“É hora de ter uma justiça verdadeira que
esteja atenta a respeitar e fazer respeitar as regras do Estado de Direito,
sobre a qual não influa o poder da mídia" e principalmente os direitos
civis, respeitando a vida e o ser humano ...
por Helena Iono no
Diálogos do Sul - Sociedade e Busca por Justiça Popular
O
Senado argentino aprovou por 40 votos contra 26, o projeto de lei da Reforma
Judicial proposto pelo poder executivo, Facebook |
Reprodução
O Senado argentino, ao aprovar nesta semana, por 40
votos contra 26, o projeto de lei da Reforma Judicial proposto pelo poder
executivo do governo de Alberto Fernández, repassa-o à Câmara de Deputados,
dando um passo para que finalmente se viabilize um ordenamento legal
transparente e funcional que ponha início ao fim da judicialização da política,
aos mecanismos obscuros do “lawfare” manipulados pelo poder econômico-midiático
oligárquico que têm sido operados em detrimento da justiça verdadeira, que não
diz respeito somente às lideranças políticas, mas às garantias de dignidade, e
de vida de todo e qualquer cidadão perante a lei, incluindo os mais pobres, e
indefesos em todos os sentidos.
Um dos argumentos falsos da oposição Cambiemos-PRO
contra a Reforma Judicial é que ela não é oportuna. Quando, na realidade, ela
foi um dos pontos centrais do discurso inicial e do projeto de governo de
Alberto Fernandez quando assumiu em 10 de dezembro: “Nunca mais aos porões da
democracia!”.
Isso, foi anterior à imprevista desgraça da
pandemia que assolou o mundo, exacerbou os desastres econômicos herdados do macrismo
(dívida externa), crise sanitária, do serviço público, desemprego, inflação
abismal, clamando pela urgência das medidas com as quais o peronismo foi
eleito, de ruptura com as corporações neoliberais, incluindo a nova Reforma
Judicial para desarmar a trava do poder jurídico-midiático enraizado nas
instituições desde a ditadura; sem isso, não há como salvar vidas!
Os mesmos que participaram com o lawfare contra
Cristina e o governo kirchnerista, começando por Macri, “o prófugo”, até os
participantes do esquema de espionagem ilegal na AFI (Agência Federal de
Inteligência), são os mesmos que agitam freneticamente a grande mídia (Clarín,
La Nación, TN, América Tv, etc.) contra a Reforma Judicial.
O senador Oscar Parrilli (FdT, Frente de Todos),
ex-Diretor Geral da AFI durante o governo de Cristina Kirchner, responde no seu
discurso aos opositores
que alegam que a Reforma defende a impunidade da ex-presidenta; na realidade,
eles se contrapõem porque estão “a favor da impunidade de Macri”.
É notório que este pegou o avião logo que
Alberto Fernández anunciou o projeto da Reforma Judicial a ser levado em
votação no Parlamento. Tendo vários processos de acusação nas costas, como já
narrado, Macri escapou para as praias da Costa Azul da França e foi jogar
futebol com a Fifa na Suíça, deixando para trás, até hoje, quase 8900 mortos e
mais de 420 mil afetados de Covid-19, famílias, médicos e enfermeiros morrendo
no país que ele presidiu.
Cristina, pelo contrário, responde legalmente na
Argentina a todos os processos judiciais (inventados pelo lawfare) nos
tribunais designados e não depende da Reforma Judicial para provar sua
inocência; com a altura de uma democrata, pede para que a Segurança retire as
grades diante do Congresso Nacional contra os manifestantes minoritários,
violentos e desestabilizantes da “anti-política” que politizam a pandemia,
disparam a bala do vírus (violando as normas sanitárias), instigados por Macri,
em coro com a extrema direita (ex-ministra da segurança, Patricia Bullrich) e a
mídia hegemônica.
O
papel crucial da mídia no lawfare
O ex-presidente Lula da Silva, que com Dilma
Rousseff são vítimas do lawfare no Brasil não cansam de denunciar o que
significa esse vínculo entre poder judiciário e midiático nas novas formas de
golpes de Estado, ditos “brandos”, na América Latina. Bem claro o seu protesto
contra o Estadão e a Globo.
Alberto Fernández ao propor a Reforma Judicial
deixou explícito: “É hora de ter uma justiça verdadeira que esteja atenta a
respeitar e fazer respeitar as regras do Estado de Direito. Uma justiça sobre a
que não influam os poderes da mídia, os poderes fáticos e os poderes políticos.
