A desigualdade econômica
é perceptível em quase todos os países do mundo e até mesmo dentro de um mesmo
país. Por ser um tema pertinente e relevante em contextos políticos,
acadêmicos, sociais e econômicos, é importante que entendamos as suas causas.
Neste texto, portanto, abordaremos cinco
causas relacionadas à desigualdade econômica, com o objetivo de oferecer
uma visão ampla desse problema histórico e estrutural brasileiro
por
Yasmin Almeida
Lobato Morais * no politize! - Sociedade
e Luta Popular por Justiça no Brasil
Desigualdade no
Brasil, imagem na internet
O que é desigualdade econômica?
A desigualdade
econômica se caracteriza pela distribuição
desigual de renda em determinada região, sendo influenciada por fatores históricos, sociais e pela falta de investimento em políticas sociais.
Existem diversas formas de se medir a desigualdade social e
econômica de um país, através de indicadores usados como meio de
comparação entre países e regiões. Entre elas estão a renda per capita, ou seja, a soma de todos os salários
dividida pelo número de habitantes. Nesse caso, a medida será relativa a
contextos populacionais e geográficos e nem sempre será a melhor forma de
mensurar as desigualdades de um país, já que desconsidera diferentes classes
sociais. Existe também o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH),
que serve como um indicador geral de qualidade de vida, considerando fatores
como expectativa de vida ao nascer e o acesso à educação.
Além desses indicadores, o estatístico italiano,
Corrado Gini, desenvolveu, em 1912, o Coeficiente
de Gini, que se tornou o principal
indicador para medir desigualdade de renda. Para isso, o Coeficiente de
Gini relaciona a percentagem de pessoas com a percentagem de renda em
determinado país. O resultado em pontos percentuais é multiplicado por 100, e
resulta em uma escala de 0 a 1,
onde 0 corresponde à completa igualdade (todos recebem a mesma renda) e 1
corresponde à completa desigualdade (uma pessoa recebe toda a renda nacional).
Não existe nenhum país em absoluta igualdade ou absoluta desigualdade, embora a
distância entre os países mais desiguais e mais iguais seja bastante
significativa.
De acordo com as estimativas mais recentes do Banco
Mundial, os cinco países mais desiguais são a República do Congo, Botswana,
Haiti, Namíbia e África do Sul – exceto pelo Haiti, que fica na
América Central, os outros são países africanos. Em contraste, os países menos
desiguais são Ucrânia, Eslovênia, Noruega, República Eslovaca e República
Checa, todos países europeus.
Em 2016,
o Brasil apresentou um índice de 0.5130, que o classificou como décimo país
mais desigual do mundo e representou um acréscimo de 0,99% em relação a 2015.
Além disso, possui índices piores que o de países vizinhos, como Argentina,
Peru e Bolívia. Já em 2017, o índice de desigualdade de renda no Brasil
apresentou um crescimento acelerado, subindo 1,64% e mantendo a posição
brasileira no ranking mundial.
1. Heranças Coloniais
A herança colonial é um
fator comum em quase todos os países da América Latina e da África,
especialmente aqueles que foram colonizados por países como Portugal, Espanha,
Inglaterra e França. Para o propósito deste texto, vamos focar no Brasil. É
evidente que a formação da estrutura sociopolítica e econômica do nosso país
foi profundamente influenciada por uma estrutura colonial hierárquica,
centralizada e discriminatória, onde havia pouco interesse em distribuir
riquezas, dar direitos políticos à população local e incluí-la na administração
e consumo de produtos nativos. Durante o período de dominação portuguesa, a
maior parte da produção local brasileira era drenada pelo mecanismo de
circulação colonial, já que os preços dos produtos metropolitanos eram
altíssimos e mais de 90% da renda disponível era concentrada nas mãos dos
poucos proprietários de engenhos e plantações.
Os povos ibéricos (vindos de Portugal e Espanha),
pelos quais fomos colonizados, trouxeram um modelo de colonização marcado pelo
uso intensivo da mão-de-obra escrava e da estrutura latifundiária, que serviu
para consolidar um sistema econômico exclusivo, já que colocava grandes partes da
terra nativas nas mãos de poucos. As
raízes da nossa sociedade são, portanto, altamente desiguais.
Com o tempo e com sua independência, o Brasil
continuou a focar seus esforços econômicos na exportação. Quando as mesmas
estancaram devido a crises mundiais, o país
passou por um período ainda maior de aumento
da desigualdade. Enquanto países como a Inglaterra falavam de direitos individuais e formalmente
iguais, as populações livres eram marginalizadas no Brasil, por não terem sido devidamente amparadas após a abolição da
escravatura.
