Novas regras tornam controle menos rígido e tiram
obrigatoriedade de monitoramento de determinadas categorias
Tem agrotóxico no cafezinho, na cerveja, tem agrotóxico no suco natural
que as pessoas dão para os bebês. As implicações disso? Vamos saber no futuro.
É como uma vasta peste em nível mundial
por Nara Lacerda no Brasil de Fato – Sociedade e Governo
Federal Libera Geral Agrotóxicos
Milho, soja e algodão no Brasil
são quase 100% geneticamente modificados - Amy Baugess/ Unsplash
Menos de
cinco meses após o Ministério Público Federal ter recomendando mudanças nos
procedimentos adotados para liberação comercial de Organismos Geneticamente
Modificados (OGMs) ou transgênicos no Brasil, a Comissão Técnica Nacional
de Biossegurança (CTNBio) publicou novas regras, que vão na contramão do
pedido.
Desde o
início de janeiro está valendo uma Instrução Normativa que libera de monitoramento
organismos que a CTNBio considera de “risco negligenciável”. Segundo o texto, a
liberação comercial será simplificada em casos em que o risco seja associado a
um “dano reduzido e de ocorrência desprezível no tempo provável de uso
comercial.”
A inclusão
desses termos na nova norma é celebrada pelas empresas do setor e pelo
agronegócio. No entanto o coordenador-adjunto do Fórum Gaúcho de Combate aos
Impactos dos Agrotóxicos, Leonardo Melgarejo, afirma que não é possível medir
ou prever os impactos. Ele leva em consideração o fato de que, uma
vez colocados no solo, esses organismos passam a fazer parte do ecossistema,
sem a possibilidade de que isso seja revertido caso algum dano seja registrado
durante a produção e a comercialização.
"A
CTNBio estabeleceu um critério que parece até piada. Eles falam em risco
negligenciável, dizendo o seguinte: se o risco for considerado tão pequeno a
ponto de ser negligenciado - mas não se estabelece de quanto é esse risco - se
permite um critério subjetivo onde alguém, em algum momento vai dizer
"isso não é relevante". "
Melgarejo
questiona que cálculos serão feitos para avaliar se os riscos são
desprezíveis.“Dependendo da população, dependendo do universo, um percentual
que pode ser considerado negligenciável, do ponto de vista estatístico, afeta
muita gente. Eles dizem que risco negligenciável é aquele onde o dano
será reduzido e a probabilidade de ocorrência será muito pequena. Ora, num país
com 200 milhões de habitantes, o que é muito pequeno? Quantas famílias se admitem
que podem ser afetadas?”
Grandes empresas do setor são
conhecidas como Gene Giants / Brasil de Fato
História polêmica
O início
do uso de transgênicos data da década de 1970 e sempre foi alvo de
questionamentos e polêmicas. Atualmente o Brasil é um dos maiores produtores do
mundo. Os OGMs representam quase a totalidade das culturas de soja, milho e
algodão do país.
Não há
estudos conclusivos sobre os possíveis impactos para a saúde humana. Os
argumentos favoráveis ao aumento da aplicação dessa técnica citam maior
produtividade nas lavouras e plantas mais resistente a pragas que, em teoria,
necessitariam de menos agrotóxicos. Melgarejo afirma que essa possibilidade não
foi observada ao longo do tempo.
“É fácil
demonstrar que o crescimento da área de transgênicos no Brasil foi acompanhado,
de uma maneira desproporcional, pelo crescimento do uso de venenos
agrícolas no Brasil. Quanto a esses venenos não há dúvida, eles causam
problemas à saúde. Nós jogamos no Brasil perto de um bilhão de litros de veneno
todo ano. Isso não desaparece. Isso está sendo jogado nessa escala porque as
lavouras são transgênicas e não há problema de respingar o veneno diretamente
na planta. Ele cai sobre a lavoura, cai entre as plantas, escorre pelo solo vai
parar na água, vai parar em todos os organismos que têm seu corpo formado por
água. Tem agrotóxico no cafezinho, na
cerveja, tem agrotóxico no suco natural que as pessoas dão para os bebês. As
implicações disso? Vamos saber no futuro. É como uma vasta peste em nível
mundial.”
