O artigo que remete a Napoleão Bonaparte, disputas entre as igrejas
ocidental e ortodoxa, envolvimento dos países da ex-cortina de ferro,
guerra fria, disputa na mídia de massa entre EUA e Rússia, envolvimento
da Alemanha e alguns países europeus e da ex-Iugoslávia na disputa
geopolítica global, juntando os muitos fragmentos da história recente e
passada, de uma humanidade que dia-a-dia perde o seu rumo, com a técnica
superando a espiritualidade, e conduzindo a um mundo inamaginado do ser
que se diz humano, mas que perdeu seu rumo pela desumanização.
por FREDERICO FÜLLGRAF para site GGN - Sociedade e Disputa de informação entre EUA e Rússia
Enquanto
a imaginação do leitor se introduz no vasto
território virtual indicado pelo título, nas primeiras semanas de 2017,
aproximadamente 3.000 blindados e 4.000 soldados norte-americanos,
transportados até Zagan, em terras polonesas, foram colocados em regime de
prontidão junto às fronteiras da Polônia e dos países bálticos – Lituânia, Estônia e
Letônia – com a Rússia, enquanto outra divisão se deslocou à Romênia, vizinha da
Ucrânia. Iniciada antes do Natal de 2016, com o descarregamento de aparatoso arsenal no porto
alemão de Bremerhaven e seu translado para 900 trens, que somaram 10 quilômetros de extensão,
nas palavras do brigadeiro Timothy Ray, chefe do comando militar norte-americano na Europa (Eucom),
a operação "Atlantic Resolve" (“Determinação Atlântica”)
território virtual indicado pelo título, nas primeiras semanas de 2017,
aproximadamente 3.000 blindados e 4.000 soldados norte-americanos,
transportados até Zagan, em terras polonesas, foram colocados em regime de
prontidão junto às fronteiras da Polônia e dos países bálticos – Lituânia, Estônia e
Letônia – com a Rússia, enquanto outra divisão se deslocou à Romênia, vizinha da
Ucrânia. Iniciada antes do Natal de 2016, com o descarregamento de aparatoso arsenal no porto
alemão de Bremerhaven e seu translado para 900 trens, que somaram 10 quilômetros de extensão,
nas palavras do brigadeiro Timothy Ray, chefe do comando militar norte-americano na Europa (Eucom),
a operação "Atlantic Resolve" (“Determinação Atlântica”)
tem por objetivo “repelir
agressões russas, reafirmar a integridade territorial dos países
da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte – NATO, no acrônimo inglês)”, e – pasme-se - “estabilizar a paz na Europa”.
da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte – NATO, no acrônimo inglês)”, e – pasme-se - “estabilizar a paz na Europa”.
Ao
ler a declaração beligerante do militar norte-americano, a primeira
indagação do leitor desavisado é: por acaso perdi essa notícia? Quê país
europeu foi ameaçado, bombardeado ou invadido pelas tropas de Wladimir
Wladimirowitsch Putin?
Resposta correta: nenhum.
Eis, pois, um case da guerra midiática em curso, na qual fake news – pseudo-notícias - são disparadas como projéteis da contra-informação.
Destoando
do discurso de voz única da OTAN, em junho de 2016, o socialdemocrata
Frank Walter Steinmeier - ministro de Relações Exteriores no governo
Angela Merkel e negociador da paz ucraniana, decepcionado com as
manobras de Kiev - antecipara-se à encenação da “Atlantic Resolve”,
advertindo : “O menos recomendável neste momento é jogar gasolina na
fogueira com a ostentação de armas e brados de guerra... A História
ensina que, além da garantia da defesa recíproca, deve haver
predisposição ao diálogo e à cooperação... Seria de muito bom alvitre
não criar pretextos, com a entrega a domicílio de uma nova, antiga
confrontação.”
A fraude americana do escudo anti-mísseis
A
operação "Atlantic Resolve" foi decidida na última cúpula da OTAN, no
verão de 2016, em Varsóvia, após John Kirby, porta-voz do State
Department de Barack Obama, acusar a Rússia de “desestabilizar a
segurança da Europa”, ao posicionar em Kaliningrado, portanto em seu
próprio território, o sistema anti-mísseis S-400 Iskander.
