Por Eleonora Camilli para Revista Carta Capital -
Sociedade, Direitos Humanos e Economia (fonte no final)
Grande parte dos
cerca de 1 bilhão de euros repassados a centros de recepção pelo governo acaba
investida no comércio local
A recepção de migrantes é um negócio. E não apenas para
aqueles que realizam atividades ilegais, lucrando com o infortúnio dos refugiados.
A assistência a pessoas que chegam à costa italiana todos os dias traz uma
renda honesta: estruturas de hospedagem para solicitantes de asilo e outros
beneficiários de proteção internacional podem lucrar, mesmo dentro da lei e por
meio de acordos assinados com as prefeituras, favorecendo autoridades locais e
aumentando a receita em nível local.
Foto: UNHCR/Sebastian Rich
Em alguns casos,
esses lucros são uma verdadeira dádiva, especialmente em áreas onde a crise
financeira é mais intensa. Para parafrasear um dos antigos anúncios do governo
de Silvio Berlusconi, ex-primeiro-ministro da Itália, em resumo, a recepção de
migrantes “impulsiona a economia”.
980 milhões de euros
por ano
Segundo os dados mais
recentes do ministro do Interior, Angelino Alfano, em junho deste ano, 78 mil
migrantes se hospedaram em centros italianos, incluindo instalações temporárias
(48 mil), centros de recepção para refugiados (20 mil) e centros do governo (10
mil). Por sua assistência, o Estado fornece aos centros participantes uma média
diária de 35 euros por dia para cada migrante (o que também inclui 2,50 euros
por dia em “trocados” para despesas diárias fornecido aos hospedes). “Esses 35
euros são a média do custo calculado dos projetos do Sistema de Proteção para Refugiados e Solicitantes de Asilo
(SPRAR). Mas ao longo do tempo esse valor se manteve como a média de custo
também para a hospitalidade fornecida pelas prefeituras”, explica Daniela Di
Capua, chefe do serviço central do SPRAR.
De acordo com os
dados do Ministério do Interior, a despesa máxima diária para recepção de
migrantes é de cerca de 2,7 milhões de euros, ou 82 milhões por mês. Por ano, o
valor chega a 980 milhões de euros. “Esse valor nunca chegará às mãos dos
migrantes em si, mas representa o custo de manutenção deles”, diz Di Capua. “Se
retiramos os 2,50 em ‘trocados’, sobram mais de 32 euros por migrante para, em
primeiro lugar, cobrir custos de equipe. Isso significa pagar salários,
contribuições de impostos e contratos de operadores que trabalham nos centros,
cuja a maioria é de jovens italianos”, completa.
Segundo Di Capua,
parte do valor também é gasto na acomodação e na manutenção das instalações,
que são em alguns casos de propriedade de municípios e são reformadas. “Algumas
vezes, esses locais são alugados para clientes privados. Outra parte do
dinheiro paga fornecedores, desde farmácias a mercados.” Este é um gasto
que fica largamente nos municípios, explica. Não apenas para quem vence os
contratos com o governo, mas para os municípios vizinhos. Há cerca de 400
municípios afetados diretamente pelos projetos de recepção do SPRAR.
Os acordos de
financiamento para a recepção de migrantes autorizam que os gerentes dos
centros estabeleçam com as prefeituras que os 35 euros diários cobrem: a compra
e o fornecimento de refeições, serviços, ‘trocados’ para os migrantes,
manutenção das instalações, e, em alguns casos, para a integração dos
migrantes.
É preciso haver três
refeições por dia com alimentos de alta qualidade e que respeitem as crenças
religiosas dos solicitantes de asilo. Os migrantes ainda recebem itens de
higiene pessoal, roupas, serviços de lavagem de roupas e assistência em casos
de famílias com crianças. “Além dos 2,5 para despesas diárias e a comida,
os migrantes não recebem nada mais do valor”, afirma Don Vinicio Albanesi, presidente
da Comunidade de Capodarco e da fundação Caritas in Veritate, que abriga
100 refugiados em um projeto de recepção em Fermo. “O resto do valor é gasto
localmente. Devemos garantir uma equipe adequada: com educadores, mediadores
culturais, um psicólogo e um cozinheiro. E isso significa empregos. A comida é
sempre comprada na área, assim como os remédios e as roupas.”
A recepção de migrantes
é positiva
Família de solicitantes de asilo afegã na ilha de Lesvos, na Grécia. Foto: UNHCR / G. Moutafis
Família de solicitantes de asilo afegã na ilha de Lesvos, na Grécia. Foto: UNHCR / G. Moutafis
Em Asti, a ONG Piam,
que tem lidado por anos com vítimas de tráfico humano e recebido solicitantes
de asilo e refugiados, até lançou uma campanha midiática intitulada “Recepção é Bom”, em tradução livre. “As regiões ganham
VAT (imposto sobre valor agregado) e a segurança social é melhor (com as
contribuições pagas aos empregados dos centros de recepção). Todos nos
beneficiamos. Uma boa recepção é mais saudável para todos, doenças são
prevenidas com um abrigo, comida e um chuveiro“, afirma um dos operadores
comerciais de um dos projetos do SPRAR.
“Parte dos fundos do
SPRAR devem ser usados com comunicação. Decidimos lançar uma campanha para
abordar os diversos ataques e clichês aos quais sofremos”, explica Alberto
Mossino, presidente da Piam, que lida com um projeto de recepção para 140 migrantes.
Segundo ele, havia muito descontentamento com os trabalhadores do setor. Era
preciso desmistificar algumas concepções. “Essa manhã, gastei 500 euros em
roupas para migrantes que chegaram ao nosso centro. Comprei esses itens em uma
loja aqui perto. Sempre compramos comida local e, quando precisamos,
contratamos locais”, explica.
Mossino lembra,
entretanto, que alguns centros de recepção se preocupam apenas com lucros, sem
seguir padrões mínimos de qualidade. Isso ainda é possível devido ao fraco controle
dos projetos. “Existem aqueles que entram nestas atividades apenas para lucrar,
porque neste momento existem lucros que estão atraindo muitas pessoas.”
Nota do editor: Politike
reconhece a lógica benéfica de que os repasses realizados pelo governo italiano
aos centros de recepção para migrantes e outras acomodações representam um
impulso na economia local, ao injetarem recursos extras nessas áreas. No
entanto, é preciso pontuar que a União Europeia possui diretriz específica sobre
os requisitos mínimos de qualidade e segurança que os centros de
recepção no bloco devem possuir. Cabe aos Estados Membros garantir o
cumprimento das mesmas. Logo, a “financeirização” ou “terceirização” dos
centros de recepção não pode resultar em violação do item que define
“padrões adequados de qualidade de vida” nessas instalações.
Este artigo foi
originalmente publicado na newsletter da ONG Rights in Exile Programme.
Este artigo foi editado
para se adequar aos padrões de tamanho do Politike.
http://politike.cartacapital.com.br/como-migrantes-impulsionam-a-economia-da-italia/