Empresas fabricantes de cigarros orientam fumicultores a aplicarem ao menos 11 produtos químicos proibidos na União Europeia
por Poliana Dallabrida da Repórter Brasil e Sul 21 – Sociedade e Republica das Bananeiras
Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil
Mais de 8 milhões de pessoas morrem todos os anos pela exposição à fumaça do cigarro, estima a Organização Mundial da Saúde. O que esse cálculo não inclui são os riscos à saúde para quem produz o tabaco. Substâncias que podem causar câncer, são tóxicas para a reprodução humana ou desregulam a produção hormonal do corpo humano estão presentes em parte dos agrotóxicos usados por fumicultores do Brasil, maior exportador mundial.
Uma investigação exclusiva da Repórter
Brasil e da organização de jornalismo investigativo
dinamarquesa Danwatch revela que 11 produtos usados
nas lavouras brasileiras de fumo são feitos à base de substâncias – chamadas de
ingredientes-ativos – banidas na União Europeia. Mesmo assim, é justamente
essa região o principal destino do tabaco exportado pelo Brasil. Em 2022, o
bloco recebeu 40% das exportações brasileiras de
tabaco. A Bélgica é o maior comprador,
à frente da China e dos Estados Unidos.
A Repórter
Brasil teve acesso às listas de agrotóxicos prescritos pela Philip
Morris e pela British American Tobacco (BAT) à seus fornecedores. Juntas, as
empresas recomendam o uso de até 25 produtos químicos nas lavouras, entre
inseticidas, fungicidas, herbicidas e antibrotantes, entre eles os inseticidas
Actara (com o ingrediente-ativo tiametoxam), Certero (triflumurom), Evidence 700
WG e Confidor Supra (imidacloprido), Nomolt 150
(teflubenzurom) e Talstar (bifentrina), os fungicidas
Dithane NT, Ridomil Gold (mancozebe) e Rovral (iprodiona) e os herbicidas
Boral 500 (sulfrentazona) e Yamato SC
(piroxasulfona) – cujos
ingredientes ativos são proibidos no bloco europeu por causarem danos à saúde.
“Admitir que usamos agrotóxicos cujos estudos já
estão consolidados e apontam que fazem mal à saúde, é nos colocarmos como um
país submisso num mercado global de commodities”, afirma o pesquisador Francco
de Souza e Lima, do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador da
Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). “Para priorizar a exportação, nos
sujeitamos a passar mal, a adoecer, e morrer, porque o resultado da exposição a
essas substâncias é adoecimento.”
A reportagem visitou dez propriedades fumicultores
nos três estados da região Sul do país, responsável por 95% da produção nacional, e não encontrou
nenhum trabalhador usando os equipamentos de proteção (EPIs) recomendados
para uma aplicação, teoricamente, segura dos produtos químicos.
Consultadas pela reportagem, as multinacionais
processadoras de tabaco informaram que estão substituindo os produtos danosos –
ou recomendando essa substituição aos agricultores com os quais têm contrato de
fornecimento. A Japan Tabacco International (JTI), por exemplo, diz que
substituiu o uso dos pesticidas Actara, Confidor Supra e Talstar e que não
recomenda o produto Yamato SC. “Cada país ou região é responsável por liberar
ou proibir o uso de qualquer ingrediente ativo”, complementa.
A BAT afirmou que seus fornecedores usam apenas
“agroquímicos aprovados, com a menor toxicidade possível” e que devem evitar
produtos classificados como altamente perigosos (highly hazardous pesticides ou
HHPs, na sigla em inglês) pela Organização Mundial da Saúde. “Quaisquer
agroquímicos classificados como HHPs, usados antes de 2018, foram substituídos
ou retirados da cadeia de produção da BAT”.
A Philip Morris respondeu que “vem promovendo
proativamente o uso de compostos biológicos em detrimento de produtos químicos,
visando reduzir o uso de defensivos”.
Já a Alliance One recomenda o uso de produtos
químicos registrados pelos órgãos governamentais competentes. A Universal Leaf
não respondeu aos questionamentos enviados até o fechamento desta reportagem. O
espaço segue aberto para manifestações futuras.