Porém,
na cúpula, os EUA tiraram o coelho da cartola: não fariam apenas uma
fugaz manobra, mas posicionariam, em caráter definitivo, uma brigada de
blindados, com pelos menos 4.000 combatentes, no Leste Europeu.
A
resposta russa a Kirby apenas reiterou o óbvio: “A Rússa tem o direito
soberano de adotar as medidas que considere necessárias em toda a
extensão de seu território”. advertiu Dmitry Peskov, porta-voz do
Kremlin. E Viktor Ozerov, coordenador do comitê de defesa do Senado
russo, foi ao ponto: o Iskander é uma réplica ao controvertido “escudo
anti-mísseis” dos EUA (US Missile Shield in Europe) .
Seu primeiro estágio entrou em operação em Deveselu, na Romênia, em
maio de 2016, o segundo iniciará suas operações na Polônia, em 2018.
Mas,
afinal, o que é o “escudo anti-mísseis” dos EUA? Na verdade, trata-se
de um velho projeto da administração George W. Bush, reciclado de modo
oportunista por Barack Obama.
A
justificativa do Pentágono para sua instalação não poderia ser mais
risivel: “defender a Europa de mísseis da Coreia do Norte e do Irã” -
pretexto já questionado em 2013 por peritagens secretas das próprias
FFAA norte-americanas, às quais teve acesso o semanário alemão Der
Spiegel (“Geheimstudien stellen Raketenabwehrschirm in Frage”,
09/02/2013)
A
evasiva esgrimida para o “escudo” é grotesca por vários motivos. Em
primeiro lugar e propaganda norte-coreana à parte, Coreia do Norte e Irã
estão muito longe da posse de tal poder de fogo. Ademais, não têm
inimigos, nem motivos para atacar quem quer que seja na Europa.
Finalmente, se os EUA tecem a teoria conspirativa de servirem, eles
mesmos, como alvo, é óbvio que um hipotético lançamento de um míssil
norte-coreano, via Europa Ocidental, contradiria as leis elementares da
balística.
Para bom entendedor, atrás dos panos, dois pretextos municiam os movimentos da OTAN, sob o comando do Pentágono.
O
primeiro opõe-se à retomada pela Rússia de seu poderio militar, o que
lhe custou a estigmatização de “novo, velho adversário”. Aos olhos da
OTAN, a Rússia de Putin é um “renegado” que não aderiu à “primavera
árabe”, ao bombardeio da Líbia, que rechaçou o golpe de 2014 na Ucrânia,
e ousa apoiar militarmente o movimento separatista do Donbass.
O
segundo é uma “revanche” à secessão da Crimeia. Seu pano de fundo é a
não aceitação da adesão da península à Federação Russa, definida pelos
EUA e seus aliados como “anexação mediante violação do Direito
Internacional”. Neste quesito, a hipocrisia volta a ser empregada como
arma venal, mas fútil, na guerra da informação. Por acaso, as invasões
do Afeganistão, do Iraque, o financiamento e treinamento da Al Qaeda e
do “Estado Islâmico” na Síria, e o assassinato de milhares de pessoas
pelos “Obama-drones” (4.404 vítimas civis até 2014, segundo o Bureau of
Investigative Journalism) respeitaram o “Direito Internacional”?
As forças-tarefa midiáticas da União Europeia
Mal Steinmeier assim se pronunciara em entrevista ao tabloide marrom BILD, e
foi maldito por furiosa campanha midiática, Alemanha e Europa afora, na
qual não faltaram eufemismos para acusá-lo de “traidor”.
Entrara em cena a confraria dos “atlantistas” e da recém-constituída “Taskforce Stratcom East”.
Os “atlantistas” integram o mais antigo lobby pró-americano na Alemanha, conhecido como “Atlantik-Brücke” – a “Ponte Atlântica”.
Fundada
em 1952, como “sociedade privada, suprapartidária e beneficiente”, seu
objetivo é estender “pontes” financeiro-econômicas, educativas e de
política militar entre a potência vencedora EUA e a Alemanha, perdedora
da Segunda Guerra Mundial. No seu plantel de associados conta-se
aproximadamente 500 nomes de alto coturno da elite civil e militar
transatlântica. Com nova sede em Berlim, é do conhecimento público que a
“Ponte Atlântica” opera como o mais influente think tank do
planejamento das relações teuto-americanas. Ali bebericam, contam
piadinhas e dão-se tapinhas nos ombros, executivos dos principais
bancos, das corporações multinacionais, dos partidos políticos, dos
grandes centros de pesquisa científica, lobistas e maketeiros, ladeados
em suas rodas pelos serviços de inteligência e uma notável falange de
editores sênior das principais mídias alemãs. Uma pletora
ideologicamente transversal, que vai da BILD, com seu sensacionalismo
marrom, pela ultra-conservadora Frankfurter Allgemeine, até a socialdemocrata-liberal Der Spiegel.
