Os decretos 10.046 e 10.047,
que podem ter um impacto catastrófico na nossa privacidade, foram aprovados do
dia para a noite. Sem consulta e sem debate, Jair Bolsonaro deu a canetada que
criou, de forma arbitrária, uma megabase de dados com praticamente todas as
informações sobre nós, disponíveis livremente para o governo
Por Tatiana Dias no site Desacato – Sociedade
e Abusos do Governo Federal Pós-Golpe2016
A
Lei Geral de Proteção de Dados, principal lei sobre privacidade no Brasil,
demorou oito anos para ser sancionada. Antes de ser assinada por Michel Temer
em 2018, ela passou por consultas públicas, debates com a sociedade civil e uma
longa tramitação no Congresso, em um processo que atravessou três governos. Já
os decretos 10.046 e 10.047,
que podem ter um impacto catastrófico na nossa privacidade, foram aprovados do
dia para a noite. Sem consulta e sem debate, Jair Bolsonaro deu a canetada que
criou, de forma arbitrária, uma megabase de dados com praticamente todas as
informações sobre você, disponíveis livremente para o governo.
Os decretos, publicados no mesmo dia, em 9 de
outubro, dão origem ao Cadastro Base do Cidadão e o Comitê Central de
Governança de Dados. O discurso oficial é que a medida
facilitará o acesso dos brasileiros a serviços
governamentais. “O objetivo é que o Cadastro Base do Cidadão se consolide como
a única referência de informações dos cidadãos para o governo”, declarou Luis
Felipe Monteiro, secretário de Governo Digital do Ministério da Economia.
Na prática, a canetada do presidente criou uma
ferramenta de vigilância estatal imensa, que vai bem além de informações
pessoais básicas como CPF, filiação, data de nascimento. Ela inclui também todas
as informações laborais e biométricas. O governo deixou claro que pretende
reunir “características biológicas e comportamentais mensuráveis” que “podem
ser coletadas para reconhecimento automatizado” – palma das mãos, digitais,
retina, íris, rosto, voz e maneira de andar.
‘É um tipo de unificação inédito’
E não é só isso. No decreto 10.047, o governo
detalha as bases de dados que serão replicadas no Cadastro Nacional de
Informações Sociais, o CNIS, – são mais de 50. Elas também incluem registros de
veículos, informações educacionais (dados do ProUni, Fies e Sisu), frequência
escolar e até informações de saúde, como cadastro de gestantes e os sistemas de
informação de câncer de colo do útero e de mama. Tudo atrelado ao seu CPF e a
suas informações biométricas.
O decreto 10.047 também dispensa a necessidade de
convênio ou contratos quando houver um pedido de acesso aos dados para fins de
pesquisa. “Isso pode gerar uma situação complicada porque faz com que a decisão
seja caso a caso. E você vai, com pretexto de permitir análise e inovação,
permitir acesso a um conjunto de dados muito rico. É um tipo de unificação
inédito”, me disse Rafael Zanatta, advogado e pesquisador do Lavits, a Rede
Latino Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade.
Além disso, ele também abre margem para
compartilhamento das informações com entidades privadas. O decreto institui o
Observatório de Previdência e Informações do Cnis, programa tem como objetivo
fomentar as pesquisas na área. No artigo 4º, ele determina que uma das
finalidades é “incentivar o intercâmbio de experiências e de conhecimentos
entre órgãos e entidades públicas ou privadas envolvidos na promoção de
políticas sociais”. Para que a troca de informações aconteça, basta uma
autorização da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da
Economia. “Tem informação pessoal que pode escoar para o setor privado com um
mero ato normativo”, diz Danilo Doneda, professor de Direito Civil no Instituto
Brasiliense de direito Público e um dos responsáveis por elaborar o texto da
LGPD.
Em seu texto genérico, o decreto diz que essas
informações serão usadas para aprimorar a gestão de políticas públicas,
aumentar a confiabilidade dos cadastros existentes e criar um meio unificado
para a prestação de serviços públicos. Especialistas ouvidos pelo Intercept avaliam que as
justificativas abrem margem para abusos e a criação de um
aparato de vigilância estatal como o que
acontece na China, onde o estado atribui um escore social baseado no bom
comportamento dos cidadãos.
Nesse Brasil de vigilância
estatal digna da China, o responsável por vigiar o vigilante é o próprio
vigilante.