Após esse período, passamos por diversas oscilações econômicas, que também se
refletiram nos nossos níveis de desigualdade social e de
renda. Diversas políticas públicas
foram criadas ao longo da história com a intenção de, direta ou indiretamente,
reduzir as desigualdades econômicas. As políticas de transferência de
renda são um exemplo, bem como alguns programas de microfinanciamento,
capacitação profissional e acesso à educação.
Comparando o Brasil a outros países com profundas
desigualdades, percebemos várias similaridades. Assim como nós, todos os países com altas taxas de desigualdade econômica
(medidas pelo Coeficiente de Gini), foram colônias europeias. Além
disso, vale notar que a maioria dos países com altas taxas de desigualdades se
tornaram independentes nos últimos 60 anos. Com exceção do Haiti, que
conquistou sua independência da França em 1825, todos os países com as maiores
taxas de desigualdade econômica conquistaram sua independência entre 1960 e
1990. É evidente, portanto, que o
legado colonial também tem impacto indireto sobre países que herdaram um modelo
político e econômico centralizado, já que se torna mais difícil reverter
esse impacto quanto maior o tempo de colonialismo.
A desigualdade econômica
é um problema histórico, estrutural, e muito complexo.
Legados coloniais como a concentração de renda e de terras não serão resolvidos
com uma solução simples e imediatista. Um bom começo é reconhecer a gama de
causas e fatores por trás dos números apresentados por índices como o
Coeficiente de Gini. Além de ser
inflexível e de drenar os recursos nativos para o exterior, a estrutura
colonial também era patriarcal e racialmente discriminatória. Com isso, países
com altas taxas de desigualdade social e de renda também costumam ter grandes disparidades de
gênero e raça, como veremos a seguir.
2. Desigualdade de gênero
O segundo fator de correlação com desigualdade
econômica é a desigualdade de gênero.
O Fórum Mundial de Economia (World Economic Forum) afirma que a desigualdade de gênero influencia diretamente os índices de
desigualdade econômica em determinada região. O Fórum apresenta três
motivos: a desigualdade
salarial, já que quanto maior a desigualdade salarial entre homens e
mulheres, maior a desigualdade financeira na região; mulheres tendem a
trabalhar no setor informal, onde recebem menos que homens; e a desigualdade de
oportunidades entre gêneros, especialmente no acesso à saúde e educação, é
fortemente associada a desigualdade econômica.
Para chegar a tais conclusões, o Fórum estudou as
desigualdades econômicas em cerca de 140 países nas últimas duas décadas,
usando o Coeficiente de Desigualdade de Gênero das Nações Unidas (United Nations Gender Inequality Index),
que apresenta desigualdades de
gênero na representação política, no mercado de trabalho, no acesso
à educação, entre outros. O principal resultado apontado pelo Fórum é que um aumento de 0 a 1 nesse coeficiente
multidimensional corresponde a um aumento de quase 10 pontos no Coeficiente de
Gini.
Portanto, evidências mostram de que a equidade de gênero (definida
pelo Banco Mundial como igualdade perante à lei, à oportunidades e à liberdade
de expressão), bem como a maior
participação feminina no mercado de trabalho, favorecem os índices de
desenvolvimento e a redução de desigualdade econômica. O Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) afirmou, no Relatório do
Desenvolvimento Humano de 2016, que “não será possível alcançar o desenvolvimento humano se metade da
humanidade é ignorada. A
desigualdade de gênero e a falta do empoderamento das mulheres é um desafio ao
progresso global em todas as regiões e grupos”.
No Brasil, mesmo com conquistas como a
universalização da educação, mulheres ainda enfrentam desigualdades
estruturais. Conforme dados do IBGE, apesar das taxas de frequência escolar no ensino médio e superior serem
maiores entre mulheres, sua média salarial ainda é menor que a dos homens, além
de ocuparem menos
de 40% das posições de gerência e constituírem pouco mais de 10% na Câmara de
Deputados, enquanto compõem
50,6% da população brasileira.