Pois,
desde que Wladimir Putin resolveu frear o desmonte da Economia russa
por uma confraria de inescrupulosos operadores neoliberais, nacionais e
internacionais, modernizar as sucateadas FFAA do período soviético, e
reconduzir a nova Rússia ao cenário mundial como global player, a
metralhadora giratória da “Ponte Atlântica” escolheu a Rússia e seu
mandatário como alvos prediletos. São 90 diretores e editores-chefe, 13
dos quais em posições de comando das duas maiores redes de Rádio e TV da
Alemanha.
Consumado
o Euromaidán - o golpe de Estado de fevereiro de 2014, com mais de 100
mortos na Ucrânia - em agosto de 2014 a rede ARD, de rádio e TV,
realizou uma pesquisa indutiva, perguntando, quem fora o responsável
pela escalada da violência em Kiev. Segundo a pesquisa, 80% dos alemães
apontaram a Rússia e 70% saudaram as sanções contra o governo Putin –
uma guinada de 180 graus na simpatia pró-Rússia em menos de cinco meses.
Já oito meses depois, em abril de 2015, em nova pesquisa, desta vez da
rede concorrente, ZDF, 55% dos consultados criticaran a exclusão da
Rússia das reuniões do G-7 + 1 (EUA, Alemanha, Japão, Itália,
Grã-Bretanha, França e Canadá + Rússia).
Porém,
à medida que a cobertura das disputas geopolíticas com a Rússia se
deslocaram da Europa para o campo de batalha na Síria - sobretudo após a
série de atentados terroristas na França e na Alemanha - e a percepção
de que os êxitos no combate ao terrorismo salafista não eram mérito de
Barack Obama, mas de Wladimir Putin, a rejeição à Rússia e seu
presidente voltou a recuar.
Com
êxito sofrível, no final de 2016, a “ponte” instalada nos principais
veículos de comunicação recebeu reforços da "Força Tarefa Rússia",
criada pela União Europeia (UE) para contrarrestar o que definiu como
“propaganda” e “mentiras” na cobertura de veículos russos, em particular
sobre a crise na Ucrânia.
Alarmada com altos índices de rating da
mídia russa nos países do Báltico, nos quais até 25% dos habitantes
entendem e falam o Russo, cabe à nova força-tarefa observar e filtrar a
mídia russa, com a especial missão de “impor valores da UE”, mediante a
produção de conteúdo para TV, por enquanto em Alemão, Espanhol e Inglês.
Um milênio de russofobia
A
confrontação referida por Steinmeier remonta à primeira guerra-fria,
iniciada logo após a vitória aliada sobre a Alemanha, em 1945, mas a
rachadura na porcelana é muito mais antiga e profunda. Analistas russos
como Dmitri Michejew definem-na como o discurso da superioridade anglo-saxônica, que já beirou o racismo.
“Russos
brutos, subdesenvolvidos, de segunda categoría – bárbaros!”, são juízos
de valor emitidos no clássico francês “La Russie en 1839“ (traduzido
para vários idiomas com o entrevado título “Sombras da Rússia”), de
autoria de Astolphe-Louis-Léonor (nome-de-guerre:
Marquês de Custine), aristocrata e viajante francês, eivado de
preconceitos e prepotência, que vinte e seis anos após a desastrosa
“Campanha da Rússia” de 1812-13, de seu conterrâneo Napoleão Bonaparte,
não resistiu à curiosidade, resolvendo conhecer de perto os vencedores
da grande armée. É verdade que o
gélido inverno foi o grande marechal-de-campo russo, mas aguardá-lo
para investir contra os franceses, foi astúcia habilmente maquinada
pelas mentes “bárbaras”.
Após sua publicação, em 1843, o livro tornou-se um must read da
intelectualidade ocidental, deleitada com pérolas como “eles [os
russos] desconhecem o gênio da criação, nem o entusiasmo que tudo cria o
que é grandioso. Jamais conseguirão galgar as cúspides da genialidade”.
