4.24.2017
O fim das ilusões conciliadoras do PT e a instabilidade polîtica do golpe
Resultado da conciliação durante a era petista traduziu-se em instabilidade generalizada, com o colapso do sistema político, e num catastrófico golpe que expurgou as esquerdas do poder
por Aldo Fornazieri para GGN no Brasil Atual - Sociedade e Lutas Sociais no Brasil
Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
GGN – Os três governos petistas – dois de Lula e o primeiro de Dilma – foram, sem dúvida, arranjos conciliadores em sentido amplo do termo. Abrigavam partidos que representavam interesses diversos, incluindo setores do capital nacional, internacional, do agronegócio etc. Foram governos de conciliação também no sentido ideológico ao abrigarem partidos conservadores como o PP, o PTB, o PRB, entre outros.
A partir do segundo mandato de Lula, o eixo principal das alianças teve na forte estrutura e capilaridade do PMDB uma nitidez centrista, secundado pelos partidos conservadores, hoje identificados no chamado centrão. A funcionalidade dessa aliança conciliadora teve no chamado jogo do ganha-ganha, bem analisado por André Singer, seu alicerce de sustentação. Sem entrar no mérito dos erros e dos acertos dos três governos, o fato é que sem o ganha-ganha, a conciliação se torna insustentável, como, de fato, se tornou, levando à derrubada do governo Dilma.
Os governos de conciliação petistas talvez tenham um paralelo, guardadas as diferenças históricas, no Gabinete de Conciliação do Marquês do Paraná, no Segundo Reinado, entre 1853 e 1856. Nos governos petistas, tal como naquele Gabinete, grupos que estavam alijados do poder passaram a integrar as estruturas governamentais. Sob o Gabinete de Paraná, houve um período de paz e de certa prosperidade, após uma série de dissídios liberais em várias províncias. Sob os governos petistas, depois de sua ascensão, houve uma pacificação das lutas sindicais e sociais, cuja trajetória havia se projetado nos processos de redemocratização, da Constituinte e das lutas trabalhistas, sindicais e sociais.
As ações do governo, tanto em relação à política de recuperação do salário mínimo, quanto às diversas políticas sociais de combate à pobreza e à desigualdade, resultaram nessa relativa paz social. No caso do Gabinete de Paraná, Cristiano de Abreu, por exemplo, nota que a "conciliação implicava abrandamento das paixões, renúncia aos meios violentos, ...".
No Gabinete de Paraná e nos governos do PT, viabilizou-se um reformismo brando em face das estruturas rígidas e conservadoras do poder no Brasil. Como resultado, a Conciliação do Segundo Reinado fortaleceu a unidade das elites e a sua estabilidade. Mas com a morte de Paraná, ainda durante o governo, quem assumiu a chefia do Gabinete foi Caxias, o Duque de Ferro, que havia combatido quase todas as revoluções regenciais e liberais do período anterior. A instabilidade política retornou com todo ímpeto ao Segundo Reinado, provocando o seu fim em três décadas.O resultado da conciliação petista traduziu-se numa instabilidade política generalizada, com o colapso do sistema político, num catastrófico golpe que expurgou as esquerdas do poder, promove uma grave regressão nos direitos sociais e articula uma via conservadora para as eleições de 2018.
Ou seja, as elites conservadoras triunfaram e agora procuram meios de estabilizar o poder com a aposta em uma estratégia de constituição de um longo ciclo de poder.
Em resumo: nem Paraná e nem Lula, nos seus devidos tempos e com suas específicas causas, conseguiram produzir reformas fortes que mudassem substantivamente o padrão conservador, antissocial e antipopular das estruturas de poder no Brasil. Como diria Raymundo Faoro, a conciliação é um método de operação das elites para permanecerem no poder, mantendo o status quo, sob uma enganosa aparência de mudança. Como caminho de mudanças efetivas, a conciliação fracassou.
Na medida em que o conflito é inerente às sociedades humanas, ele jamais pode ser expurgado da atividade política. A relação amigo-inimigo sempre existirá enquanto os humanos forem dotados desta natureza. O que ocorre é que esta relação segue gradações diferentes, determinadas pelas circunstâncias e pelos interesses dos atores do jogo político.
A gradação mais branda da relação de inimizade implica em tratar o oponente como um adversário e a mais extrema, resulta na guerra. Se a guerra permite perceber com nitidez e pureza a relação, a conciliação dissolve a inimizade na normalidade política, trazendo desvantagens evidentes para os setores subalternos da sociedade que lutam por igualdade, direitos e justiça. Esses fins e bens legítimos do corpo político sempre têm inimigos e esses inimigos precisam ser tratados como inimigos. A política é, de fato, a continuidade da guerra por outros meios, como sentenciou Clausewitz. Mas a atividade política pode desaguar na guerra, sendo esta sempre uma possibilidade daquela.
Dissolver o antagonismo amigo-inimigo na política representa deixar um vazio estratégico e cavar o fosso da própria derrota. O problema da conciliação do PT é que os inimigos estavam dentro do governo. Mesmo que pudessem estar, pelas circunstâncias da singularidade da vitória eleitoral do PT, deveriam ter sido tratados ou vigiados como inimigos. O erro consistiu em tratá-los como amigos.
O PT, em estando no governo, viu apenas como inimigo o PSDB e seus grupos orbitais. Viu-os, recobrindo-os com uma capa ideológica, a capa do neoliberalismo, dissolvendo, em grande medida, o tipo de risco que eles representavam para os interesses reais das grandes massas do povo localizadas nas periferias. Criou-se um curto-circuito entre o discurso das esquerdas (e não só do PT) com os interesses das massas populares. Nos governos de conciliação, em grande medida, o espaço do inimigo fica vazio ou é preenchido por conteúdos que dissolvem o combate e a polarização.
Supor que nas democracias se dissolve o antagonismo amigo-inimigo representa um autoengano. Se esse antagonismo implica gradações, então significa que, a depender das conjunturas e dos atores, se pode disputar ou fazer alianças com adversários e se pode rivalizar e combater inimigos sem que isto leve à violência e à guerra, pois as regras das disputas e dos combates estão constitucionalmente definidas. Evidentemente, quando se fala de inimigo se está falando no sentido político do termo ou em um agregado humano definido por uma comunhão de vontades. Isto é: um movimento, um partido, um povo, um Estado. Na democracia, os indivíduos podem até ser amigos, mas no jogo político público, enquanto membros de partidos ou movimentos hostis, são inimigos.