Brasil está entre os que mais plantam
transgênicos / Brasil de Fato
Saiba
Mais no site Brasil de Fato: Brasileiros não sabem quais agrotóxicos estão na água
que consomem
“O Brasil
está se tornando um quintal de experimentação”
Ainda de
acordo com o especialista seria preciso reforçar estudos e monitoramento
constante, que analisem as possibilidades de danos a futuras gerações.
“Há
estudos estrangeiros que acompanham ratos que consomem transgênicos ao longo de
sua vida, que mostram o surgimento de tumores cancerígenos a partir dos 150
dias. Esses sintomas, se nós fossemos comparar em humanos, apareceriam aos
quarenta, cinquenta anos. Nós não estamos comendo transgênicos há cinquenta
anos. Talvez surjam processos cancerígenos nos seres humanos daqui alguns anos.
É possível que esses processos estejam acontecendo lentamente”
Decisão política
A
aprovação unânime da nova norma na CTNBio também é alvo de críticas duras.
Melgarejo ressalta que falta dar voz a análises de especialistas ligados a
áreas como a agricultura familiar e agroecologia.
“No
final, nós teríamos doze cientistas, seis especialistas indicados pela
sociedade civil e nove ministérios, que daria 27 votos que avaliariam o risco
das novas tecnologias. Seria de se esperar que nessa avaliação, alguém
levantaria suspeita a respeito das possibilidades da coisa não dar certo.”
A CTNBio
é composta por pesquisadores de “notório saber” e em governos anteriores tinha
representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Secretaria da
Pesca. As cadeiras que eram ocupadas por esses representantes ainda existem,
mas segundo Melgarejo estão hoje sob influência do Ministério da
Agricultura.
“Essa
distorção acaba com a isonomia, com a equivalência de poder entre os
representantes das várias áreas. O Ministério da Saúde e o Ministério do Meio
Ambiente se colocam numa posição de inferioridade frente a possibilidade de
obter maioria dentro da CTNBio. O que hoje não é um problema, porque atualmente
as duas pastas são totalmente alinhadas ao pensamento do Ministério da
Agricultura, onde a preocupação de possibilidade de sucesso da safra vale mais
que as preocupações com relação a riscos de longo prazo.”
Entidades
de defesa do meio ambiente e ligadas à produção de orgânicos afirmam que o
plantio de OGMs diminui a diversidade e prejudica lavouras
tradicionais e orgânicas. Melgarejo ressalta que pontos como esses demonstram a
necessidade de diálogo com a população sobre as normas estabelecidas.
“É
verdade que nesse momento histórico que nós estamos vivendo tanta coisa merece
um debate, que fica difícil chamar atenção para o assunto. Há preocupações tão
imediatas e tão grandes que esse governo não leva em consideração e agrava, que
fica difícil querer atenção para casos de modificação genética que vão nos
ameaçar no futuro. Mas é importante dizer para a população que nessas questões
estratégicas de longo prazo que envolvem a tecnologia, nós também estamos sendo
roubados. Também estamos sendo ameaçados.”
Ciclo perverso
A
recomendação do Ministério Público Federal, divulgada em outubro do ano
passado, afirma que o Brasil precisa ampliar a análise dos transgênicos, hoje
feita somente em ambientes controlados.“A atribuição prevista
expressamente no inciso V do artigo 14 da Lei de Biossegurança (Lei
11.105/2005) permite que a adequada mensuração dos impactos dos
transgênicos no meio ambiente e na saúde possa ser efetivada, mas, infelizmente,
tal atribuição não é exercida”.
Há um
alerta também sobre o abrandamento do controle, enquanto outros países tem
normas mais rígidas.
“As
agências regulatórias em outros países analisam a implementação de transgênicos
de forma ampla, visando identificar efeitos imprevistos sobre a saúde humana e
o ambiente. Por exemplo, os Estados Unidos consideram que transgênicos que
contenham toxinas devem observar o mesmo rito de aprovação que agrotóxicos
convencionais.”
No Brasil
esse critério não é utilizado e há culturas desse tipo com autorização de
plantio e comercialização. A legislação brasileira determina que agentes
biológicos de controle sejam registrados como agrotóxicos, mas a regra é
desconsiderado pela CTNBio para liberação dos OGMs dessa categoria.
Edição: Rodrigo Chagas
https://www.brasildefato.com.br/2020/02/10/brasil-afrouxa-analise-de-seguranca-para-plantio-de-transgenicos