Ao
longo de 150 anos, o livro sofreu muitas reedições sutilmente
sincronizadas com importantes eventos políticos envolvendo a Rússia,
como o início da guerra-fria ou a perestroika de
Michail Gobatschow. A mais recente foi em 2014, no auge da campanha de
ódio à Rússia, desencadeada pela extrema-direita da Ucrânia.
Entre
os ardentes reverenciadores de Custine, como “expert em assuntos
russos”, figura Zbigniew Brzezinski, ex-assessor de segurança nacional
do presidente Jimmy Carter, autor de “The Grand Chessboard: American Primacy and Its Geostrategic Imperatives -
O Grande Tabuleiro de Xadrez: Primazia Americana e os seus Imperativos
Geoestratégicos” (1993) – e estrategista da doutrina “Encircling Russia,
Targeting China – cercar a Rússia e mirar na China,”, desenvolvida como
reação à implosão da URSS e do sistema bipolar de poder mundial, e que
reivindica a ascensão dos EUA ao postp de “primeira, efetivamente única e
última potência mundial” (sic!).
Brzezinski
chegou a recomendar o livro, emitindo duvidoso juízo de valor: “Nem um
único sovietólogo conseguiu acrescentar qualquer coisa às observações de
Custine sobre o caráter russo e a natureza bizantina de seu sistema
político”.
Quem
não sabe do centenário ódio visceral da maioria dos poloneses aos
russos em geral, tomará a frase de Brzezinski pelo valor de face.
Nascido em Varsóvia, em 1928, como filho de um diplomata polonês nomeado
para um posto no Canadá, em 1938, Brzezinski assistiu à Segunda Guerra,
por assim dizer, de binóculos, mas com as lentes do nacionalismo polaco
(profundamente humilhado com a divisão da Polônia por Hitler e Stalin) e
do anticomunismo norte-americano. Em 1953 emigrou aos EUA, cuja
cidadania adotou em 1958, seguida por meteórica carreira acadêmica em
Harvard e como assistente do extinto Russian Research Center.
Em sentido oposto, em seu livro recentemente lançado, “Feindbild Russland: Geschichte einer Dämonisierung” (Rússia
bicho-papão: História de uma demonização), o historiador austríaco
Hannes Hofbauer seguiu as pistas do preconceito anti-russo até o séc.
XVI, ressaltando que “a primeria onda de russofobia foi desencadeada na
Universidade de Cracóvia, atual Polônia, pelo filósofo Johannes von
Glogau, criador do estigma do ´russo asiático e bárbaro´”; estereótipo
que teimosamente persistiu até os dias atuais.
Alexandr
Zinoviev, escritor e filósofo russo, que se auto-exilou na Alemanha
durante as eras Kruchev, Brejnev e Gorbachov, sentiu na própria pele o
preconceito ocidental: “No Ocidente sempre se temeu a etnia russa. E não
por motivos militares ou de competição econômica e, sim, por causa do
medo, de que os russos eram e continuam sendo adversários do Ocidente. A
isso somou-se seu o temor do imenso potencial criativo russo. Do que
mais tinham medo era de que a cultura russa alcançasse o Ocidente. Falo
por experiência própria. Não fosse russo e as portas de todas as
universidades estariam abertas para mim, todas as editoras ofereceriam
publicar meus livros. No começo, tive sorte, e por acaso me tornei
relativamente famoso. Porque achavam que eu era dissidente, mas quando
descobriram que eu era russo e não era dissidente, subitamente começaram
a me temer...”.
Guy Mettan, cientista político suíço e membro da Câmara de Comércio Russo-Suíça, fez penetração mais profunda no túnel do tempo.
Em seu livro Russie-Occident, une guerre de mille ans: La russophobie -
editado na Suíça, Rússia e Itália, com previsão de lançamento em 2017,
nos EUA - Mettan insiste que “a russofobia se inicia com divergências
políticas e institucionais entre o Império Romano do Ocidente, fundado
por Carlos Magno em 800 d.C., e o Império Bizantino de Constantinopla,
quer dizer entre as Igrejas Católica e Ortodoxa".
