Antonio Lassance*
Ultra-direita esquentando os tamborins |
Em junho de 2014, quando for dado o pontapé inicial da Copa do Mundo de
futebol, os protestos que incendiaram as cidades em 2013 terão
completado um ano.
Até lá, duas perguntas ficarão no ar. A primeira é se as respostas dadas
às Jornadas de Junho terão sido satisfatórias para evitar uma nova onda
de manifestações de rua de grandes dimensões. A segunda é em que
medida, caso ocorram tais manifestações, elas terão alguma influência
nas eleições de 2014 – e em que direção.
No primeiro semestre, a principal aposta da oposição tradicional
(PSDB-DEM) e da neo-oposição (PSB) é em torno de uma piora das contas
públicas; de um repique inflacionário; de novos indicadores de baixo
crescimento do PIB; e de saldos negativos na balança comercial. O
coroamento do resumo da ópera seria um rebaixamento do Brasil na
avaliação das agências de avaliação de risco, as famigeradas que só querem o bem dos banqueiros.
A copa promove quase que uma pausa, um suspense entre o primeiro
semestre e as eleições. Em meio à torcida, à festa e, eventualmente, à
decepção ou comemoração com os resultados dos jogos, a campanha das eleições só engrena mesmo a
partir de agosto e pega fogo em setembro.
Será preciso uma tragédia na Copa para que ela se torne uma bala de
prata, o tiro certeiro e mortal capaz de desmoralizar e abater a
candidatura que, por enquanto, se apresenta como favorita.
A carga dramática de um eventual problema pode ser elevada por uma
cobertura midiática deturpada, o que ocorre em dez em cada dez eleições.
O fiel da balança será o papel da internet ou das redes sociais.
Nas eleições de 2014, ela
será muito mais importante do que foi em 2010. Se o debate na internet
não for empunhado por um ativismo político formado e informado, dedicado
a discutir e defender as políticas de promoção da igualdade, haverá um
retrocesso patrocinado pelos curtidores da desgraça e pela direita cujo
esporte predileto é disseminar o ódio. Se não houver uma blogosfera
convincente e convencida a defender os avanços conquistados a duras
penas, e pronta para desmascarar armações, qualquer bolinha de papel
poderá ser transformada em um grande atentado, como vem ocorrendo com a morte do operador de camera da Band.
Na “operação de guerra” a ser montada pelos governos para a Copa, o
efetivo policial será mais ostensivo. As férias escolares serão
antecipadas e o serviço público funcionará em horário diferenciado. Com
isso, as ruas serão deliberadamente esvaziadas, e os locais dos jogos
serão cirurgicamente isolados. As maiores aglomerações se darão em
praças, praias e outros locais públicos, com os telões e uma multidão
interessada em ver os jogos e espantar confusões.
Os mascarados não terão a mesma facilidade para agir que tiveram em
2013. Não serão recebidos com a mesma benevolência de quando ainda eram
uma novidade nas ruas. Em 2014, é mais arriscado que apanhem do povo do
que da polícia, tal o grau de rejeição que fizeram cultivar contra si
próprios com os espetáculos de quebra-quebra.
Os problemas de mobilidade urbana continuarão existindo, mas,
possivelmente, durante a Copa eles serão menos visíveis. Os aeroportos e
as companhias aéreas provavelmente estarão tinindo em junho e julho –
depois, voltarão a apresentar seus conhecidos problemas. É como a casa
que fica mais arrumada quando recebe visita.
O que deve ocorrer, em 2014, é o que passou a prevalecer após as jornadas de junho. Manifestações em menor escala, puxadas por categorias
organizadas de trabalhadores ou organizações dos movimentos sociais,
com lideranças claras, visíveis, e reivindicações pontuais. Mesmo com
menos gente na rua, essas manifestações têm sido capazes de obstruir
vias, ocupar os edifícios de poderes públicos e desmoralizar aqueles que,
eleitos, preferem agenciar negócios, a defender as necessidades públicas. São
mobilizações com começo, meio e fim.
O momento mais propício a novas reivindicações, a rigor, é maio, mês de
data-base dos contratos coletivos de trabalho de muitas categorias,
antecipadamente à montagem dos esquemas de segurança para a Copa e ao
clima de festa e de esvaziamento das ruas.
Um outro fator ajudará bastante. A imagem do país estará em jogo; o
orgulho nacional, em campo. Ninguém quer dar asas, debaixo de nossos
próprios narizes, ao complexo de vira-latas que acha que por aqui nada
presta, nada funciona, e que o Brasil está sempre fadado a dar vexame
diante do mundo. Ninguém quer ver turistas intimidados ou espremidos em
um corredor polonês, com manifestantes, de um lado, e a polícia, de
outro. Todos torcem para que a Copa termine sem mortos, sem feridos e
sem cheiro de gás lacrimogêneo.
A percepção dos brasileiros sobre a Copa, conforme aferida em pesquisas,
mudou muito. Inicialmente, a conquista do governo Lula de trazer o
campeonato mundial para o Brasil havia sido motivo de alegria, saudada
efusivamente por um povo que é apaixonado por futebol. Neste ano, com os
protestos, o jogo virou. A Copa passou a ser vista com um misto de
incompreensão, frustração e revolta. Quase um presente de grego.
Apesar
da importância inegável do evento - do contrário, essa indicação não
seria disputada a tapa por muitos países -, até o momento, não se
conseguiu mostrar que fazer uma copa vale a pena para qualquer país
sede. Mais do que as seleções, é isso que estará em jogo em 2014. Parece
um mero problema de comunicação, mas não é.
O país certamente mudou para melhor, na última década. O problema é
justamente a sensação generalizada de que as coisas ainda estão pela
metade. A Copa e seu símbolo maior, os estádios, apenas fizeram aflorar
esse sentimento.
O Brasil tem mantido uma trajetória de crescimento com redução das
desigualdades, o que é um grande feito, mas, ultimamente, o ritmo de
ambos tem diminuído. O país irá para a primeira eleição com a vigência
plena da lei da Ficha Limpa; no entanto, terá ainda uma legião de
candidatos fichas suja desfilando, impunes. O STF provavelmente decidirá
pela inconstitucionalidade do financiamento de empresas a campanhas
eleitorais, mas dificilmente isso já valerá para as eleições do ano que
vem. O Congresso acabou com o voto secreto, mas apenas em parte.
O País tem um piso salarial nacional para os professores, mas a maioria
dos municípios não paga esse valor. Temos uma importante Lei Maria da
Penha, mas a violência contra a mulher ainda é epidêmica. Permite-se a
união entre pessoas do mesmo sexo, mas a homofobia está cada vez mais
agressiva. Temos uma presidenta mulher, mas menos de 10% do Congresso
Nacional são deputadas ou senadoras. Reduzimos a miséria com grande
velocidade, mas ainda somos extremamente desiguais. Enfim, o país ainda é
uma grande obra social inacabada.
Depois da vertiginosa mudança social ocorrida no país durante a última
década, a maior transformação experimentada durante a presidência Dilma
foi na própria cidadania política. Houve um salto no grau de exigência
política dos brasileiros em relação ao que se espera do Estado e dos políticos. Na
forma como as pessoas encaram seus representantes. Essa é a mudança mais
relevante de todas, o que torna a campanha de 2014 mais difícil para o
governo federal e estadual, mas também para aquela oposição esquálida em propostas e ávida,
como sempre, por uma simples bala de prata.
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