Se alcançarmos isso, teremos fortalecido esta democracia que tantas dívidas tem
com os argentinos e as argentinas”.
Por isso, em um dos artigos da Reforma Judicial
levada em votação, uma das regras estabelecidas para os juízes foi: “Os juízes
devem comunicar ao Conselho da Magistratura qualquer tentativa de influência
nas suas decisões por parte de poderes políticos, econômicos ou midiáticos,
membros do Poder Judiciário, Executivo ou Legislativo, amizades ou grupos de
pressão de qualquer tipo e solicitar as medidas necessárias para sua proteção”.
Como previsto, a oposição (JXC, Juntos pelo
Cambio), aliada ao grupo econômico do Clarín e La Nación, reagiu contra a
inclusão do poder “midiático” no texto, alegando ser uma medida contra a
liberdade de expressão. Na votação final retirou-se o “midiático”, substituído
por “grupos de poderes”. Oscar Parrilli disse: “Macri impôs o Código Processual
Penal por Decreto, colocou dois juízes na Corte Suprema por decreto sem consultar
o Congresso. De quê impunidade estão falando? E quê liberdade de expressão?”
Para os que queiram ver o relatório de defesa da
Reforma Judicial vale assistir à senadora María de los Ángeles Sacnun:
“Seguramente, vamos requerer outras leis para configurar uma verdadeira Reforma
Judicial que outorgue tutela judicial e respeito às garantias constitucionais e
à independência dos juízes”.
Entre outras, ela rebate os opositores que dizem
que a Reforma não é oportuna. “Sempre será oportuno para o fortalecimento da
nossa democracia”. É preciso agilizar os julgamentos sobre casos de lesa
humanidade. Fortalecer as Secretarias de Direitos Humanos com a bandeira da
Memória, Verdade e Justiça. Construir uma Justiça com maior transparência e
legitimidade social.
A senadora AnaBel Sagasti também reforçou a importância do “Nunca
Mais” e recordou que desde 1983 há centenas de vítimas esperando o julgamento
da ditadura cívico-militar na Argentina.
Para entender mais, note-se o desastre na província
de Jujuy – governada por Juntos pelo Cambio (JXC) que mantém injustamente presa
a deputada do Parlatino, Milagro Salas, por mais de 4 anos, após ter sido
promotora de uma grandiosa obra social habitacional; agora, Jujuy se encontra
em colapso sanitário com a pandemia, enterrando mortos nas ruas.
A aprovação final da Lei deverá ser submetida à
Câmara dos Deputados composta por 247 deputados, onde os 119 da Frente de Todos
compõem a chamada primeira minoria e necessita acordar com outros blocos e
chegar ao quórum de 129 para sancioná-la
Esta meia sanção no Senado pôs, em parte, um freio
no ruído midiático da fala desestabilizadora do ex-presidente Eduardo Duhalde
contra o governo, alardeando um suposto caos, de que não haverá eleições
(legislativas) no próximo ano, mas sim, um golpe de Estado, se não mudarem
“estas políticas que não servem a nada e se buscam políticas de consenso”.
A quem serve Duhalde neste contexto, senão aos
oportunistas que querem plantar o medo, e encher a boca da minoria reacionária,
que inocula o ódio de classe, sobre o desconforto social na Pandemia Serve a
encobrir e opor-se à rapidez das medidas progressistas que se estão executando:
a decretação de que os serviços de Telecomunicações são essenciais e de
controle público (internet, TV a cabo e telefonia celular e fixa), a nova Lei
por uma Justiça verdadeira, e o eminente imposto emergencial sobre as grande
fortunas.
Três medidas de Estado fundamentais em debate no
arco de 1 semana. E nos três casos encontra-se, transversalmente atingida, a
oligarquia midiática do Clarín. Entre os 7 acionistas das telecomunicações
afetados pelo novo Decreto de Alberto Fernandez (que congela o aumento das
tarifas de serviços de telecomunicação até 31 de dezembro), encontram-se 1
sociedade de Macri e 4 do grupo de Hector Magnetto do Clarin.
O fato é que 70% da população aprova os esforços do
governo. Reagiram fortemente contra Duhalde as mães e avós da Praça de Maio, os
Organismos de Direitos Humanos, o Ministro da Defesa (Agustín Rossi) e até
Martin Paleo, o Chefe do Estado Maior da Forças Armadas.