3. Segregação racial
A segregação
de pessoas de acordo com sua raça e/ou etnia também caracteriza uma
causa estrutural da desigualdade econômica. Tal fato pode ser observado tanto
nível nacional quando local. A nível nacional, observamos a segregação racial em países
onde a mesma foi institucionalizada. A nível municipal, a observamos em espaços
urbanos onde existe uma segregação
racial territorial, que se apresenta pelo menos de duas formas: em
aglomerados populacionais (favelas) – onde há maior concentração de pessoas
negras – e no acesso desigual à espaços públicos e serviços, já que eles são
mais facilmente acessados pela população branca concentrada nos grandes
centros.
Esse exemplo é muito visível em países como a
África do Sul, que experimentou períodos de segregação racial
institucionalizada com o regime do Apartheid.
Tal regime propagou a separação racial entre 1948 e 1994 e deixou legados
contra os quais o país ainda luta. Hoje, a África do Sul
enfrenta um índice de desemprego de 25%, em que a
maioria dos desempregados são negros. Segundo um censo realizado em 2011, os cidadãos negros, que compõem quase 80% da
população total, ganham, em média, um sexto do salário dos cidadãos brancos.
No Brasil, essa situação também é notável, ainda
que a segregação não tenha tido amparo legal ao longo da história. Um exemplo visível de segregação racial no
Brasil, que também exemplifica sua relação com a desigualdade econômica, são os
espaços urbanos. O sociólogo Danilo França pesquisou o problema usando
como referência a cidade de São Paulo e chegou à conclusão de que a segregação
pode ser observada no acesso a recursos, ao mercado de trabalho, a serviços
públicos e a equipamentos culturais e de consumo. De acordo com ele, os grupos
concentrados em periferias possuem menos acesso a recursos importantes para o
seu desenvolvimento, que se concentram em bairros centrais. De forma similar, a
geógrafa e pesquisadora Luciana Maria da Cruz afirmou que, pelo fato de a história do Brasil ser marcada pela
concentração de riquezas, a desigualdade socioespacial se tornou uma
consequência, e a raça, um fator vinculado a isso. Na medida em que os
espaços públicos perdem sua coletividade, conjuntos habitacionais passam a ser
ocupados por pessoas de classes econômicas altas e as regiões centrais são
supervalorizadas, e assim alguns grupos tendem a se isolar, criando ainda mais desigualdade econômica e
social.
Para diminuir a desigualdade de renda é necessário
resolver problemas como a segregação racial e a desigualdade de gênero, e para
isso, é preciso que o poder público, o
poder privado e a sociedade de civil façam a sua parte. Precisamos de políticas públicas que incentivem planejamentos urbanos que
favorecem a “mescla social”, de empresas que percebam as vantagens em
trabalhar-se com equipes de gênero e
raça diversas e de uma sociedade disposta a quebrar preconceitos.
4. Localização geográfica e comércio exterior
Desde o período colonial, a localização geográfica serviu para posicionar os países dentro do
sistema de comércio internacional. Alguns internacionalistas e
economistas contemporâneos argumentam que o isolacionismo geográfico – ou seja, ficar longe dos oceanos, mares e
portos – pode ser a principal explicação para falta de desenvolvimento em
alguns países africanos, como o Lesoto e a República Democrática do
Congo, já que dificulta a integração econômica.
Aliado a isso, países que constroem conexões com a economia global possuem benefícios
que vão além da troca de mercadorias. Finanças, turistas, estudantes e
recursos de comunicação também atravessam fronteiras. Pesquisas mostram que
países que estão conectados com essa rede global podem acrescentar até 40% a
mais no seu Produto Interno Bruno (PIB).
No entanto, para que sirva para diminuir a desigualdade econômica, essa
integração deve ser aliada a políticas
públicas domésticas que fortaleçam a distribuição de renda e o acesso a
oportunidades.
No Brasil, por exemplo,
os benefícios do comércio exterior não são distribuídos igualmente em todo
território brasileiro. Estados com maior porcentagem de exportações possuem
maior porcentagem do PIB, conforme uma pesquisa realizada por Marie Daumal.
Estados mais pobres, como Piauí, Acre, Rio Grande do Norte e Alagoas, por
exemplo, ganham muito pouco com a abertura econômica. Guilhermo Perry, um
economista do Banco Mundial, explicou que essas desigualdades regionais têm relação com o desequilíbrio do mercado de
trabalho. Quando o Brasil passou a se integrar com o comércio
internacional, a demanda de trabalho para desenvolver indústrias aumentou.