É impossível dizer onde o PT chegaria se não tivesse optado pela conciliação. Mas é possível constar que a conciliação, como método e estratégia de mudança histórica, fracassou. Diante disso, os petistas podem e devem rever sua estratégia no processo de Congresso partidário. Se o caminho não é o da conciliação, a estratégia deve ser de longo prazo, de construção de um campo democrático, progressista e de esquerda, constituindo espaços de poder popular de baixo para cima.
Essa estratégia deve remeter-se a uma representação das massas populares, das pessoas que vivem nas periferias, das chamadas classes C, D e E, a partir de uma nova pedagogia política emancipadora, que saiba combinar participação horizontal com estruturas verticais. Será preciso propor um conjunto de reformas radicais, removedoras das condições de desigualdade e novas políticas públicas. Será preciso reinventar os métodos de governo, viciados pelo burocratismo e comodismo. Será preciso propor um novo federalismo, radicalmente descentralizador, que permita uma ação e um controle da sociedade organizada sobre o Estado.
http://www.redebrasilatual.com.br/blogs/blog-na-rede/2017/04/o-fim-das-ilusoes-conciliadoras-e-a-instabilidade-politica-generalizada
A partir do segundo mandato de Lula, o eixo principal das alianças teve na forte estrutura e capilaridade do PMDB uma nitidez centrista, secundado pelos partidos conservadores, hoje identificados no chamado centrão. A funcionalidade dessa aliança conciliadora teve no chamado jogo do ganha-ganha, bem analisado por André Singer, seu alicerce de sustentação. Sem entrar no mérito dos erros e dos acertos dos três governos, o fato é que sem o ganha-ganha, a conciliação se torna insustentável, como, de fato, se tornou, levando à derrubada do governo Dilma.
Os governos de conciliação petistas talvez tenham um paralelo, guardadas as diferenças históricas, no Gabinete de Conciliação do Marquês do Paraná, no Segundo Reinado, entre 1853 e 1856. Nos governos petistas, tal como naquele Gabinete, grupos que estavam alijados do poder passaram a integrar as estruturas governamentais. Sob o Gabinete de Paraná, houve um período de paz e de certa prosperidade, após uma série de dissídios liberais em várias províncias. Sob os governos petistas, depois de sua ascensão, houve uma pacificação das lutas sindicais e sociais, cuja trajetória havia se projetado nos processos de redemocratização, da Constituinte e das lutas trabalhistas, sindicais e sociais.
As ações do governo, tanto em relação à política de recuperação do salário mínimo, quanto às diversas políticas sociais de combate à pobreza e à desigualdade, resultaram nessa relativa paz social. No caso do Gabinete de Paraná, Cristiano de Abreu, por exemplo, nota que a "conciliação implicava abrandamento das paixões, renúncia aos meios violentos, ...".
No Gabinete de Paraná e nos governos do PT, viabilizou-se um reformismo brando em face das estruturas rígidas e conservadoras do poder no Brasil. Como resultado, a Conciliação do Segundo Reinado fortaleceu a unidade das elites e a sua estabilidade. Mas com a morte de Paraná, ainda durante o governo, quem assumiu a chefia do Gabinete foi Caxias, o Duque de Ferro, que havia combatido quase todas as revoluções regenciais e liberais do período anterior. A instabilidade política retornou com todo ímpeto ao Segundo Reinado, provocando o seu fim em três décadas.O resultado da conciliação petista traduziu-se numa instabilidade política generalizada, com o colapso do sistema político, num catastrófico golpe que expurgou as esquerdas do poder, promove uma grave regressão nos direitos sociais e articula uma via conservadora para as eleições de 2018.
Ou seja, as elites conservadoras triunfaram e agora procuram meios de estabilizar o poder com a aposta em uma estratégia de constituição de um longo ciclo de poder.
Em resumo: nem Paraná e nem Lula, nos seus devidos tempos e com suas específicas causas, conseguiram produzir reformas fortes que mudassem substantivamente o padrão conservador, antissocial e antipopular das estruturas de poder no Brasil. Como diria Raymundo Faoro, a conciliação é um método de operação das elites para permanecerem no poder, mantendo o status quo, sob uma enganosa aparência de mudança. Como caminho de mudanças efetivas, a conciliação fracassou.
Os inimigos do povo
As conciliações enganam os sentidos políticos das partes mais fracas que as integram. Cria-se uma ilusão de amizade e de comunhão de propósitos. Perde-se de vista a lógica antagônica amigo-inimigo, tão bem ilustrada por Carl Schmitt, mas que já estava pressuposta em boa parte dos filósofos políticos anteriores.Na medida em que o conflito é inerente às sociedades humanas, ele jamais pode ser expurgado da atividade política. A relação amigo-inimigo sempre existirá enquanto os humanos forem dotados desta natureza. O que ocorre é que esta relação segue gradações diferentes, determinadas pelas circunstâncias e pelos interesses dos atores do jogo político.
A gradação mais branda da relação de inimizade implica em tratar o oponente como um adversário e a mais extrema, resulta na guerra. Se a guerra permite perceber com nitidez e pureza a relação, a conciliação dissolve a inimizade na normalidade política, trazendo desvantagens evidentes para os setores subalternos da sociedade que lutam por igualdade, direitos e justiça. Esses fins e bens legítimos do corpo político sempre têm inimigos e esses inimigos precisam ser tratados como inimigos. A política é, de fato, a continuidade da guerra por outros meios, como sentenciou Clausewitz. Mas a atividade política pode desaguar na guerra, sendo esta sempre uma possibilidade daquela.
Dissolver o antagonismo amigo-inimigo na política representa deixar um vazio estratégico e cavar o fosso da própria derrota. O problema da conciliação do PT é que os inimigos estavam dentro do governo. Mesmo que pudessem estar, pelas circunstâncias da singularidade da vitória eleitoral do PT, deveriam ter sido tratados ou vigiados como inimigos. O erro consistiu em tratá-los como amigos.
