Alimento chegou a dobrar de valor
desde o início do ano em alguns estados do país
por Luciana Console e Julia Rohden no Brasil de Fato – Sociedade, Alimentos e Fome no Brasil
Feijão carioca só é produzido no Brasil e tem sido substituído por
plantações de soja / Foto Ricardo Ghisi Tobaldini/Flickr
O feijão
faz parte do hábito diário de consumo da maioria dos brasileiros, por isso
o aumento do preço do grão não passa despercebido pela população. E
é exatamente o que tem acontecido desde o início de 2019, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA),
que mede a inflação oficial no país. Os números apontam um aumento de 81% do preço do feijão carioca desde
o início do ano. Só em fevereiro o aumento foi de mais de 50%.
De acordo
com a agrônoma Ana Terra Reis, a principal razão para o aumento desse tipo
de feijão – que é produzido só no Brasil e possui uma coloração
marrom claro – é o fato de o alimento não fazer parte da lógica
mercadológica.
"O
feijão tem uma particularidade que ele não é uma commodity
internacional. Diferente de outros produtos como a soja e o milho, ele é um
produto que é comercializado fora dessa lógica global do agronegócio de bolsa
de valores e etc".
A soja é
um dos principais grãos que está substituindo o feijão carioca nas produções no
campo. No entanto, a especialista, que também faz parte do setor de produção do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), explica que nos últimos
anos houve enfraquecimento de políticas voltadas para a soberania
alimentar. Segundo Reis, até meados de 2016, o governo federal garantia
estoques de feijão carioca que eram colocados no mercado nos momentos de
inflação e, assim, controlava o preço do alimento. Hoje, no entanto, a
produção da soja brasileira, que é exportada em grande escala, vem disputando
espaço nas plantações dos agricultores.
Com menos
produção de feijão carioca, o valor nas prateleiras aumenta. Diante desse
cenário, a saída encontrada pelos consumidores é a substituição
pelo feijão preto. No entanto, Ana vê a mudança como negativa.
"Quando
a gente fala de soberania alimentar, principalmente no âmbito dos movimentos
sociais da Via Campesina [em Osasco, São Paulo], a gente está discutindo isso a
partir de uma visão de que o povo tem que ter o direito de escolha daquilo que
vai ser produzido e a forma como aquilo vai ser produzido Quando a gente tem um
processo de avanço do agronegócio, a gente tem justamente uma ferramenta do
processo da fome. Porque os países deixam de produzir aquilo que é de
necessidade e viabilidade para sua nutrição e cultura e passa a produzir aquilo
que é de interesse do capital", afirma.
Edição: Aline Carrijo
https://www.brasildefato.com.br//2019/03/19/aumento-de-preco-do-feijao-carioca-reflete-mercantilizacao-da-fome-diz-agronoma/