Eleições nos Estados Unidos: o que muda na política externa se vence
Biden ou Trump? Muito pouco ... ver abaixo
Analistas venezulano e estadunidense avaliam que as
ameaças contra a Venezuela, a América Latina e ao mundo permanecerão
por Michele de Mello* no Brasil de Fato – Sociedade e Liberdade nas Américas Existiram um Dia?
Em
convenção nacional, o partido Democrata confirmou sua chapa com Joe Biden e
Kamala Harris para disputar as eleições contra Donald Trump e Mike Pence. -
Oliver Douliery / AFP
A menos de três meses para as eleições nos Estados
Unidos, Donald Trump e Mike Pence continuam perdendo por cerca de nove pontos
percentuais nas pesquisas de opinião.
Nessa semana, a convenção nacional do partido
Democrata confirmou sua chapa composta por Joe Biden e Kamala Harris para as eleições
do dia 3 de novembro.
A dupla contou com apoio massivo de figuras
importantes do partido, como o ex-presidente Barack Obama, a ex-secretária de
Estado Hillary Clinton e a família Kennedy.
Conforme avança a corrida eleitoral, aumentam os
debates a nível internacional sobre os impactos de uma possível derrota de
Trump.
Na política internacional, ainda que o atual
presidente tenha elevado o discurso de guerra na América Latina, no Oriente
Médio e contra a Rússia e a China; mantido tropas estadunidenses ocupando
o Iraque, sem permissão do parlamento do país; aprofundado o bloqueio econômico
contra Cuba e Venezuela; e rompido o acordo nuclear com Irã, na prática,
Donald Trump não declarou nenhuma guerra durante seus quatro anos de mandato.
Ao contrário do seu antecessor Obama, que foi
o primeiro presidente a exercer dois mandatos completos com o país em guerra.
Isso faz que faz com que analistas internacionais afirmem que não haverá
diferença nos países alvo do assédio, tanto na região oriental do mundo, como
na América Latina.
“Acho que veremos uma tentativa de criar uma
nova parceria de segurança, novos acordos de livre comércio e outras coisas que
parecerão menos agressivas do que Trump. Mas, na verdade, serão medidas
intensificadas para isolar a Venezuela no região”, afirmou o jornalista
estadunidense Eugene Puryear, do Breakthrough News.
A presidenta da Câmara de
Representantes, Nancy Pelosi, do partido Democrata, também se reuniu com Guaidó
na sua visita aos EUA em janeiro de 2020 / Diario La Verdad
A chamada
política do "soft power" foi adotada pela administração
Clinton e retomada na retórica de Obama, acompanhado por Biden.
"O
partido Republicano de Trump é muito mais explícito. O partido Republicano sem
Trump é o mais próximo do que são os democratas agora. Quero dizer que nesse
momento não existe um verdadeiro partido Democrata nos Estados Unidos. Ou seja,
não dizem o que são e disfarçam de ação humanitária, de preocupação de direitos
humanos, e ativam várias ações que acabam modificando a realidade concreta e
alimentando o seu próprio relato, sem dizer que são eles mesmos que estão
jogando com todos os elementos. Esse é o partido democrata", analisa Diego
Sequeira, do portal venezuelano Misión Verdad.
Juntos,
Biden e Obama bombardearam Afeganistão, Líbia, Somália, Paquistão, Iêmen,
Iraque e Síria. Além de ter declarado a Venezuela como uma ameaça
"inusual" para a segurança dos Estados Unidos, justificando a
implementação do bloqueio econômico. De lá para cá, o conjunto de leis que
conformam o bloqueio geraram um prejuízo de US$194 bilhões à economia
venezuelana.
Enquanto
atacavam com uma mão, com a outra, os democratas mantiveram a narrativa de
pacificação.
Em 2009,
durante seu discurso ao receber o Prêmio Nobel da Paz,
Obama reafirmou que os Estados Unidos haviam ajudado a defender a segurança
global. "Então sim, os instrumentos de guerra têm um papel na preservação
da paz", afirmou. Dois meses depois ordenou o envio de um novo contingente
com 30 mil soldados ao Afeganistão.
Venezuela a ser colonizada
globalmente devido ao petróleo
"O
que fez Obama foi encerrar os últimos cenários da Guerra Fria do século XX;
o principal era terminar o capítulo Cuba e o caso Colômbia - FARC. Mas
enquanto fechavam uma frente, abriam outra, para iniciar a Guerra Fria do
século XXI e aí é onde nós estamos", comenta Sequeira.
Eugene
Puryear aponta que a busca por uma mudança violenta de governo na
Venezuela é um ponto em comum entre os dois partidos que disputam a Casa
Branca.
“Como
vimos, por exemplo, com o presidente Obama e suas declarações da Venezuela como
uma ameaça para a região, uma ameaça de política externa, ainda não era tão
abertamente a favor de golpes como o regime de Trump. No entanto, vimos isso do
senador Chris Murphy, que é um importante
democrata no Comitê de Relações Exteriores do Senado e um grande apoiador de
Joe Biden. Ele criticou fortemente a política do governo Trump por falhar
essencialmente por não ter derrubado o presidente Maduro”,comenta Puryear.