O PT, em estando no governo, viu apenas como inimigo o PSDB e seus grupos orbitais. Viu-os, recobrindo-os com uma capa ideológica, a capa do neoliberalismo, dissolvendo, em grande medida, o tipo de risco que eles representavam para os interesses reais das grandes massas do povo localizadas nas periferias. Criou-se um curto-circuito entre o discurso das esquerdas (e não só do PT) com os interesses das massas populares. Nos governos de conciliação, em grande medida, o espaço do inimigo fica vazio ou é preenchido por conteúdos que dissolvem o combate e a polarização.
Supor que nas democracias se dissolve o antagonismo amigo-inimigo representa um autoengano. Se esse antagonismo implica gradações, então significa que, a depender das conjunturas e dos atores, se pode disputar ou fazer alianças com adversários e se pode rivalizar e combater inimigos sem que isto leve à violência e à guerra, pois as regras das disputas e dos combates estão constitucionalmente definidas. Evidentemente, quando se fala de inimigo se está falando no sentido político do termo ou em um agregado humano definido por uma comunhão de vontades. Isto é: um movimento, um partido, um povo, um Estado. Na democracia, os indivíduos podem até ser amigos, mas no jogo político público, enquanto membros de partidos ou movimentos hostis, são inimigos.
É impossível dizer onde o PT chegaria se não tivesse optado pela conciliação. Mas é possível constar que a conciliação, como método e estratégia de mudança histórica, fracassou. Diante disso, os petistas podem e devem rever sua estratégia no processo de Congresso partidário. Se o caminho não é o da conciliação, a estratégia deve ser de longo prazo, de construção de um campo democrático, progressista e de esquerda, constituindo espaços de poder popular de baixo para cima.
Essa estratégia deve remeter-se a uma representação das massas populares, das pessoas que vivem nas periferias, das chamadas classes C, D e E, a partir de uma nova pedagogia política emancipadora, que saiba combinar participação horizontal com estruturas verticais. Será preciso propor um conjunto de reformas radicais, removedoras das condições de desigualdade e novas políticas públicas. Será preciso reinventar os métodos de governo, viciados pelo burocratismo e comodismo. Será preciso propor um novo federalismo, radicalmente descentralizador, que permita uma ação e um controle da sociedade organizada sobre o Estado.
http://www.redebrasilatual.com.br/blogs/blog-na-rede/2017/04/o-fim-das-ilusoes-conciliadoras-e-a-instabilidade-politica-generalizada
Histôria da Greve Geral no Brasil: dos anarquistas ao 'derruba o general'
Por liberdade e aumento salarial, várias categorias se mobilizaram há um século. Morte de trabalhador intensificou o movimento de julho de 1917, primeiros tempos de organização operária no Brasil
por Vitor Nuzzi, para Revista do Brasil - Sociedade e Lutas Populares Brasileiras
Arquivo Nacional
Ideias de reformas dos dias atuais trazem de volta fantasmas da precariedade contra os quais se lutava há um século
No próximo 28 de abril, centrais sindicais vão se unir em um movimento contra reformas propostas pelo governo Temer nas áreas previdenciária e trabalhista, além da recém-aprovada lei que amplia a terceirização. Para alguns, trata-se de um dia nacional de paralisação. Para outros, de uma greve geral, expressão mais popular e que no Brasil está completando 100 anos neste 2017.
O primeiro movimento de que se tem registro ocorreu em São Paulo, em meados de 1917, em um período de forte influência anarquista, mas também com participação dos socialistas. Era o início da organização operária no país. Época também marcante do início da mobilização social que daria suporte ao fim da chamada República Velha, no começo dos anos 1930, que ainda veria surgir, em 1937, o Estado Novo de Getúlio Vargas. Em 1943, viria a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), hoje objeto de "reformas" por parte do governo Temer, outro dos motivos para a paralisação do dia 28.
Depois da histórica greve de 1917, que durou três dias e paralisou a capital paulista, alguns movimentos foram registrados, por exemplo, nos anos 1950 – quando se consolidava um período de industrialização e de organização sindical no Brasil. Também durante e após a ditadura, na década de 1980, quando se cunhou o bordão "a greve geral derruba o general", referência ao período autoritário.
1917: São Paulo parada
A cavalaria avançou contra os operários durante protesto diante da Tecelagem Mariângela, empresa do grupo Matarazzo inaugurada em 1904 na Rua Monsenhor Andrade, no bairro operário do Brás, centro paulistano, e tombada em 1992. No ataque, morreu com um tiro no peito o jovem José Martinez, 21 anos, espanhol, sapateiro e anarquista.
Era 9 de julho de 1917, ele havia chegado ao Brasil com sua família em janeiro. O cortejo fúnebre, dois dias depois, tomou a região central rumo ao Cemitério do Araçá, e depois para a Praça da Sé, em uma "das mais impressionantes demonstrações populares até então verificadas em São Paulo", segundo relato de Edgard Leuenroth, tipógrafo, jornalista, condenado naquele ano como um dos articuladores da greve geral, a primeira de que se tem registro no Brasil. O movimento teria atingido 50 mil pessoas, quando a cidade tinha 500 mil habitantes.
Leuenroth (1881-1968) ajudou a formar um grande arquivo sobre a memória operária, hoje sob responsabilidade da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Naquele ano de 1917, criou o jornal A Plebe, sob orientação anarquista, que exercia forte influência entre os trabalhadores.
O cortejo de Martinez saiu da Rua Caetano Pinto, no Brás – onde hoje fica a sede nacional da CUT. A família do operário morava no número 91 daquela rua, um reduto da colônia italiana, cujo nome, dado um ano antes, faz homenagem a um tenente-coronel. A multidão se concentrou desde as 7h, "sob intenso frio e chuva fina", conta o jornal Fanfulla: "Homens, mulheres e crianças acotovelavam-se e agitavam bandeiras vermelhas à espera do funeral". Martinez era funcionário de fábrica de calçados Bebê, cujos empregados se organizaram para ajudar a família.
O corpo saiu às 8h30, e a cidade parou: Avenida Rangel Pestana, Ladeira do Carmo, Rua XV de Novembro, Rua São Bento, Viaduto do Chá, Rua Barão de Itapetininga, Praça da República, Avenida Ipiranga, Rua da Consolação. O povo foi estimado em 10 mil pessoas.