No livro, Mettan voltou a tematizar uma célebre fake news francesa, que serviu de pretexto para a invasão da Rússia por Napoleão. Trata-se do falso "Testamento de Pedro, o Grande", urdido pelo gabinete secreto de Luís XV, no qual o czar, como último desejo, teria legado a seus sucessores a missão de conquistar toda a Europa. Segundo o suíco, o documento foi usado em 1853 pelos ingleses, para provar as intenções imperialistas da Rússia na Guerra da Crimeia (1853-1856), que cobrou 700.000 vítimas. Algumas décadas mais tarde, foi admitida a falsidade do testamento, mas ao preço de prolongado surto de russofobia na França e na Inglaterra.
No livro, Mettan voltou a tematizar uma célebre fake news francesa, que serviu de pretexto para a invasão da Rússia por Napoleão. Trata-se do falso "Testamento de Pedro, o Grande", urdido pelo gabinete secreto de Luís XV, no qual o czar, como último desejo, teria legado a seus sucessores a missão de conquistar toda a Europa. Segundo o suíco, o documento foi usado em 1853 pelos ingleses, para provar as intenções imperialistas da Rússia na Guerra da Crimeia (1853-1856), que cobrou 700.000 vítimas. Algumas décadas mais tarde, foi admitida a falsidade do testamento, mas ao preço de prolongado surto de russofobia na França e na Inglaterra.
O vendaval “Russia Today”
“Quebrar
a hegemonia do discurso anglosaxão” foi a frase que alguns
comentaristas ocidentais colocaram na boca de Wladimir Putin, que em
2005 resolveu colocar no ar um canal de TV internacional para
contrabalançar a coletânea de estigmas anti-russos.
Seis
anos depois, em março de 2011, a então secretária de Estado, Hillary
Clinton, fazia uma surpreendente advertência ao comitê de Prioridades de
Política Exterior do governo Barack Obama, dizendo: ”os EUA estão
perdendo uma guerra da informação”.
Foi
a primeira vez que uma “guerra da informação” era admitida pelos EUA,
referindo-se, sobretudo, aos canais estatais Russia Today e Al Jazeera
(“A Península”) do Qatar.
Incisiva,
Clinton cobrou mais investimentos em propaganda para contrarrestar a
penetração dos canais russo e qatari através de plataformas domésticas
que há vários anos desafiam os grandes grupos midiáticos
norte-americanos, tais como Alex Jones Infowars, Max Keiser, Paul Craig
Roberts e The Young Turks.
Que
na tal “guerra da informação”, de uma hora para outra, bombas podem
substituir eufemismos, ilustra o ódio pessoal de George W. Bush contra o
cobertura independente da invasão do Iraque.pelo canal Al Jazeera,
pertencente ao seu aliado Qatar.
Em
abril de 2003, a aviação dos EUA bombardeou o escritório do canal em
Bagdá,matando três jornalistas e ferindo gravemente vários outros. Um
crime de guerra escancarado, ao qual os EUA cinicamente deram de ombros.
Um ano mais tarde, segundo documentação do Mirror britânico
(“EXCLUSIVE: BUSH PLOT TO BOMB HIS ARAB ALLY- Madness of war memo,
22.11.2005), Bush Jr. estava decidido a bombardear a sede mundial do Al
Jazeera, em Doha. O ataque demencial foi impedido graças à persuasão de
Tony Blair, durante uma reunião ocorrida em 2004.
No
Iraque, perplexa como o resto do mundo, a Rússia assistira a uma das
mais pérfidas mentiras históricas como pretexto para a invasão do país
árabe e o assassinato de seu presidente: as tais “armas de extermínio em
massa”, que Sadam Hussein jamais possuíra. A tonitruante e avassaladora
campanha orquestrada pelas mídias mainstream ocidentais, ao adotarem a
mentira do Pentágno e seus aliados, convenceu a Rússia, mal
restabelecida do ataque predador à sua Economia que, alternando com
morteiros e mísseis, o Ocidente travava também uma guerra das palavras e
das imagens.
Tendo como embrião a agência de noticias RIA Novosti, em dezembro de 2005, na primeira gestão presidencial de Wladimir Putin,
a Rússia decide transmitir - via satélite e para recepção à cabo – seu
primeiro serviço em inglês, a TV-Novosti, definida como empresa autônoma
sem finalidade de lucro, veiculadora do conceito “Russia Today”, mais
conhecida pelo acrônimo RT.