Juan Guaidó, presidente da
Assembleia Nacional em desacato, se autodeclarou presidente da Venezuela,
com o apoio dos Estados Unidos / Créditos: Yuri Cortez/AFP
Para
Sequeira, o alinhamento político entre os dois partidos atende aos interesses
dos grandes agentes econômicos estadunidenses, que no caso venezuelano, são
representados pelo setor da oposição liderada pelo deputado Juan Guaidó.
Desde
2019, Guaidó é reconhecido como presidente legítimo da Venezuela pelos Estados
Unidos. Através desse apoio, o deputado nomeou uma nova diretoria da Citgo, filial da PDVSA, no
território estadunidense, apropriando-se de um dos maiores bens públicos
venezuelanos no exterior, avaliada em US$7 bilhões.
Em
janeiro de 2020, o autoproclamado foi ovacionado tanto por parlamentares
republicanos, como democratas durante o discurso anual de Trump sobre o Estado
e a União.
O
jornalista do canal Breaktrough News denuncia que até mesmo a ala
mais progressistas do partido democrata está interessada na derrubada do
governo Maduro.
“Por
exemplo, Alexandria Ocasio-Cortez apoiou as forças de oposição na Venezuela.
Certamente ela se encontrou com alguns dos indivíduos que estavam promovendo o
golpe contra Evo Morales. Portanto, até mesmo alguns dos parlamentares
progressistas são muito ruins na questão da América Latina”, analisa Puryear.
Sequeira
afirma que são os agentes israelenses que mediam as relações entre os
distintos grupos políticos do establishment estadunidense e seus
parceiros latino-americanos.
Essa
seria a justificativa para o recente anúncio de negociações entre Juan
Guaidó e o governo de Benjamin Netanyahu para a abertura de uma embaixada
venezuelana em Jerusalém.
No final de 2019, Julio Borges,
indicado por Guaidó como chanceler do governo autoproclamado, visitou Israel em
uma agenda de reuniões com políticos e empresários. / Reprodução
Israel e
Estados Unidos são antigos aliados, oferecendo apoio mútuo nos conflitos que
desatam em distintas partes do mundo. E, assim como os israelenses, os
estadunidenses possuem sua própria teoria de que são o povo escolhido por
Deus.
Desde o
final do século XIX, a doutrina do destino manifesto é perpetuada na política,
cultura e religião nos Estados Unidos. Sugere que os estadunidenses conformam
uma nação superior e que teriam a missão de liberar o mundo do mal. Esse mal
seriam os inimigos do livre desenvolvimento econômico dos EUA.
"Outro
elemento é a ideologia dos Estados Unidos, que é o chamado excepcionalismo.
Estados como o país excepcional e indispensável. Nesse ponto não importa de
quais matizes ou variações estamos falando. Todos dirão o mesmo, que é o
excepcionalismo que os conduz ao destino manifesto de dominar o
mundo. Usam um discurso de que se está levando progresso, mas na verdade estão
colonizando", analisa Sequeira.
O deputado venezuelano foi um dos
convidados internacionais na sessão parlamentar que analisou o discurso do
Estado e da União de 2020. / Efe
Para Puryear
a visão doutrinária de que os Estados Unidos são o melhor país do mundo
está evidente nos dois maiores partidos.
“Enquanto
os democratas tentam apresentá-la sob uma luz mais progressista, a lógica por
detrás é ‘se você quer que algo bom aconteça no mundo, então os Estados Unidos
devem estar envolvidos’ e que os EUA tem o direito de intervir em qualquer país
do mundo”, concorda Puryear.
EUA: crise interna
Ainda
que Biden e Harris se apresentem como algo novo e tentam conquistar o
voto dos cidadãos - que desde maio organizam manifestações massivas para
condenar o racismo estrutural e a violência policial,
ambos os personagens estiveram diretamente envolvidos com a o aumento do
encarceramento de jovens negros no país.
Biden,
como senador pelo estado Delaware, impulsionou a reforma da lei do sistema
carcerário na década de 1990. Já Harris, como procuradora geral do estado de
Califórnia, foi responsável pela prisão de cerca de 1500 cidadãos, sob o
argumento de guerra às drogas, além de estar envolvida em casos de perseguição a presidiários negros.
Para
Eugene, os próximos anos serão também de muita repressão no cenário interno dos
Estados Unidos, porque a medida em que o povo se organiza para condenar ações
desmedidas da polícia, justiça ou do próprio executivo, a criminalização aos
movimentos sociais se intensifica.
"Eu
acredito que vamos ver que as contradições nos Estados Unidos são muito grandes
e que as soluções promovidas pelo governo ou pelos partidos não estão nem perto
de realmente resolver esses problemas. Eu imagino que vamos ver o aumento da
repressão policial. Estão decididos a não atender as demandas dos movimentos
sociais; ao contrário, vão criminalizá-los. Entre democratas e
republicanos as aparências são muito maiores quando concerne à repressão",
sentencia o jornalista.
O cenário
de crise econômica mundial e do sistema capitalista coloca em xeque a
capacidade dos grandes atores políticos na maior potência econômica do mundo de
manter sua hegemonia.
"O
centro dessa ideologia que concentra essas ideias está em crise. Assim como sua
economia, sua viabilidade imperial e militar", afirma Diego Sequeira.
Publicação: 22 de Agosto de 2020
Edição: Douglas Matos
Michele de Mello* repórter na Venezuela
Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2020/08/22/eleicoes-nos-estados-unidos-o-que-muda-na-politica-externa-se-vence-biden-ou-trump