Já no cemitério, com discursos em português, italiano e espanhol, falaram, entre outros, Leuenroth, de A Plebe, e Thedoro Monicelli, do jornal socialista Avanti, relata a pesquisadora Christina Lopreato, em sua tese de doutorado em História, apresentada em 1996. Entre outras reivindicações, eles pediam soltura de grevistas, liberdade de organização e aumento salarial. Monicelli afirmou, segundo texto do Fanfulla citado pela pesquisadora, que era preciso "induzir o governo e o poder municipal a pôr fim no aumento dos gêneros alimentícios, pois de nada adiantava conseguir um aumento de 20% se os preços continuavam a subir".
A Mariângela tinha 1.800 ou até 2.500 funcionários, conforme a fonte de informação, na maioria mulheres, que predominavam no setor têxtil. Também havia muitos menores de idade trabalhando em fábricas, onde não havia quaisquer "condições de trabalho". Reajuste salarial era algo fora de cogitação.
Mas o operariado começava a se organizar. Até hoje, há um debate sobre as origens da greve de 1917: espontânea ou organizada? Alguns pesquisadores apontam a primeira opção, mas autores como Christina Lopreato e Luigi Biondi destacam que já havia uma organização em curso no Brasil. O mundo sofria novas influências.
"De forma geral, o ano de 1917 foi caracterizado mundialmente por toda uma série de protestos, motins e greves sem precedentes, cujo evento maior foi – como todos sabemos – a revolução russa, momento ligado exatamente a processos de organização sindical e política, no qual misturavam-se fenômenos de autoconstituição e de intervenção política e organizativa externa nas organizações operárias, mas que surgiam de um estado de revolta aberta que ia além da luta contratual entre empresários e trabalhadores usualmente praticada", escreveu o professor Biondi em 2009.
Em reunião no mesmo dia 11, após o enterro de Martinez, o Comitê de Defesa Proletária e dezenas de organizações se reúnem e aprovam uma pauta com 15 itens. Eles querem libertação de presos durante a greve, garantia de não punição a quem participar do movimento, reajuste salarial, jornada de oito horas diárias, fim de exploração de mão de obra de menores e de mulheres no período noturno. Também foram incluídas reivindicações como redução no preço dos aluguéis e garantia de que inquilinos não fossem despejados.
No dia seguinte, 12 de julho, param padeiros, leiteiros, trabalhadores dos serviços de gás e luz. "A cidade amanheceu sem pão, sem leite, sem gás, sem luz e sem transporte. A atividade industrial foi paralisada. O comércio fechou as portas. Teatros, cinemas e casas de diversão adiaram as programações. O tráfego de bondes foi interrompido. (...) Os paulistanos jamais tinham presenciado um movimento de tal envergadura", narra Christina Lopreato. Foram registrados vários confrontos pela cidade. A greve estava deflagrada. Outras pessoas morreriam em conflitos naqueles dias.
Alguns empresários cedem e concordam em dar 20% de aumento, entre eles um dos mais resistentes, o comendador Rodolfo Crespi, batizado de "Barão da Greve". No dia 8, uma comissão de trabalhadores do Cotonifício Crespi havia reivindicado 20% de aumento, negado pela empresa, que tinha mais de 900 italianos entre seus 1.300 funcionários. O local abriga hoje um hipermercado, perto do estádio do Juventus, conhecido como Rua Javari, mas o nome oficial homenageia o comendador.
Uma comissão de jornalistas foi formada para intermediar um acordo. As negociações começaram no dia 14, um sábado, e prosseguiram pelo fim de semana, incluindo o presidente (equivalente a governador) de São Paulo, Altino Arantes. Surgiu uma proposta que incluiu libertação de presos, direito à associação, esforços para evitar altas de preços e falsificação de produtos alimentícios e medidas para evitar trabalho noturno de mulheres e menores de 18 anos. Três comícios foram realizados na segunda-feira, 16 de julho, no Largo da Concórdia, na Lapa e no Ipiranga, aprovando o acordo.
Foi "a primeira grande batalha do trabalho", disse o Comitê de Defesa Proletária em manifesto. Se não conseguiram todas as reivindicações (desideratuns, no termo em latim), "ficará como exemplo para todos aqueles que contra o direito à vida das classes trabalhadores até hoje têm oposto a sua brutal resistência e violência".
Outros movimentos históricos do século 20
1983: nasce a CUT
Entre o movimento de 100 anos atrás e o surgimento do novo sindicalismo, a partir dos anos 1980, o mundo do trabalho experimentou grandes transformações. No plano da regulamentação, a Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, e a Constituição de 1988 contribuíram para solidificar uma visão mais civilizatória da relação capital-trabalho. A primeira, ainda sob a ditadura do Estado Novo; a segunda, em plena reconstrução democrática depois do golpe de 1964.
Veio do novo sindicalismo a inspiração para a construção da greve geral convocada para 21 de julho de 1983. O pano de fundo foi a paralisação dos petroleiros de Paulínia, no interior de São Paulo, e de Mataripe, na Bahia, atingindo as refinarias do Planalto (Replan) e Landulpho Alves (Rlam). O governo, ainda sob o comando de um general-presidente (João Figueiredo), havia baixado o Decreto-lei 2.036, de 28 de junho, restringindo salários em estatais e direitos de funcionários novos.
Em 13 de julho, viria o DL 2.045 – com uma política salarial que limitava os reajustes a parte da inflação –, em que o governo diz que "as perspectivas da política econômica para os próximos anos estão a exigir a efetiva participação do povo brasileiro no programa de estabilização da economia nacional". Mesmo com Brasília sob estado de emergência, em outubro o Congresso derrubou esse decreto. Outros viriam.
Paulínia parou na noite de 5 de julho, antecipando em oito horas o movimento previsto para as 7h30 do dia seguinte, e na Bahia a greve começou no dia 7. O governo reagiu com intervenção no sindicato paulista e em outras entidades. No ABC, os metalúrgicos decidiram cruzar os braços em solidariedade aos petroleiros. Foi uma semana de paralisação, durante a qual centenas de funcionários da Petrobras foram demitidos. Mas o movimento é considerado um marco na resistência à ditadura civil-militar, que cairia formalmente em 1985.
