Para
Boaventura, estamos vivendo um ciclo reacionário, típico entre intervalos das
globalizações – o que faz aumentar a rivalidade e a agressividade entre os
países. Para ele, a face mais visível desse processo é a do ex-assessor de
Donald Trump, Steve Bannon, que assessorou a campanha e mantém contato com a
equipe de Bolsonaro no Brasil
por Javier Martín del Barrio
no El País e redação da Revista Forum – Sociedade e Luta Contra Ultra Direita Global
Foto na Revista Forum on-line
Em entrevista a Javier Martín del Barrio, no jornal
espanhol El País, o sociólogo português Boaventura de
Sousa Santos, uma das maiores referências mundiais, diz que a vitória de Jair
Bolsonaro (PSL) nas eleições presidenciais brasileiras está atrelada a uma nova
investida do “imperialismo americano” – termo que, segundo ele, deixou de ser
usado na mídia, mas ainda existe, “embora andassem distraídos na primeira
década do século”.
Ao
comentar o otimismo do mercado financeiro com a derrota do PT, o sociólogo
começa a descrever os motivos desse novo levante da extrema-direita relacionada
à ação do sistema financeiro e da indústria do petróleo, que têm berço
sobretudo nos Estados Unidos.
“Em vez
da reação das pessoas, a primeira notícia da mídia é a reação dos mercados. A
Bolsa é controlada por cinco grandes instituições financeiras, que movimentam
50 trilhões dos 90 trilhões (de dólares) do PIB mundial e têm, portanto, um
poder enorme de chantagem sobre os sistemas políticos nacionais. A derrota da
esquerda no Brasil não é alheia ao imperialismo americano”, diz.
Segundo
Boaventura, até 2009, o foco dos Estados Unidos estava concentrado no Iraque, o
que abriu a janela de oportunidades para que as forças progressistas chegassem
ao poder no Brasil, Argentina, Venezuela, Bolívia, Equador e Chile. Foi quando,
segundo o sociólogo, eles descobriram que estavam perdendo a América Latina
para a China.
“A China se
juntou à Rússia, Índia, Brasil e África do Sul, os BRICS. Esse projeto, ao
contrário do que poderíamos imaginar, era um aviso temível para os Estados
Unidos. Tinha que ser neutralizado a qualquer preço porque colocaria em questão
o mais sagrado do império americano, o dólar. Em 1971, deixou de estar
respaldado pelo padrão-ouro, mas os EUA entraram em acordo com a família real
saudita para que o dólar fosse a única moeda de pagamento das transações
petrolíferas”.
De acordo
com o português, qualquer ameaça para acabar com o dólar como única referência
do comércio mundial provoca uma reação brutal da Casa Branca. Dessa vez,
segundo ele, há um avanço da política externa estadunidense em várias frentes
para frear a ameaça chinesa, que pode se consolidar como próximo país
hegemônico.
“Leio
atentamente todos os documentos da CIA para ver o futuro com seus olhos. A
grande ameaça para manter sua hegemonia mundial é a China. Em 2030 será a
primeira economia. Vivemos um intervalo entre duas globalizações. Tivemos
várias desde 1870, cada uma dominada por uma inovação tecnológica, do motor a
vapor à Internet. As últimas sempre foram dominadas pelos Estados Unidos, mas
vamos entrar em uma nova onda de inovação, estrelada pela inteligência
artificial, a robótica e a automação, e nestas áreas – ao contrário das anteriores–
a China está bem posicionada. Quem dominar a nova onda será o país hegemônico”.
Onda
reacionária e fake news, foto na
revista Forum
Para Boaventura, estamos vivendo um ciclo reacionário, típico entre intervalos das globalizações – o que faz aumentar a rivalidade e a agressividade entre os países. Para ele, a face mais visível desse processo é a do ex-assessor de Donald Trump, Steve Bannon, que assessorou a campanha e mantém contato com a equipe de Bolsonaro no Brasil.
Para Boaventura, estamos vivendo um ciclo reacionário, típico entre intervalos das globalizações – o que faz aumentar a rivalidade e a agressividade entre os países. Para ele, a face mais visível desse processo é a do ex-assessor de Donald Trump, Steve Bannon, que assessorou a campanha e mantém contato com a equipe de Bolsonaro no Brasil.
“Não é
coincidência que a sua organização, O Movimento, tenha se instalado em
Bruxelas. O seu objetivo é conseguir uma maioria de eurocéticos nas eleições
europeias de maio e, assim, destruir democraticamente a UE”, diz o sociólogo.
Para ele,
essa onda reacionária difere das outras, pois tenta acabar com a distinção
entre ditadura e democracia a partir da disseminação das chamadas fake news. “A
democracia liberal não sabe defender-se dos antidemocratas, de antissistemas
como Trump ou Bolsonaro, que se aproveitam do sistema. A opinião pública é
destruída com notícias falsas que transformam o adversário em inimigo; com o
adversário se discute, o inimigo se destrói”.
Tomando
espaços
Segundo Boaventura, essa crise tem suas causas no processo de distanciamento tanto de partidos quanto de setores da igreja das classes mais pobres.
Segundo Boaventura, essa crise tem suas causas no processo de distanciamento tanto de partidos quanto de setores da igreja das classes mais pobres.
“A Igreja
Católica tinha uma forte base na América Latina com a teologia da libertação.
João Paulo II a liquidou e esse vazio está sendo ocupado pela chamada teologia
da prosperidade das igrejas evangélicas de influência norte-americana. Os ricos
recebem a bênção de Deus, os pobres não são abençoados, são demonizados,
culpados por sua pobreza. Houve um abandono das classes populares pelas elites,
sejam elas políticas ou eclesiásticas”.
Em seu
novo livro, Esquerda do Mundo, Uni-vos, o sociólogo propõe uma nova frente de
ação para enfrentar a onda reacionária ultra-liberal que se organiza
internacionalmente. “A esquerda tem que acabar com seus dogmatismos e
isolacionismo e estar ciente de que neste ciclo reacionário as forças
esquerdistas são as que melhor podem defender a democracia liberal, porque a
direita se entregou totalmente (a esquerda, parcialmente) aos poderes
financeiros”, diz ele, citando Portugal como exemplo.
“Portugal
demonstrou que o neoliberalismo era uma mentira. Com soluções contrárias a essa
ideologia, o Governo deu um respiro às classes populares. A economia cresce, o
investimento chega, o desemprego cai. Se isso tivesse acontecido em outro país,
seria notícia mundial”.
https://revistaforum.com.br/boaventura-de-sousa-santos-a-derrota-da-esquerda-no-brasil-nao-e-alheia-ao-imperialismo-americano/