A
expansão foi passo a passo. Em 2007, foi ao ar seu programa em árabe,
Rusia Al-Yaum. Em 2009, lançou RT Actualidad, seu serviço em espanhol.
Após a inauguração em Washington dos estúdios de RT America, em 2010,
quatro anos mais tarde passaram a operar os serviços de RT Deutsch, em
Berlim, e RT UK, em Londres. Em 2014, penúltimo ano do governo de
Cristina Kirchner, a presidente argentina inaugurava em festiva
teleconferência com Wladimir Putin, o sinal do RT na grade de
programação da TV estatal da Argentina, onde, apesar de uma primeira
tentativa de exclusão, persiste sob o governo Mauricio Macri.
O
serviço alemão, RT Deutsch, revela estratégia perspicaz: em vez de
vultosos investimentos em estúdios e transporte de dados via cabo, a RT
resolveu apostar na Internet. Russia Today é o campeão de acessos no
YouTube, conseguindo a proeza, em 2013, de um 1,0 bilhão de visitas.
Recorde estrondosamente superado em 2016, com 4,0 bilhões de visitas,
segundo estatística da própria RT, somando, de modo combinado, mais do
que o dobro dos acessos ao canal Youtube da concorrente CNN, ao triplo
da Euronews e sete vezes ao da BBC.
Três
anos depois, quem ecoou a chamada de Clinton foi a BBC. Peter Horrocks,
antigo diretor do BBC World Service, desabafou: a emissora estaria
sendo “tirada do páreo pelos orçamentos dos canais estatais da Rússia e
da China”. E outra vez fez-se ouvir a frase “estamos perdendo a guerra
da informação”. Ato contínuo, em 2015 a BBC World Service anunciou o
maior aumento orçamentário desde a década de 1940: 721 milhões de
dólares, contra aproximadamente 300 milhões de dólares anuais da RT, que
cobrem despesas com instalações e salários de 2.500 funcionários e
free-lancers distribuídos mundo afora.
O contraponto russo
Comentando
o êxito do RT, Hillary Clinton advertia: “Você pode não concordar com o
que transmite, mas você tem a sensação de estar recebendo notícias
reais 24 horas ao dia, ao invés da enxurrada de milhões de comerciais e
brigas entre cabeças falantes e essas coisas que se vê em nossos
noticiários, que não são particularmente informativos”.
Clinton
sabia que a audiência da mídia doméstica diminuía e, inversamente,
aumentava a cobertura crítica à atuação internacional da auto-declarada
super-potência. Desde sua entrada em cena, em 2010, a sintonia do RT nas
maiores cidades norte-americanas - de San Francisco por Chicago a
Washington e Nova York - supera a de suas concorrentes internacionais.
Por exemplo, para cada espectador do canal alemão Deutsche Welle World,
há 13 sintonizados no canal russo. Na Grâ-Bretanha, 2,0 milhões de
espectadores estão habitualmente ligados no RT, número jamais alcançado
por outros canais internacionais no país.
Margarita Simonyan
Escolhida
pessoalmente por Putin, foi Margarita Simonyan - descendente de
refugiados do genocídio armênio, perpetrado pela Turquia entre 1915 e
1923 – quem moldou a grade de programação do canal. Com a missão de
jamais permitir a repetição da derrota sofrida pela Rüssia à mentirosa
narrativa da mídia ocidental sobre a guerra com a Geórgia, em 2008,
Simonyan entendeu que o RT deveria ser fomatado como tela para capturar
corações e mentes, insatisfeitos com os monopólios midiáticos
ocidentais, mas abrindo espaço para alguns de seus rostos celebrizados.
Por exemplo, contratando ou associandos-se a profissionais americanos de
renome, como o showmaster Larry King, cujos programas “Larry King Now” e
“Politicking with Larry King” - produzidos por sua produtora Ora TV, em
sociedade com Carlos Slim, dono da Claro e dos três homens mais ricos
do planeta – o RT retransmite em sua grade inglesa.
O
anti-americanismo da emissora não é avant la lettre, mas construído com
bem humoradas provocações e ironias, farta publicidade de moderno
armamento russo, além de historietas com sex appeal e “causos”
exotéricos de gosto duvidoso, sobretudo no serviço online de RT Español.
Sua contribuição ao jornalismo sério é discutível, mas compreensível
como tentativa de ampliar a audiência, o que o RT conseguiu com folga,
sintonizado em 38 países, com público semanal estinado em 700 milhões,
segundo dados da própria emissora.