Então secretário-geral do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Luiz Gushiken (1950-2013) lembrou em depoimento de um período mais delicado da entidade, por causa da cassação da diretoria no período. "A subsistência financeira e política se deu num quadro completamente adverso, porém se deu em um contexto político de ascenso das lutas reivindicatórias das massas, que permitia que uma direção, mesmo sem o aparato burocrático, mas gozando da legitimidade da categoria, dirigisse o movimento", afirmou, em depoimento ao site ABC de Luta.
A cassação da diretoria e a nomeação de um interventor foi uma retaliação do regime ao envolvimento da entidade dos bancários na greve. A intervenção duraria de agosto daquele ano até março de 1985, quando Gushiken seria eleito presidente do sindicato, semanas antes da morte de Tancredo Neves – cuja morte, anunciada em 21 de abril, levou ao poder José Sarney.
"O jornal diário (Folha Bancária) nunca foi paralisado, mesmo na época da cassação, e nossas reuniões foram realizadas em vários lugares. E isso vai até 1985, quando se faz a grande greve nacional (dos bancários), infringindo uma derrota aos banqueiros", disse Gushiken. Ele e Gilmar Carneiro, outro diretor afastado, chegaram a ser indiciados pelo Dops.
Pouco mais de um mês depois da greve dos petroleiros, em congresso realizado entre 26 a 28 de agosto em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, seria fundada a CUT. Era o desfecho de um processo aberto dois anos antes, com a realização da 1ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), em Praia Grande (SP), que reuniu todas as tendências do movimento sindical, mas se dividiu em alguns temas-chave – como o da formação de uma central. Depois do congresso que criou a CUT, em agosto de 1983, ocorreria outra conferência, três meses depois, quando a sigla Conclat passou a significar "Coordenação", juntando o grupo que originaria a CGT, em 1986 – a central se dividiria em duas em 1989.
Primeiro presidente da CUT, o metalúrgico Jair Meneguelli considera a greve de 1983 "totalmente política". "Estávamos em um congresso em Piracicaba, passamos em Paulínia e ali nós resolvemos pedir à nossa categoria que se solidarizasse com os petroleiros", recorda. Era um tempo em que greve era sinônimo de proibição. "Nossas greves sempre foram decretadas ilegais", lembra.
Ele mesmo chegou a ser preso durante panfletagem, em 1979, diante da Fris Moldu Car, fábrica localizada em São Bernardo. "A maioria saiu correndo, eu não corri. Aí fui dar uma volta de camburão, que nem carga."
Na greve dos metalúrgicos em 1980, a diretoria comandada por Luiz Inácio da Silva, o Lula, foi presa. Para manter o funcionamento do sindicato, Meneguelli lembra que havia o chamado Grupo dos 16, metalúrgicos que participavam das discussões da diretoria, mas não tinham mandato. Nessa época, as reuniões tinham de ser precedidas de alguma cautela, em locais só conhecidos na última hora. "Geralmente era o Bargas (Osvaldo Bargas, ex-diretor) que escolhia. Ele marcava um ponto em determinado lugar, a gente pegava um papelzinho com o local da reunião."
A primeira greve geral, com divergências, foi um marco da reorganização sindical no Brasil, depois de duas décadas de repressão. "O ano de 1983 que, fora do centro, divide a década, foi aquele em que a oposição (vitoriosa nas eleições estaduais de 1982) e o movimento sindical derrotaram no Congresso Nacional, pela primeira vez, um decreto-lei da ditadura (o 2.045, de arrocho salarial) e o movimento sindical paulista realizou a greve geral unitária de 21 de julho", escreveu, em 2014, o consultor sindical João Guilherme Vargas Netto, na Agência Sindical. "Mas os trabalhadores assistiram também, neste ano, a divisão orgânica de seu movimento com o congresso, em agosto, da CUT em São Bernardo e a Conclat, em novembro, na Praia Grande, que daria lugar à CGT."
1986: planos cruzados
Seria o governo Tancredo Neves, mas era o governo José Sarney, o vice (oriundo do regime anterior) que assumiu em 1985 com a morte do titular da chapa, encerrando 21 anos de militares na Presidência da República. No final de fevereiro de 1986, o governo lança o primeiro Plano Cruzado, um ataque "heterodoxo" à inflação, que no ano anterior havia chegado a 239%. A Fazenda era comandada por Dilson Funaro.
O plano trazia congelamento de preços e criava um "gatilho salarial": reajuste automático sempre que a inflação atingisse 20%. O presidente pediu que todos fiscalizassem os preços, e surgiu a expressão "fiscal do Sarney". O consumo explodiu, o desemprego caiu. A euforia durou pouco tempo – houve desabastecimento e volta da inflação –, mas foi suficiente para impulsionar o PMDB, que ganha quase todos os governos estaduais. Surge, então, o Cruzado 2, logo depois das eleições. Meses depois, Funaro é demitido e substituído por Luiz Carlos Bresser-Pereira.
Desgastado, o governo ensaiou um discurso de "pacto social" envolvendo trabalhadores e empresários, mas a iniciativa não prosperou. Jair Meneguelli lembra bem dos pedidos de pacto, como o proposto pelo então ministro do Trabalho de Sarney, Almir Pazzianotto.
"Nós não fomos. Era impossível fazer um pacto, porque era abrir mão do que já tínhamos perdido. Um pacto pressupõe cada um abrir mão de alguma coisa, nós não tínhamos mais o que abrir mão. Só se falava o bolo vai crescer, vai ser dividido, vai crescer, vai ser dividido... O bolo crescia e não era dividido." A expressão sobre o bolo foi cunhada, originalmente, pelo ministro da área econômica na ditadura Delfim Netto.
Toda greve tem "duas faces", observa Meneguelli, mas a de 1986 foi basicamente de motivação econômica, com a inflação descontrolada. "Era terrível. A gente fazia greve nas categorias, repunha parte da inflação, mas na semana seguinte já estava a inflação de novo. Tinha de correr contra o tempo para ganhar da maquininha", diz, em referência à máquina de remarcar preços, muito comum em supermercados.
