época, a página Lei Seca RJ orientou seguidores
publicando informações sobre as enchentes.
Implicações legais
Apenas criar um perfil falso sem a intenção de enganar os
outros, ou seja, de modo transparente, não é ilegal e "se aproxima ao
conceito do pseudônimo, de criar uma identidade nova", diz a advogada
Patrícia Peck, especialista em direito digital. "Onde começa a ter
problema? Quando o pseudônimo existir com a finalidade de enganar outros,
entrando no crime da falsa identidade."
A criação de perfis expostos nessa reportagem, segundo ela,
se encaixaria no crime de falsa identidade, já que interagiram com outras
pessoas sem deixar claro que eram falsos. A pena é detenção de três meses a um
ano ou multa.
Os perfis falsos que usaram imagens de pessoas reais
cometeram o ilícito civil do uso não autorizado de imagem. As pessoas reais,
donas das fotos, podem pedir indenização. Também podem alegar na Justiça que
houve crime contra a honra, por difamação - "quando você fala como se
fosse outra pessoa, pode construir uma imagem diferente da dela e ferir sua
imagem e reputação", diz Peck. A pena é de três meses a um ano de detenção
e multa.
A criação de personagens nas redes sociais também pode ser
enquadrada no crime de falsidade ideológica, na visão de Peck, para quem as
páginas são uma espécie de documento, cuja falsificação é pré-requisito para
esse tipo de crime. A pena é reclusão de um a três anos e multa.
E, por fim, caso seja provado que houve alguma espécie de
ganho com a criação dos perfis falsos, é possível que seja enquadrada no crime
de estelionato. A pena é reclusão de um a cinco anos e multa.
A transgressão é menos clara no campo político, mas foi em
parte endereçada na reforma eleitoral aprovada em outubro. E o TSE (Tribunal
Superior Eleitoral) se prepara para divulgar até dezembro um conjunto de novas
regras de comportamento online para partidos e candidatos.
A nova legislação proíbe "a veiculação de conteúdos
de cunho eleitoral" por meio de "cadastro de usuário de aplicação de
internet com a intenção de falsear identidade".
Mas isso durante o período eleitoral - já passaram os prazos
para quaisquer reclamações referentes às eleições de 2012 e 2014.
http://www.bbc.com/portuguese/brasil-42172146