Consideração finais: Putin e o cerco militar da Rússia
Herdeira
da hostilidade histórica contra a Rússia, a beligerância midiática da
OTAN é uma espiral iniciada nos primeiros anos do novo milênio e se
intensifica com a “primavera árabe” e o conflito na Ucrânia.
Sua adversidade diriige-se contra os seguintes movimentos da Federação Russa, robustecida sob a presidência de Wladimir Putin:
● Reafirmação
do Projeto Nacional russo, com a neutralização das forças neoliberais
na Economia, fortalecimento do Estado, modernização das FFAA, e ofensiva
diplomática em escala global;
● Rejeição da intervenção na Líbia, em 2011, e denúncia da “primavera árabe”;
● Ofensiva contra o fascismo na Ucrânia e apoio militar ao movimentio sessecionista no Donbass;
● Reincorporação da Crimeia;
● Criação dos BRICS - China entrando com seus bancos, a Rússia com a estratégia;
● Aliança politica com os governos de centro-esquerda da América Latina; e
● Bloqueio do plano internacional em fatiar a Síria, entrada na guerra, combate duro ao terrorismo e reversão do xadrez militar.
Todavia, do ponto de vista russo, muito antes desses eventos, a OTAN traiu sua palavra.
Em
um memorando de de fevereiro de 1990, mantido em segredo até 2009, o
recentemente falecido e então chanceler da Alemanha, Hans-Dietrich
Genscher, disse textualmente ao seu colega soviético, Eduard
Schewardnase, “tenhamos consciência de que a filiação de uma Alemanha
unificada à OTAN levanta questões complicadas. Apesar disso, para nós
[Alemanha] uma coisa é certa: a OTAN não se expandirá em sentido leste”.
Confirmando
a promessa de Genscher, em 9 de fevereiro de 1990, o então chanceler
dos EUA, James Baker, deleitou os ouvidos russos na Sala Catarina do
Kremlin, dizendo, “a aliança [OTAN] não expandirá nem uma polegada da
sua esfera de influência em sentido leste, caso os soviéticos apoiem a
filiação de uma Alemanha unificada na OTAN” .
Michail
Gorbatschow, que aceitara a queda do Muro de Berlim e a unificação da
Alemanha, respondeu, taxativo: “Toda expansão da OTAN certamente seria
inaceitável”
Os
russos acreditaram em Genscher e Baker, mas as promessas jamais foram
vertidas em contrato, e no decorrer dos últimos vinte anos se fizeram
palavras ao vento.
Eis por que.
Já
na cúpula da OTAN de 1997, em Madrí, países do ex-Pacto de Varsóvia,
como a Polônia, a República Checa e a Hungria, eram convidadas para
aderir à OTAN, o que fizeram em março de 1999.
Cinco
anos depois, em março de 2004, sete ex-membros do Pacto de Varsóvia –
Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Romênia, Eslováquia e Eslovênia –
aderiam à OTAN, deslocando enorme contingente militar para as fronteiras
russas.
Em
abril de 2008, seduzidas pelos EUA e a União Europeia, Albânia e
Croácia aderiam à OTAN, seguidas pela Macedônia e Montenegro,
ex-integrantes da Iugoslávia, destruída pela OTAN em meados da década de
1990.
Para
não deixar espaços em branco no mapa geopolítico, e completar o cerco
europeu à Rússia, em 2008, a Bósnia e a Hercegovina iniciaram a
negociação de sua adesão, que se completou em 2010, com exigências de
“democratização” por parte da OTAN.
Declarando
sua neutralidade militar, a Sérvia foi coagida a assinar um protocolo
de “parceria” com a OTAN, mediante ativa participação em operações
internacionais; pressão igualmente usada para acelerar a adesão do
Cosovo.
O
cerco apenas se deteve diante da Geórgia, perdedora da guerra de 2008
da Ossétia, mas desde 2014 insiste em provocar a Rússia com manobras
militares e forçar a adesão da Ucrânia e da Moldávia, sem falar dos
assédios às ex-repúblicas da URSS na Ásia Central, assentadas sobre
notaveis reservas de petróleo e gás, e localizadas sobre o arco
geoestratégico do poderío russo e chinês.
A decepção e a mágoa russas não eram para menos.
Consumada a traição, daí a guerra da informação em curso.
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