“O decreto está em um estado rudimentar de
discussão. Ele está falando: confia em mim, porque tudo vai ser bom para você.
E a experiência que a gente tem é que são necessários controles também para o
estado usar os dados pessoais”, diz Doneda. “A história nos prova que todos os
estados que tiveram a possibilidade ampla e irrestrita de uso de dados acabaram
abusando, desde regimes totalitários até centros econômicos de poder”.
Pior: o responsável por vigiar o vigilante é o
próprio vigilante. Os decretos criaram um tal Comitê Central de Governança de
Dados, órgão responsável por mediar conflitos e fiscalizar o uso das
informações. Contrariando a tradição da área – órgãos do tipo, como o Comitê de
Gestão da Internet, o CGI, são multissetoriais, ou seja, reúnem governo,
iniciativa privada e sociedade civil –, o comitê terá apenas membros do
Executivo. Serão dois do Ministério da Economia, um da Casa Civil, um da
Controladoria-Geral da União, um da Secretaria Especial de Modernização do
Estado da Secretaria-Geral da Presidência da República e um da Advocacia-Geral
da União. Nada de sociedade civil, nada de escrutínio público.
“Se é ‘do cidadão’ teria sido bom ouvir o próprio,
diretamente ou por meio de outras representações. Ainda que com as melhores
intenções, da forma como o decreto foi concebido ele mais parece um Cadastro
Base do Estado”, escreveu Carlos
Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade e professor da Faculdade de Direito da UERJ (Univ. Est. do Rio de Janeiro).
A Lei Geral de Proteção de Dados, que entra em
vigor a partir de agosto de 2020, foi um avanço importante na proteção à
privacidade porque, pela primeira vez, regras mais claras foram estabelecidas
para definir como o governo e as empresas devem lidar com as nossas
informações. Ela diz que suas informações só podem ser usadas para o mesmo fim
para o qual você as forneceu (por exemplo: um cadastro na farmácia só pode
servir para conseguir o desconto), e qualquer outro uso deve ser consentido.
Além disso, você deve ter o direito de corrigir erros ou pedir a exclusão de
suas informações.
A aplicação da lei, no entanto, pode não ser tão
eficiente porque a criação de uma Autoridade Nacional de Proteção de Dados foi
enfraquecida pelos vetos de Jair Bolsonaro. A ANPD, como é conhecida,
inicialmente seria uma autoridade multissetorial criada para fiscalizar a
aplicação da lei e punir eventuais abusos, como vazamento de dados. Mas o
presidente vetou em julho
os trechos que diziam que órgãos públicos estariam
sujeitos às punições por violar a lei.
“À medida em que você amplia o acesso, aumenta a
chance de alguém usar isso de forma discriminatória e abusiva”, diz Doneda. A
criação de sistemas unificados é comum em outros países – mas, em respeito às
legislações mais avançadas de proteção de dados, isso costuma vir acompanhado
de mecanismos de transparência, que dão ao cidadão controle sobre como o
governo está usando suas informações. “No decreto, o grande sujeito são os
gestores, o banco de dados. O cidadão entra quase como o produto”, explica o
professor.
Veja, abaixo, a lista de bases que formarão o novo
super cadastro:
1. Cadastro Nacional da Pessoa
Jurídica – CNPJ
2. Cadastro Nacional de Imóveis Rurais – Cnir;
3. Cadastro Nacional de Obras – CNO;
4. Cadastro de Atividade Econômica da Pessoa Física – CAEPF;
5. Cadastro de Imóveis Rurais – Cafir;
6. Cadastro de Pessoas Físicas – CPF;
7. Sistema Nacional de Cadastro Rural – SNCR;
8. Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos – Siape;
9. Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS;
10. Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – Siafi;
11. Registro Nacional de Veículos Automotores – Renavam;
12. Registro Nacional de Carteira de Habilitação – Renach;
13. Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – Pronatec;
14. Programa Universidade para Todos – ProUni;
15. Sistema de Seleção Unificada – Sisu;
16. Monitoramento da frequência escolar do Programa Bolsa Família – Presença;
17. Financiamento Estudantil – Fies;
18. Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf;
19. Base de dados do sistema GTA;
20. Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária – Sipra;
21. Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – Cnes;
22. Prontuário Eletrônico do Paciente – PEP;
23. Programa de Volta para Casa – PVC;