Santa
Cruz do Sul RS ouTabacolândia
O pórtico de entrada da cidade gaúcha de Santa Cruz do Sul traz, em destaque, a logomarca da fabricante de cigarros Souza Cruz, antigo nome da BAT Brasil. O detalhe não deixa dúvidas: o visitante está entrando na capital nacional do fumo. No município, localizado a 150 km de Porto Alegre e com pouco mais de 130 mil habitantes, estão instaladas as fábricas de multinacionais onde saem os cigarros Marlboro (Philip Morris) e Lucky Strike (BAT).
O PIB per capita local é 5 vezes maior que a média
do estado e o centro da cidade tem calçadas limpas repletas de canteiros de
flores e uma praça com grama impecavelmente cortada, que é coroada por uma
imponente igreja em estilo gótico construída por imigrantes alemães e
italianos. As marcas do setor tabagista estão por todos os lados. Em novembro,
quando a Repórter Brasil visitou
o município, as principais avenidas estavam decoradas com bandeiras da
Oktoberfest de Santa Cruz, e as multinacionais Philip Morris, BAT, a americana
Universal Leaf e a japonesa Japan International Tobacco (JTI) se destacavam
entre as patrocinadoras da festa.
Distante apenas 35 km de Santa Cruz do Sul está
Vale do Sol, município de 11 mil habitantes formado sobretudo por pequenas
propriedades rurais fornecedoras de tabaco. O cenário ali é bem diferente da
potência econômica da cidade vizinha: casas simples dominam a paisagem, onde
ainda se pode ver carroças carregadas de folhas de fumo puxadas por bois e
famílias inteiras dedicadas ao cultivo. São pequenos e médios municípios como
Vale do Sol que garantem o fornecimento de tabaco para o mundo. O Brasil é
o segundo maior produtor global, atrás apenas da China, e principal
exportador.
No interior de Vale do Sol vive Daniel*, que
produz tabaco junto com a esposa, o filho e a nora para a Universal Leaf.
Consciente dos riscos que a aplicação incorreta de agrotóxicos pode trazer à
sua saúde, ele admite que não usa a roupa de proteção recomendada pelas
empresas são incompatíveis com a atividade: uma segunda pele de mangas longas e
calça comprida, mais um macacão de lona, botas e luvas e ainda uma máscara que
cobre rosto e pescoço inteiramente. “Se botar a roupa, não aguenta de calor.
Faz mais mal ainda”, resume Daniel*. Seu verdadeiro nome e de todos os
fumicultores entrevistados serão ocultados para evitar represálias às famílias,
como o cancelamento do contrato de venda de fumo.
Uma pesquisa publicada em 2017 mostra
que o fumo usa, em média, 60 litros de agrotóxico por hectare plantado. Essa
foi a maior média entre os 21 cultivos analisados no estudo, produzido por
pesquisadores do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador da
Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), referência em pesquisas sobre o
tema. “Analisamos o uso do produto formulado, ou seja, que ainda não foi
diluído, que é o que é vendido aos agricultores”, explica o
pesquisador Francco Antonio Neri de Souza e Lima, um dos autores do
trabalho.
Uma conclusão completamente oposta aparece numa pesquisa
conduzida por dois professores da Esalq, a escola de agricultura da
Universidade de São Paulo (USP), e amplamente compartilhada em materiais de
divulgação do sindicato das indústrias do tabaco. Publicada em novembro de 2019,
a pesquisa aponta que o tabaco, entre 19 culturas analisadas, demanda a menor
quantidade de agrotóxicos. Tomate, maçã e batata inglesa são,
proporcionalmente, as lavouras que mais utilizam, sustenta o documento. Nesse
estudo, os pesquisadores fizeram os cálculos com base em quilogramas de
ingrediente-ativo por hectare cultivado.
Plantadores
de Fumo fazem a Piscina de agrotóxicos
No caso do tabaco, a maior parte dos agrotóxicos é usada na produção das mudas, feitas em pequenos canteiros. Mas também há pulverização na etapa final de crescimento das plantas.
Para a produção das mudas de fumo, as sementes são
plantadas em bandejas de plástico dispostas lado a lado numa lona no chão.