A Reforma Judicial traz um novo ordenamento
jurídico para descentralizar e agilizar os processos. Uma das medidas que traz
a Reforma é unificar as Varas Criminais (Federal e Nacional) com as do Penal
Econômico e se denominará Penal Federal com base na cidade de Buenos Aires. O
número total de tribunais passa de 23 a 46, e se criarão novas Câmaras de
Apelação e Varas nas Províncias (15 na província de Buenos Aires e 48 nas
outras).
Isso possibilitará agilizar os prazos de conclusão
dos processos retidos e eliminar a dependência em relação ao Tribunal de
Comodoro Py na capital e em mãos de poucos juízes, muitas vezes subordinados a
uma rede de interesses obscuros de empresários, políticos e operadores. Há
vários casos de cidadãos esperando por anos o seu julgamento.
Um exemplo recente foi o de Cristina Vázquez, moça
pobre da cidade de Posadas (Missiones), que acaba de suicidar-se, tentando
reinserir-se na sociedade, após 11 anos de prisão, de onde saiu inocente, mas
destruída por um crime que não cometeu. Como diz Irina Hauser no seu artigo sobre as 5
razões porque a Oposição macrista rejeita a Reforma Judicial: “Cristina Vázquez
foi morta pelo Poder Judicial corrupto, ineficaz, classista e machista.”
Histórias de injustiças como esta, retratadas em
filmes como “Olhos que condenam” (por Ava DuVernay) ou “Crimes de Família”(por
Sebastián Schindel), são a realidade diária de um mundo injusto e desigual,
como nos EUA e no Brasil, onde se mantém atados os bairros pobres à fome, ao
desemprego e ao domínio da máfia da droga e da violência policial. Até quando?
É ou não é oportuna uma Reforma Judicial? É urgente
uma Justiça verdadeira como estabelece o projeto de Alberto e da Frente
de Todos. Segundo a nova Lei, se aprovada, os juízes e procuradores deverão
passar por exames acadêmicos mais controlados e rigorosos.
Além disso, deverá pôr-se um fim ao sistema viciado
de eleição de Juízes para as causas, atualmente à mercê de decisões políticas
ou midiáticas como na tal da Mesa Judicial que vem atuando desde a era Macri,
funcional à perseguição ao kirchnerismo.
A Câmara Nacional de Cassação deverá ter agora uma
lista ampla de juízes que serão sorteados para as diversas causas, em um
processo não fraudulento, eletrônico, não manual e gravado, com apoio de
organismos externos e testemunhas avalistas da transparência.
Como disse a ex-presidenta e senadora Cristina
Kirchner antes da sessão no Senado: “Sinceramente creio que o país ainda se
deve uma verdadeira reforma judicial que não é a que vamos debater nesta
quinta-feira”.
De fato, não está ainda em discussão o número e a
composição da Corte Suprema de Justiça, atualmente com apenas 5 juízes (2 deles
colocados por Decreto por Macri), presidida por Lorenzetti, conhecido por
sua parcialidade e conivência com os juízes do lawfare, Bonadio e Moro.
Mas, sem dúvidas que aprovar esta nova Lei para o
reordenamento jurídico é um passo importante e uma proeza da Frente de Todos
que enfrenta junto à guerra pandêmica, a negociação da dívida externa com os
acionistas internacionais e o FMI, e prepara-se nesta semana para o embate
político do imposto (por uma só vez) às grandes fortunas, aos 12 mil mais ricos
da Argentina.
O fato é que a vitória final destas batalhas
parlamentares ainda não está assegurada. Juntos pelo Cambio (JXC) tenta
obstruir as sessões congressuais opondo-se ao debate e às votações virtuais
devido à Pandemia. Em momentos normais, tal atitude já teria sido enfrentada
com centenas de milhares de peronistas nas ruas, defendendo o Congresso e a
democracia.
Aproveito para convidar os leitores a assistir este
vídeo do Blog do José muito oportuno para entender a conexão da
grande mídia internacional nos golpes de lawfare na América Latina; a mesma que
fala em nome da “liberdade de expressão”, mas sustenta altos interesses
financeiros que censuram o jornalista Luis Nassif do GGN, que mereceu a
solidariedade da mídia independente e democrática.
O exemplo argentino torna-se um respirador ao
debate por uma Reforma Judicial e Política também no Brasil.
Helena Iono, colaboradora de
Diálogos do Sul desde Buenos Aires
Tradução:
Beatriz Cannabrava
Publicação
nos Diálogos do Sul : 02.set.2020
Fonte: https://dialogosdosul.operamundi.uol.com.br/america-latina/66456/com-reforma-judicial-argentina-avanca-para-acabar-com-judicializacao-da-politica