Agrotóxicos
contaminam água consumida por famílias assentadas no norte do Rio
Pesquisa
da Universidade Estadual do Norte Fluminense encontrou resíduos de cinco
produtos. Entre eles, atrazina, muito usado na pulverização de canaviais, como
os que dominam Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro
por Cida de Oliveira, na Rede Brasil Atual – Sociedade e Envenenamento por Agrotóxico no Brasil
Arquivo/Cenipa
Veneno aplicado em canavial no
norte fluminense (RJ)(Foto RBA)
Os
resíduos encontrados em maior quantidade são da atrazina, agrotóxico muito
usado em canaviais, como os que dominam o monocutivo no norte fluminense
São Paulo
– A água de abastecimento do assentamento Zumbi dos Palmares, na zona rural de
Campos de Goytacazes, norte fluminense, está contaminada com resíduos de cinco
tipos de agrotóxicos, além de partículas de fertilizantes e coliformes
fecais – bactérias causadoras de doenças. Está em risco a saúde das mais de 500
famílias assentadas, que usam a água para beber, cozinhar e irrigar a produção
das frutas e hortaliças ali produzidas – levando a ameaça também para os
consumidores.
A
constatação é de pesquisadores da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF),
que coletaram amostras de poços cavados na assentamento da reforma agrária que
ocupa área de 3.500 hectares da antiga usina São João.
Eles
detectaram resíduos dos agrotóxicos atrazina, carbaril, hexazinona, paration
metílico e ametrina. Da lista, o Ministério da Saúde estabelece limite apenas
para a atrazina, um herbicida banidos em diversos países europeus e muito usado
principalmente nas plantações de cana – que dominam as lavouras em Campos de
Goytacazes, ao redor do assentamento.
Pelo
parâmetro brasileiro, os resíduos estão dentro do limite de 2 microgramas por
litro. O problema é que o limite está muito defasado em relação àqueles
adotados pela legislação de outros países do mundo, como da União Europeia, que
antes de banir estabeleceu de 0,1 micrograma por litro. Analisado por esse
ângulo, há atrazina além da conta no poço dos assentados da reforma
agrária.
Glifosato
"Se
levarmos em conta as informações disponíveis no livro Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e suas ligações com União
Europeia,
da professora Larissa Bombardi, da USP, veremos que hoje o Brasil tolera quantidades muito
mais altas de resíduos de vários agrotóxicos não apenas na
produção agrícola, mas também na água. Por exemplo, o caso dos resíduos de
glifosato na soja. O nível de tolerância é 200 vezes maior do que o da União
Europeia, e na água é ainda pior, pois o limite máximo tolerado de glifosato
aqui é 5 mil vezes maior do que lá".
Estudos mostram que a atrazina pode atuar no
organismo como um desruptor endócrino. Isso quer dizer que a substância age
como um hormônio sintético e alteram a função fisiológica dos hormônios endógenos.
"Dada
a escala e as formas pelas quais as grandes propriedades utilizam agrotóxicos,
eu não tenho dúvida que a área que estudamos sofre impactos externos, seja pela
deriva ou pela mobilidade dos agrotóxicos no lençol freático que é para onde
uma parte significativa do que é usado acaba chegando", afirma Marcos
Pedlowski, professor da Universidade Estadual do Norte
Fluminense (UENF).
De acordo
com ele, um primeiro dado levantado ao longo de anos de pesquisa realizada no
assentamento é quanto aos agrotóxicos que estavam sendo utilizados pelos assentados.
Isso permitiu, entre outras coisas, identificar quais eram os princípios ativos
que estavam sendo usados.
"Isso,
aliás, facilitou nosso processo de avaliação sobre quais substâncias poderiam
estar presentes em nossas amostras. É preciso dizer que nesses levantamentos
não apareceu nenhum produto que contivesse atrazina. Isso nos levou a inferir
que a atrazina que estávamos encontrando teria duas origens possíveis: a deriva
originada das grandes áreas de cana que existem no entorno da área foco das nossas
pesquisas, ou uma herança dos tempos que o assentamento fazia parte de um
conjunto de fazendas onde a monocultura de cana era hegemônica. É preciso
lembrar que existem evidências científicas dando conta que a atrazina e seus
metabolitos podem ser encontrados muito tempo depois de serem usados, até
décadas, especialmente em sistemas aquáticos", explica Pedlowski.
Embora
não tenha sido pesquisada a origem dos agrotóxicos diferentes daqueles usados
no Zumbi dos Palmares, não pode ser descartada a hipótese de que o assentamento
ainda sofre os efeitos da monocultura de cana. Há diversos relatos, em outros
assentamentos na região, de que a pulverização aérea estava causando problemas
para animais e para os plantios dos assentados por causa do efeito de deriva,
em que o vento carrega os produtos para fora das áreas supostamente alvo.