Cercada por tijolos ou tábuas de madeira, essa área, que os fumicultores chamam
de “piscina”, é preenchida com até 10 centímetros de água e banhada com
pesticidas, jogados com um regador de plantas. Quando as mudas atingem cinco
centímetros, são retiradas das bandejas e plantadas na terra.
Há riscos de contaminação do solo se a lona estiver
furada ou não for corretamente descartada após a produção das mudas. Era esse o
caso da propriedade de Joaquim* em Vale do Sol. Os 50 mil pés de fumo
cultivados ali seriam futuramente vendidos para a Philip Morris. A piscina
outrora usada para a produção de mudas estava cheia de água da chuva. Dentro,
boiavam uma embalagem de agrotóxico e um pequeno sapo morto.
Em propriedade fornecedora da Philip Morris, piscina de agrotóxicos onde foram produzidas as mudas de tabaco, é deixada à céu aberto. Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil
A segunda situação de exposição mais intensa do fumicultor com os agrotóxicos se dá dias antes da colheita. Quando o tabaco está quase “no ponto”, como dizem, é preciso cortar os brotos que surgem no topo da planta. Enquanto um trabalhador quebra o broto do tabaco, outro despeja um jato do agrotóxico antibrotante no talo remanescente da planta. Para isso, tanto a Philip Morris como a BAT recomendam o uso dos produtos Deoro ou PrimePlus.
Numa manhã quente de novembro, o fumicultor Tiago*,
fornecedor da Japan Tabacco International (JTI), fazia a mistura dos
produtos sem sequer usar luvas. Os frascos estavam jogados no chão, ao lado do
carrinho que levava a bomba costal usada para aplicação do produto e de galões
com água usada para diluir o agrotóxico. Inquirido sobre o uso do EPI, ele
começou a gaguejar, constrangido. “A gente tem que ter, só que é muito quente.
Eu estou acostumado a trabalhar assim. Só que se a firma me pegar..”, disse,
sem conseguir terminar a frase. Por sua vez, a empresa informa que fornece, a
preço de custo, “uma vestimenta produzida com tecido mais leve e que possui
sistema de ventilação” para aplicação dos químicos.
A poucos metros dali, outro trabalhador sem
máscara, luvas ou roupas impermeabilizantes aplicava o
antibrotante com uma bomba costal. Nessa área, que pertence a
Francisco*, pai de Tiago*, a produção costuma ser vendida para indústrias
locais ou para “picaretas”, como são chamados os compradores de fumo que atuam
como intermediários entre os produtores e as indústrias processadoras.
Francisco reconhece que são raras as ocasiões em
que o equipamento completo é usado. “Usamos só quando estamos trabalhando na
beira da estrada porque não sabemos quando o Ministério Público [do Trabalho,
órgão responsável pela fiscalização das condições de trabalho no setor] vem.
[Com a roupa] tu sua, sua, sua. Tu não aguenta”, diz.
Joaquim*, fornecedor da Philip Morris, mostrou à
reportagem o pacote de EPIs fechado, apesar de garantir que faz uso do
equipamento completo sempre que necessário. À Repórter Brasil, a empresa reforçou que o uso dos EPIs é
“obrigatório e previsto contratualmente”, verificado em visitas técnicas e
também por meio de auditorias externas.
Pacote com equipamentos de proteção são oferecidos a preço de custo para fumicultores, mas o calor e a redução da mobilidade dificultam uso no dia a dia. Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil
“Olha, acho que uns 10% dos produtores usam todo o equipamento que as empresas dão”, estima Maycon, jovem que cresceu numa família de fumicultores, mas que hoje atua numa cooperativa que produz sementes orgânicas em Santa Cruz do Sul. “O resto não usa. Ou só usa quando tem visita técnica”.
“O uso do EPI é uma realidade de um universo
paralelo”, afirma o pesquisador Francco Antonio Neri de Souza e Lima, da UFMT.
“O EPI é difícil de ser usado. São roupas de borracha, impermeáveis. O setor
tem uma tentativa de responsabilizar o trabalhador: ‘é ele que não utiliza’, ‘é
ele que não quer usar’. Mas as condições de trabalho são difíceis para usar o
equipamento; é quente, atrapalha a mobilidade”, explica.