Porém, a maioria dos trabalhadores, especialmente em regiões mais pobres, não
tinha as habilidades necessárias para essa nova configuração do mercado, e
acabaram recorrendo ao trabalho informal. No mundo globalizado em que vivemos hoje, o comércio internacional
impacta diretamente a empregabilidade dos trabalhadores e, com isso, os níveis
de desigualdade econômica entre países e dentro de um mesmo país.
Para que um país
participe do sistema internacional e não seja prejudicado pelo isolamento
geográfico e econômico e nem pelo aumento em desigualdades econômicas internas,
é preciso que a política econômica internacional seja aliada a políticas
internas, como redistribuição de renda, profissionalização e, é claro, educação.
5. Acesso à Educação
O acesso à educação
é um fator decisivo no nível de desigualdade social e econômica de um país. A falta de
escolarização
de algumas classes sociais é apontada por diversos estudos como uma das
principais causas da pobreza e da desigualdade de renda. Ao mesmo tempo, o acesso a educação é visto como a solução
para reduzir tais desigualdades.
Como percebemos, o problema da desigualdade
econômica é estrutural e tem múltiplas faces, com suas raízes na formação social e histórica do Brasil. Conforme os mercados de trabalho se
modernizaram e se tornaram mais competitivos, o acesso à educação se
tornou requisito para que se tenha uma boa renda e para que se possa responder
às demandas do mercado.
Expandir o acesso à
educação gera crescimento econômico e ajuda a quebrar os ciclos de pobreza
generacional, que acontece quando a condição de pobreza permanece
em uma determinada família por mais de duas gerações. Estudos conduzidos pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI) apontam que o impacto de políticas públicas que focam na expansão do acesso à
educação contribuem para redução das desigualdades de renda, especialmente em
países em desenvolvimento como o Brasil.
Entre os anos de 1990 e 2005, as desigualdades de
renda variaram significativamente em diferentes regiões. Em geral, reduções nas desigualdades no acesso à
educação causaram reduções nas desigualdades de renda, especialmente em economias
emergentes e em desenvolvimento. Da mesma forma, projeções realizadas em
pesquisas do FMI confirmaram que a expansão do acesso à educação continuará a
ter esse mesmo efeito.
Ao
comparar os resultados do PISA (Programme for International Student Assessment),
o teste que classifica a retenção acadêmica de estudantes no mundo todo em
matemática, ciência e leitura, com os Coeficientes de Gini das nações,
percebemos que os países com maiores notas nos testes do PISA também são aqueles com
menores índices de desigualdade econômica. Os mapas abaixo mostram a
classificação mundial por Coeficiente de Gini (mapa 1) e por notas no PISA
(mapa 2), respectivamente.
Mapa: Coeficiente de Gini
Mapa: PISA
Em ambos
os mapas, os países em vermelho são aqueles que obtiveram os piores
desempenhos, ou seja, os maiores índices de desigualdade e as menores notas no
PISA. Em geral, países Latino-Americanos, por exemplo, possuem altas taxas de
desigualdade e também baixo desempenho escolar, enquanto países do norte
europeu, por exemplo, possuem baixo índice de desigualdades e altas notas no
PISA.
Essa
relação não é sempre linear e depende de vários outros fatores, mas nos ajuda a
entender a forma que baixos investimentos em políticas educacionais podem levar um país a um maior
abismo entre ricos e pobres, uma vez que a educação é uma condição para
adentrar o mercado de trabalho e se manter nele.
Para concluir…
Após
mostrar 5 causas que influenciam diretamente a desigualdade econômica de um país
– e mostrar as formas de mensurá-la -, podemos concluir que,
assim como as causas da desigualdade econômica são diversas, as soluções para
tais problemas também são. Ao decorrer do tempo, oscilando entre períodos de
isolacionismo e cooperação, a comunidade internacional encontrou diversas
formas de se “combater a pobreza mundial”. Entre sucessos e fracassos, uma
lição importante é que a desigualdade tem características particulares em cada
região, e que conhecimento profundo e especializado é essencial para que se
possa discutir soluções para esse problema global.
Conseguiu
entender o que é desigualdade social e quais as suas 5 causas? Deixe suas
dúvidas e sugestões nos comentários abaixo!
*Yasmin Almeida Lobato Morais: redatora
voluntária do Politize!, é bacharelanda em Relações
Internacionais e Ciências Políticas na Universidade de Boston, co-fundadora e
diretora da RefEd Initiative, embaixadora jovem do Brasil no International Youth Committee, voluntária
do Movimento Acredito
e escritora de poesias, com dois livros publicados.
https://www.politize.com.br/desigualdade-economica-5-causas/