Monoculturas
Para os
pesquisadores, há a possibilidade de os dados encontrados na pesquisa,
publicada este mês na revista científica Helyon, vir
a se repetir em estudos em outras regiões. Isso porque, desde 2008, o Brasil é
o maior consumidor mundial de agrotóxicos, tendo ultrapassado até os Estados
Unidos em termos de valores gastos com a aquisição de substâncias usadas para o
controle do que se convencionou chamar de pragas agrícolas.
"Ainda
que tenhamos padrões variados de utilização dentre as diferentes regiões
brasileiras, a verdade é que as grandes extensões de várias monoculturas, como
soja, cana, milho, voltadas essencialmente para exportação, na maioria das
regiões brasileiras, tornou a agricultura brasileira fortemente dependente de
agrotóxicos", afirma. "É só verificar o crescimento exponencial de
agrotóxicos disponíveis legal ou ilegalmente para serem adquiridas no Brasil
para vermos que o consumo de agrotóxicos se tornou uma grave ameaça para a
saúde dos brasileiros e para o meio ambiente."
O
predomínio de grandes monoculturas em diferentes regiões brasileiras está tornando
o país em uma espécie de mercado preferencial de agrotóxicos que já foram
banidos em outras partes do mundo. "Os casos dos herbicidas à base de
glifosato e do paraquate são apenas ilustrativos desse problema, e que deverá
ser agravado com a política de 'fast track' para aprovação de agrotóxicos que
foi adotada pelo governo Bolsonaro", ressalta.
Com a
política de "libera geral" de substâncias altamente tóxicas nos meses
de janeiro e fevereiro, não seria nenhuma surpresa se futuros estudos vierem a
mostrar ainda mais contaminação na comida que chega às nossas mesas, acredita o
pesquisador.
Outro
problema que vem crescendo é o número de substâncias consumidas no Brasil
depois de terem sido banidas em outras partes do mundo. Ainda que o maior
exemplo disso seja o paraquate, que já foi banido até na China, outras
substâncias banidas por sua alta periculosidade à saúde humana e para o meio
ambiente estão sendo legalmente consumidas no Brasil.
O
pesquisador destaca a abundante literatura científica sobre o aumento do
consumo desses produtos como também dos problemas causados. Entre os estudos
estão aqueles conduzidos por Wanderlei Pignati na Universidade Federal do Mato
Grosso (UFMT). Seus trabalhos já detectaram contaminação por agrotóxicos do
leite materno e, mais recentemente, da água das chuvas.
Por outro
lado, Pedlowski chama atenção para o fato de os agrotóxicos estão sendo usados
também na agricultura familiar. "A diferença está na escala e na maneira
como isto se dá. A verdade é que agrotóxicos acarretam muitos custos, seja na
aquisição ou nos tratamentos médicos que muitas vezes ocorrem a partir do
contato cotidiano com esses produtos."
"O
pior é que mesmo aqueles agricultores que optam por outras formas de produção,
que rejeitam o uso de agrotóxicos, não estão totalmente livres da contaminação
em função da contaminação cruzada, que é o processo de deriva ou a contaminação
dos recursos hídricos, que facilita o transporte de resíduos de agrotóxicos de
uma área para outra".
A
consequência disso tudo já vinha sendo evidenciada pelos estudos realizados
pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre o alto nível de
resíduos de agrotóxicos encontrados em itens básicos da dieta dos brasileiros,
tais como tomate, pimentão, morango, mamão, abacaxi e alface.
Essa
"volúpia" no uso de agrotóxicos, que deverá aumentar ainda mais a
aprovação do chamado Pacote do Veneno, deve custar caro ao Brasil,
lembra. Segundo Pedlowski, os principais parceiros comerciais já estão
inquietos com essa situação. O primeiro país a emitir um alerta
sobre a contaminação por glifosato na soja foi a Rússia.
"Não
me surpreenderei se mais países começarem a se recusar a comprar produtos
brasileiros por causa do excesso de agrotóxicos três vezes mais resíduos de
glifosato do que a União Europeia. É só fazer a conta para ver que cedo ou
tarde – talvez mais cedo do que tarde – teremos algum tipo de alerta similar ao
que foi emitido pela Rússia por parte da União Europeia."
O
problema, segundo ele, é que no Brasil há cada vez menos informação sobre a
contaminação de alimentos por agrotóxicos. E aí reside um grave problema
para os que não querem ingerir alimentos com altos níveis de agrotóxicos.
"A única saída que vejo é uma mobilização que pressione o governo federal
a retomar o funcionamento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional (Consea). Sua extinção, pelo governo Bolsonaro, nos deixou
totalmente à deriva nessa área".
https://www.redebrasilatual.com.br/ambiente/2019/03/agrotoxicos-contaminam-agua-consumida-por-506-familias-em-assentamento-no-norte-do-rj
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