Cancer
e Morte: Intoxicação no trabalho
É comum ouvir histórias de intoxicações por agrotóxicos na produção de fumo. Maycon conta uma experiência recente com o antibrotante Primeplus. Um mês antes de conceder entrevista à reportagem, num sábado de sol, enquanto ele desbrotava o fumo, o sogro aplicava o antibrotante Primeplus. “Eu só sentia o cheiro daquele produto. À noite começou a me dar dor de cabeça, vômito. No outro dia eu não aguentei mais e fui pro hospital. Fiquei meio dia lá, tomei soro, medicação. Tinha tanta dor na cabeça que meus olhos pareciam que iam pular pra fora”, relatou.
Pesquisas listam os riscos à saúde dos fumicultores
com a exposição prolongada aos agrotóxicos usados no setor. Um estudo publicado em 2017 realizou
entrevistas e exames clínicos em 46 produtores de tabaco de Rio Azul (PR),
município com a sexta maior área de
lavoura de fumo do país. Do grupo analisado, 20 fumicultores foram
diagnosticados com intoxicação crônica por agrotóxicos – diferentemente da
aguda, essa ocorre pela exposição aos produtos ao longo de vários anos.
Outro estudo, de 2014, aponta que a intoxicação por
pesticidas e o uso de agrotóxicos, especialmente os da classe de
organofosforados, aumentam a taxas de suicídio.
No mesmo ano, uma pesquisa realizada com
2,4 mil fumicultores mostrou ainda que exposição à agrotóxicos em sete ou mais
situações – como entrada na lavoura após aplicação dos produtos químicos ou
mesmo contato com a roupa usada nesse processo – aumenta em 88% a possibilidade
de desenvolvimento de transtornos psiquiátricos.
A crise de saúde mental entre fumicultores é
alarmante, com um uso indiscriminado de remédios
antidepressivos, segundo profissionais de saúde de municípios
produtores de tabaco ouvidos pela Agência Pública.
“Eu
só queria a minha vida de volta”
A história de Maycon e de outros fumicultores
ouvidos pela Repórter Brasil em campo são,
em geral, de intoxicações pontuais. Mas há quem carregue o trauma, as marcas e
as dores da exposição aos agrotóxicos para sempre. “Eu só queria a minha vida
de volta”, reclama a ex-fumicultora Lídia Maria Bandacheski do Prado.
Lídia sofre de Polineuropatia Tardia Induzida por
Organofosforados, doença que contraiu pela exposição aos agrotóxicos da lavoura
de fumo. Com a enfermidade, ele perdeu o movimento das pernas, teve o movimento
dos braços limitado e passou a sofrer uma série de outras complicações. São
mais de sete médicos especialistas que a agricultora consulta com frequência,
além de acompanhamento com fisioterapeuta, massagista e psicólogo. “Eu sinto
dores terríveis que começam nas mãos e vão subindo para os braços. Tem dias que
acordo e estou toda inchada, mal consigo me mexer”, relata.
Lídia Mara precisa de ajuda da mãe (ao fundo)
para realizar atividades básicas do dia a dia, como preparar o almoço. Foto:
Fernando Martinho/Repórter Brasil
A ex-fumicultora mora em Rio Azul. Ainda criança, com 8 anos, começou a trabalhar com os pais. “Hoje as estufas estão mais modernas, mas no meu tempo a gente dormia nas pilhas de fumo, na pilha de veneno. A empresa sugava tanto que a nossa casa era dividida com o paiol de fumo. Sentíamos o cheiro de nicotina, de veneno.”
Os primeiros sintomas da doença começaram em 2007,
mas o diagnóstico de intoxicação por agrotóxicos veio só em 2010, depois de uma
saga por diversas especialidades médicas. Em 2015, um médico de Rio Azul
atestou que a doença que Lídia havia contraído fora causada pelo trabalho. O
reconhecimento do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e a concessão da
aposentadoria por invalidez chegou apenas em 2017.
Desde 2015 a ex-fumicultora trava uma batalha
judicial contra a multinacional Alliance One, que mantinha contrato de compra e
venda de fumo com Lídia e o esposo. Vânia Mara Moreira dos Santos, advogada de
Lídia, explica que a empresa questiona o diagnóstico obtido em 2015 – o
documento que associa a doença à exposição aos agrotóxicos usados no
setor.