1989: clima eleitoral
Em 1989, o Brasil voltaria a ter uma eleição para presidente da República, a primeira desde 1960. O motivo principal para a greve convocada para 14 e 15 de março pela CUT e pela CGT, únicas centrais existentes na época (a Força Sindical surgiria em 1991), era outro plano de estabilização – a inflação havia fechado o ano anterior perto de 1.000% –, o Verão, pilotado por Maílson da Nóbrega, o mesmo que hoje dá aulas de como sair da crise, mas a pauta incluía assuntos como reforma agrária e não pagamento da dívida externa.
O movimento atingiu todo o país, em alguns locais com mais intensidade. Os ônibus não circularam em São Paulo, por exemplo. O número de usuários caiu aproximadamente 40% no Metrô. As centrais estimaram a adesão em 70% no país. Entidades patronais, como Fiesp e Febraban, afirmaram que a adesão na capital paulista não passou de 30%. Logo após a greve, a ministra do Trabalho, Dorothea Werneck, afirmou que o governo discutiria com trabalhadores e empresários um novo cálculo de reposição de perdas salariais, mas disse que a medida já havia sido decidida antes de paralisação.
A campanha eleitoral ainda não havia começado, mas o tema já agitava o país. O ex-presidente da CUT lembra, por exemplo, de uma divergência pública com o então secretário-geral do PT, José Dirceu, para quem a greve geral poderia prejudicar a candidatura Lula. Possivelmente não teve influência. Lula superou Leonel Brizola e foi ao segundo turno contra Fernando Collor.
2017: contra reformas
"Para mim, greve é sempre resultado do fracasso de um diálogo. Ninguém gosta de fazer greve", analisa Meneguelli, para quem não faltam motivos para protestar atualmente. "Terceirização aprovada ao arrepio do movimento sindical, uma reforma da Previdência sem transparência, sem participação de toda a sociedade..." Ele lembra que, quando deputado, retomou um projeto sobre terceirização, "discutido amplamente" com os vários atores sociais. "Não havia nenhuma regulamentação. Não havia regras, nenhuma proteção."
O projeto chegou a ser aprovado e seguiu para o Senado, mas foi, segundo Meneguelli, desfigurado pelo relator, o ex-governador da Bahia Paulo Souto. Com mudanças, voltou para a Câmara e terminou engavetado.
O ex-presidente da CUT diz que preferia usar outros termos em vez de "greve geral", difícil de organizar em um país do tamanho do Brasil. "O que era preciso era ter paralisações em todos os estados, e isso a gente conseguia."
Ele recorda ainda das dificuldades de organizar um encontro naquele período (anos 1980), quando não havia celular e nem redes sociais. "Hoje, em uma semana, você convoca 1 milhão de pessoas para uma manifestação. Chamar os sindicatos para o congresso de fundação da CUT (em 1983) era um trabalho de alguns meses." Para ele, o movimento sindical precisa conhecer melhor suas bases, ouvir mais os trabalhadores. "O perfil mudou. Estamos perdendo para as redes sociais."
http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/127/greve-geral-ha-100-anos-quando-o-povo-foi-as-ruas
Nova lei trabalhista dá mais poder as empresas e tornarâ o Brasil subdesenvolvido
Empobrecimento do trabalhador, a queda da massa salarial no país e também a redução na arrecadação tributária e previdenciária
por Leonel Rocha para GGN - Sociedade e Exploração do Capitalista ao Trabalhador no Brasil
Foto: Marcos Santos/ USP Imagens
Jornal GGN - De acordo com entidades sindicais e juristas, a proposta de reforma trabalhista, programada para ser votada pela Câmara dos Deputados nesta semana, retira diversos direitos constitucionais, entre eles a irredutibilidade dos salários para funcionários que continuem exercendo as mesmas funções dentro de uma empresa.
Com isso, as empresas vão poder diminuir os salários de seus empregados, demitindo-os e recontratando-os em regime de terceirização ou através de acordo individuais.
O Departamento Intersindical de Asssessoria Parlamentar (Diap) afirma que o projeto de Rogério Marinho (PSDB-RN) vai além daquilo que era pretendido pelo governo de Michel Temer, colocando mecanismo que desobrigam as empresas de recolhimento do FGTS e também da contribuição da Previdência.
Para especialistas, caso o texto - que altera mais de 200 dispositivos da CLT - seja aprovado, ele irá causar o empobrecimento do trabalhador, a queda da massa salarial no país e também a redução na arrecadação tributária e previdenciária.
Leia mais abaixo:
Do Congresso em Foco
Pela proposta em votação nesta semana, empresa poderá demitir funcionários e recontratá-los, por remuneração inferior, por terceirização ou acordo fechado individualmente. Para juristas e sindicatos, projeto acaba com a Justiça trabalhista e retira direitos constitucionais
O projeto de reforma trabalhista que a Câmara programou para votar nesta semana anula, na prática, direitos constitucionais que protegem o trabalhador desde a década de 1940 e também previstos pela Constituição promulgada em 1988. O principal deles é a irredutibilidade dos salários para quem continua exercendo as mesmas funções em determinada empresa. A conclusão consta de estudos feitos por várias entidades sindicais, juristas especializados no assunto e até pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Se o texto apresentado pelo deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) virar lei, as empresas poderão reduzir os salários de todos os empregados para continuarem exercendo as mesmas funções. Para isso, basta demiti-los e recontratá-los em regime de terceirização ou por acordo fechado individualmente com cada funcionário. Pela proposta do parlamentar, nem mesmo a Justiça poderá interferir no assunto.
Segundo estudos feitos pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Marinho foi além do que o Palácio do Planalto desejava. Ele acrescentou mecanismos que eximem as empresas do recolhimento de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e até da contribuição para a Previdência. Isso será possível com possibilidade de contratação temporária e a troca da carteira assinada pela terceirização dos mesmos trabalhadores que continuam prestando serviços à mesma companhia.
Empobrecimento do Trabalhador
“As consequências serão o empobrecimento do trabalhador a médio prazo, a redução da massa salarial geral do país e até o corte na arrecadação previdenciária e de tributos”, alerta o advogado José Eymard Louguercio, especialista no tema. O advogado lembra que Marinho acatou muitas das 850 emendas apresentadas pelos colegas ao texto enviado pelo governo ao Congresso. A proposta altera mais de 200 dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e de toda a legislação trabalhista vigente.