24. Sistema de Acompanhamento da Gestante – SisPreNatal;
25. Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações – SIPNI;
26. Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM;
27. Sistema de Cadastro de usuários do SUS – Cadsus;
28. Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos – Sinasc;
29. Folha de Pagamento do Programa Bolsa Família;
30. Cadastro Único – CadÚnico;
31. Sistema de Registro Nacional Migratório – Sismigra;
32. Sistema de Informação do câncer do colo do útero – Siscolo;
33. Sistema de Informação do câncer de mama – Sismama;
34. Sistema Nacional de Passaportes – Sinpa;
35. Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública – Sinesp;
36. Registro Administrativo de Nascimento e Óbito de Indígenas – Rani;
37. Sistema ProVB – Programa de Vendas em Balcão;
38. Sistema de Cadastro Nacional de Produtores Rurais, Público do PAA, Cooperativas, Associações e demais Agências – Sican;
39. Observatório da Despesa Pública;
40. Sistema de Gerenciamento de Embarcações da Marinha do Brasil – Sisgemb;
41. Sistema da Declaração de Aptidão ao Pronaf – Sistemas DAP;
42. Cadastro da Agricultura Familiar – CAF;
43. Cadastro Ambiental Rural – CAR;
44. Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – Sicaf;
45. Cadastro Nacional de Empresas – CNE;
46. Folha de Pagamento do Seguro-Desemprego;
47. Folha de Pagamento do Programa Garantia Safra;
48. Base de Beneficiários do Plano Safra;
49. Folha de Pagamento do Bolsa Estiagem;
50. Auxílio econômico a produtores independentes de cana-de-açúcar;
51. Sistema Aguia.
http://desacato.info/na-surdina-bolsonaro-assina-decreto-que-cria-maquina-de-vigilancia-de-brasileiros/
2. Cadastro Nacional de Imóveis Rurais – Cnir;
3. Cadastro Nacional de Obras – CNO;
4. Cadastro de Atividade Econômica da Pessoa Física – CAEPF;
5. Cadastro de Imóveis Rurais – Cafir;
6. Cadastro de Pessoas Físicas – CPF;
7. Sistema Nacional de Cadastro Rural – SNCR;
8. Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos – Siape;
9. Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS;
10. Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – Siafi;
11. Registro Nacional de Veículos Automotores – Renavam;
12. Registro Nacional de Carteira de Habilitação – Renach;
13. Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – Pronatec;
14. Programa Universidade para Todos – ProUni;
15. Sistema de Seleção Unificada – Sisu;
16. Monitoramento da frequência escolar do Programa Bolsa Família – Presença;
17. Financiamento Estudantil – Fies;
18. Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf;
19. Base de dados do sistema GTA;
20. Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária – Sipra;
21. Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – Cnes;
22. Prontuário Eletrônico do Paciente – PEP;
23. Programa de Volta para Casa – PVC;
24. Sistema de Acompanhamento da Gestante – SisPreNatal;
25. Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações – SIPNI;
26. Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM;
27. Sistema de Cadastro de usuários do SUS – Cadsus;
28. Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos – Sinasc;
29. Folha de Pagamento do Programa Bolsa Família;
30. Cadastro Único – CadÚnico;
31. Sistema de Registro Nacional Migratório – Sismigra;
32. Sistema de Informação do câncer do colo do útero – Siscolo;
33. Sistema de Informação do câncer de mama – Sismama;
34. Sistema Nacional de Passaportes – Sinpa;
35. Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública – Sinesp;
36. Registro Administrativo de Nascimento e Óbito de Indígenas – Rani;
37. Sistema ProVB – Programa de Vendas em Balcão;
38. Sistema de Cadastro Nacional de Produtores Rurais, Público do PAA, Cooperativas, Associações e demais Agências – Sican;
39. Observatório da Despesa Pública;
40. Sistema de Gerenciamento de Embarcações da Marinha do Brasil – Sisgemb;
41. Sistema da Declaração de Aptidão ao Pronaf – Sistemas DAP;
42. Cadastro da Agricultura Familiar – CAF;
43. Cadastro Ambiental Rural – CAR;
44. Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – Sicaf;
45. Cadastro Nacional de Empresas – CNE;
46. Folha de Pagamento do Seguro-Desemprego;
47. Folha de Pagamento do Programa Garantia Safra;
48. Base de Beneficiários do Plano Safra;
49. Folha de Pagamento do Bolsa Estiagem;
50. Auxílio econômico a produtores independentes de cana-de-açúcar;
51. Sistema Aguia.