O médico perito contratado pela Alliance One afirma
que Lídia não tem polineuropatia. “Na perícia ele diz que ela tem várias outras
coisas, inclusive obesidade mórbida, e que uma coisa vai ocasionando a outra,
mas nada causado pelos agrotóxicos”.
O mesmo perito contratado pela Alliance One também
foi coordenador de um estudo patrocinado
pela Associação Brasileira de Produtores de Soja (Aprosoja) para
avaliar o risco da exposição de trabalhadores rurais ao paraquate, agrotóxico
com potencial de causar mutações genéticas, danos renais e doença de Parkinson.
A pesquisa tinha o objetivo de reverter a proibição do agrotóxico pela Anvisa,
que aconteceria em setembro de 2020.
Segundo a advogada de Lídia, a Alliance One
questiona também sua responsabilidade com a ex-fornecedora de tabaco. “Eles
dizem que o contrato deles é um contrato de compra e venda, portanto eles não
seriam responsáveis”, afirma. “Não existe um vínculo empregatício, mas existe
uma relação de trabalho. São eles que determinam tudo que é feito na safra.
Desde o momento em que entregam os agrotóxicos até quando se faz a
classificação [da qualidade do tabaco], tudo é determinado pela empresa”,
completa Santos.
A ex-fumicultora ganhou o processo na primeira
instância. O juiz responsável pela análise do caso reconheceu o nexo causal
entre a doença e o trabalho na lavoura de fumo. Reconheceu também a relação de
trabalho entre a agricultora e a Alliance One. A empresa recorreu da decisão.
Enquanto o processo segue em tramitação, a multinacional precisa pagar
mensalmente R$ 6,4 mil para cobrir os custos médicos de sua
ex-fornecedora.
Procurada pela reportagem, a Alliance One afirmou que
“não se manifesta em relação a processos judiciais em andamento”.
Agricultores
Sofrem Overdose de nicotina na Colheita
Além do uso de agrotóxicos com substâncias proibidas na União Europeia, os fumicultores estão expostos aos riscos que também acontecem durante a colheita do tabaco. Nesse período, a coleta de folhas de fumo úmidas, seja pela chuva, pelo orvalho da manhã ou pelo próprio suor do trabalhador, desprende altas quantidades de nicotina, causando uma overdose da substância.
Todos que atuam no setor sabem o nome desse tipo de
intoxicação: é a Doença da Folha Verde do Tabaco, diagnosticada nos anos 1970,
e que tem entre os sintomas dor de cabeça, náuseas, vômito e tonturas. “É uma
coisa muito triste. Se você não vai para o hospital tomar soro, não passa”,
explica José*, fumicultor em Santa Cruz do Sul e fornecedor da multinacional
americana Alliance One.
Nas dez propriedades produtoras de fumo visitadas
pela Repórter Brasil, a
reportagem não encontrou nenhum produtor ou trabalhador contratado usando o EPI
completo recomendado para realizar a colheita – luvas, blusa de manga comprida
e o avental plástico que funciona como capa protetora, como usado por
representantes de classe e políticos locais em foto tirada durante a abertura
da colheita de fumo de 2017, divulgada pela Associação de Fumicultores do
Brasil, a Afubra.
“Tem uma capa plástica para colocar, mas o sol é quente demais. Imagina [trabalhar] embaixo de um plástico”, afirma Daniel*, o produtor de Vale do Sol (RS) que vende para a multinacional americana Universal Leaf. “A gente até tenta se vestir, mas não dá para aguentar o calor, então a gente vai assim mesmo”, diz ele, apontando para as próprias roupas.
A Alliance One informou que suas equipes orientam sobre o uso correto e
completo dos EPIs e que a vestimenta de colheita de tabaco úmido ou molhado
assegura uma diminuição de 98% da exposição dérmica. “Outras iniciativas
setoriais para produção de EPI estão em andamento, ainda em fase de estudos”,
completou.
A Universal Leaf não respondeu aos questionamentos enviados até o
fechamento desta reportagem. O Repórter Brasil tem espaço aberto para
manifestações futuras das multinacionais.
Esta reportagem foi realizada com o apoio do Journalismfund.eu.
Publicado no Sul 21 e Repórter Brasil :