Rogério Marinho nega que o projeto retire direitos dos trabalhadores e afirma que vai modernizar a legislação e permitir a geração de empregos, ao dar segurança jurídica aos empresários e colocar na formalidade trabalhadores sem carteira assinada.
A Ordem dos Advogados do Brasil alerta que, a médio prazo, as mudanças não vão interessar sequer aos empregadores, já que a redução salarial vai ter como consequência a queda no consumo. “O projeto agride a Constituição e todo o sistema normativo, representa um retrocesso civilizatório com o desrespeito aos direitos adquiridos”, diz o presidente da Ordem, Claudio Lamachia.
Fim da Justiça Trabalhista e Sindicatos
O relatório de Rogério Marinho, na prática, acaba com a Justiça trabalhista, porque impede reclamações nos tribunais regionais e no Tribunal Superior do Trabalho (TST) depois que os acordos coletivos ou individuais forem fechados entre empresas e empregados. Pelo relatório, o Judiciário perde a autoridade para anular os acordos individuais, os acordos e as convenções coletivas contrárias à legislação. Com o texto de Marinho, as delegacias do Trabalho, os tribunais regionais e, em último caso, o TST teriam suas funções praticamente eliminadas.
Outro desmonte previsto no projeto do relator diz respeito à estrutura sindical. Ele propõe a criação da representação dos trabalhadores por empresa e retira das entidades sindicais a autoridade de fazer reclamações coletivas à Justiça. Com a terceirização até das atividades-fim, a proposta de Marinho acaba, na prática, com benefícios como o 13º salário, reduz significativamente as multas aplicadas às empresas que descumprirem a lei, regulamenta o teletrabalho por tarefa, e não por jornada, e dificulta o acesso dos trabalhadores às reclamações judiciais.
O deputado Rogério Marinho, integrante da bancada evangélica e principal defensor do polêmico projeto de Escola sem Partido – propõe o parcelamento das férias em até três períodos e acaba com o princípio de grupo econômico para limitar possíveis reclamações dos trabalhadores exclusivamente à empresa que celebra o contrato direto com os funcionários, eximindo a holding e outras coligadas da responsabilização pelas possíveis ilegalidades cometidas pelo “patrão” direto.
Risco do Trabalhador Receber Abaixo do Mínimo
Para a Frente Associação da Magistratura e do Ministério Público (Frentas), que representa mais de 40 mil juízes, promotores e procuradores, inclusive do Trabalho, trata-se do maior projeto de retirada de direitos trabalhistas já discutido no Congresso Nacional desde a criação da CLT. Em nota assinada pelos presidentes de nove entidades, a frente aponta o risco de o trabalhador passar a receber até mesmo abaixo do salário mínimo.
“São criadas/ampliadas novas formas de contratos de trabalho precários, que diminuem, em muito, direitos e remuneração, permitindo, inclusive, pagamento abaixo do salário mínimo mensal, o que concorreria para o aumento dos já elevados níveis de desemprego e de rotatividade no mercado de trabalho”, destaca a frente em um dos trechos da nota em que pedem aos parlamentares que rejeitem a proposta.
Segundo a Frentas, o substitutivo parte da ideia de que o trabalhador age de “forma ilícita e censurável” na relação processual, colocando a empresa como “ente sacrificado” por essas ações. Em pelo menos duas ocasiões o relatório nega aos trabalhadores a gratuidade processual: quando faltar à primeira audiência e quando as perícias tiverem resultado negativo, retirando dos juízes a possibilidade de exame caso a caso. “São hipóteses que mais parecem ameaças veladas para instrumentalizar passivos sancionatórios que a grande parte dos trabalhadores não teria como pagar, o que resultaria no desestímulo ao acesso à jurisdição e na elitização de uma Justiça reconhecidamente popular”, reclamam as entidades.
O projeto deverá ser votado entre quarta e quinta-feira em plenário e tem o apoio da maioria governista na Câmara. Depois dessa fase, a proposta irá ao Senado, onde o governo também tem maioria. Para virar lei, a reforma trabalhista só precisa ser aprovada por maioria simples dos presentes nas sessões de cada Casa legislativa.
Principais modificações na legislação trabalhista previstas no relatório de Rogério Marinho:
1 - Redução do salário para quem exerce as mesmas funções na mesma empresa com a demissão coletiva e a recontratação via terceirização
2- Prevalência do acordo coletivo ou individual sobre a legislação trabalhista. Isto possibilita que a empresa contrate o empregado com menos direitos do que prevê a convenção coletiva da categoria ou da lei.
3- Terceirização até das atividades fim de qualquer setor
4- Parcelamento das férias em até três períodos à escolha da empresa
5- Fim do conceito de grupo econômico que isenta a holding de responsabilidade pelas ilegalidades de uma das suas associadas
6- Regulamenta o teletrabalho por tarefa e não por jornada
7- Deixa de contabilizar como hora trabalhada o período de deslocamento dos trabalhadores para as empresas, mesmo que o local do trabalho não seja atendido por transporte público e fique a cargo da empresa
8 - Afasta da Justiça do trabalho a atribuição de anular acordos coletivos e até individuais de trabalho
9 – Permite jornada de trabalho de até 12 horas seguidas, por 36 de descanso, para várias categorias hoje regidas por outras normas
10 – Acaba com o princípio de equiparação salarial para as mesmas funções na mesma empresa
http://jornalggn.com.br/noticia/reforma-vai-permitir-que-empresas-reduzam-salarios-de-funcionarios
Lava Jato, delações seletivas e democracia em Atenas
Como as delações seletivas seriam julgadas em Atenas?
por Fábio de Oliveira Ribeiro
No princípio da Lava Jato, as prisões eram decretadas para obter delações que resultariam em novas prisões com a finalidade de que outros delatores em potencial fossem encontrados. Os desvios no instituto da prisão preventiva, evidentes, foram amplamente debatidos pela comunidade jurídica.
Outro desvio pelo qual operou a Lava Jato foi a exagerada exposição pública do Juiz Sérgio Moro. Ele foi fotografado com candidatos a cargos eletivos (Doria Jr.), com sonegadores de impostos (os donos da Rede Globo) e até com investigados por crimes financeiros cometidos no âmbito da operação que ele conduz (Aécio Neves e José Serra). A conduta dele, que poderia ser considerada repreensível à luz da Lei Orgânica da Magistratura, jamais foi repreendida pelo CNJ.
A Lava Jato também se caracterizou por vazamentos seletivos. Os crimes cometidos por servidores públicos em detrimento de alguns suspeitos para dar visibilidade à operação (e, oportunidade para a imprensa construir uma imagem da mesma contra o PT, apesar de vários investigados serem do PMDB e do PSDB) nunca foram objeto de investigação e punição. A gravação ilegal de uma conversa telefônica da presidente da república foi vazada pelo próprio juiz. Mas a conduta dele (duplamente criminosa neste caso) também não foi objeto de investigação e punição.
Outro desvio pelo qual operou a Lava Jato foi a exagerada exposição pública do Juiz Sérgio Moro. Ele foi fotografado com candidatos a cargos eletivos (Doria Jr.), com sonegadores de impostos (os donos da Rede Globo) e até com investigados por crimes financeiros cometidos no âmbito da operação que ele conduz (Aécio Neves e José Serra). A conduta dele, que poderia ser considerada repreensível à luz da Lei Orgânica da Magistratura, jamais foi repreendida pelo CNJ.
A Lava Jato também se caracterizou por vazamentos seletivos. Os crimes cometidos por servidores públicos em detrimento de alguns suspeitos para dar visibilidade à operação (e, oportunidade para a imprensa construir uma imagem da mesma contra o PT, apesar de vários investigados serem do PMDB e do PSDB) nunca foram objeto de investigação e punição. A gravação ilegal de uma conversa telefônica da presidente da república foi vazada pelo próprio juiz. Mas a conduta dele (duplamente criminosa neste caso) também não foi objeto de investigação e punição.
Desde que começou, a Lava Jato tem se caracterizado por um processo de exceção conduzido por um Tribunal de Exceção. Este fenômeno, aliás, foi confirmado duas vezes por decisões do TRF 4 (Ver em http://www.conjur.com.br/2016-set-23/lava-jato-nao-seguir-regras-casos-comuns-trf).
Após a queda de Dilma Rousseff, à Lava Jato foi acrescentado o caso do Triplex. Segundo a denúncia, Lula teria recebido um apartamento para beneficiar uma construtora. A propriedade do imóvel não está registrada em nome do ex-presidente e ele nunca teve a posse do mesmo. O IPTU do apartamento tem sido pago pelo seu verdadeiro proprietário. Mas estes fatos foram ignorados pela acusação (a denúncia não pode ser feita sem indício de prova) e pelo juiz que a recebeu (o caso deveria ter sido arquivado por absoluta ausência de causa justa para o início do processo criminal)
Nos últimos dias o caso do Triplex e da Lava Jato entraram numa nova fase. Agora, os delatores (investigados por crimes que eles mesmos cometeram) estão sendo estimulados a delatar apenas um investigado: Lula. As delações seletivas estariam sendo obtidas pelo MPF mediante acordos celebrados com os réus, fato que levou o advogado de Lula a exigir a investigação do que está ocorrendo. (Ver em http://jornalggn.com.br/noticia/triplex-advogado-pediu-a-pgr-apuracao-sobre-versao-combinada-contra-lula)
Em relação aos crimes financeiros, legislação brasileira que regula a delação (art. 16, parágrafo único, da Lei 8.137/1990, incluído pela Lei 9.080/1995 é clara.
“Art. 16. Qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa do Ministério Público nos crimes descritos nesta lei, fornecendo-lhe por escrito informações sobre o fato e a autoria, bem como indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.
Parágrafo único. Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços. (Parágrafo incluído pela Lei nº 9.080, de 19.7.1995)
A delação deve ser voluntária. Portanto, não pode ser obtida mediante prisão preventiva ou tortura (privação ilegal da liberdade). A amplitude da delação (os fatos criminosos narrados à autoridade e os autores dos mesmos) não pode ser definida pelo MPF, pois o órgão de acusação não pode escolher quem será e quem não será criminalmente perseguido. Ao selecionar quem deve ser delatado e qual delação será julgada inadmissível pelo órgão de acusação, o membro do MP não somente compromete sua necessária isenção em relação aos criminosos passíveis de serem investigados como também corre o risco de ser acusado do crime de prevaricação.
Atenas é considerado o berço da democracia, do regime formalmente adotado no Brasil pela CF/88. Portanto, me parece justo recorrer à legislação ateniense sempre que a ação do MP e do Judiciário brasileiro compromete os fundamentos da democracia brasileira.
Lula foi acusado de receber ou de exigir suborno, crime que era definido em Atenas da seguinte maneira:
(Leis da Grécia Antiga, Ilias Arnaoutoglou, Odysseus Editora, São Paulo, 2003)
Se estivéssemos em Atenas, os promotores que desvirtuam o instituto da delação premiada para obter delações seletivas poderiam ser acusados do crime de suborno. Afinal, eles corrompem os investigados com prêmios em detrimento do Estado (que tem o direito de perseguir todos os deletados) e de um cidadão (Lula). No Brasil, contudo, os membros do MPF e do judiciário estão cometendo toda sorte de abusos sem sofrer qualquer sanção administrativa, funcional, criminal ou pública (a imprensa se apóia nos protagonistas da operação para ferir mortalmente o PT, preservando as quadrilhas do PMDB e do PSDB).
Tudo bem pesado, o caso das delações seletivas apenas reforça a necessidade de uma Lei que reprima com rigor o que os meninos da Lava Jato/Triplex estão fazendo. O regime de exceção construído pelo MP, Justiça Federal e imprensa deve ser confrontado e derrotado. Caso contrário a paz pública será substituída por uma guerra aberta declarada entre os partidos políticos prejudicados e aqueles que estão sendo beneficiados criminosamente pelos agentes do Estado brasileiro.
http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/como-as-delacoes-seletivas-seriam-julgadas-em-atenas-por-fabio-de-oliveira-ribeiro
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