“No Rio de Janeiro a milícia não é um poder
paralelo. É o Estado”
Sociólogo
que estuda as milícias há 26 anos diz que a família Bolsonaro é herdeira
política de deputados ligados a grupos de extermínio nos anos 90
por Mariana Simões na Agência Publica e blog de Luiz
Muller* – Sociedade e Milícias no
Rio de Janeiro e família Bolsonaro
ALVES, DA UFRJ: o Estado foi o
organizador das milícias no Rio de Janeiro (EXAME/Divulgação)
E janeiro
de 2019, a operação “Os Intocáveis” prendeu integrantes da milícia que opera em
Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Um dos
alvos da operação foi o ex-capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega, acusado
de chefiar a milícia de Rio das Pedras e integrar o grupo de extermínio
Escritório do Crime – atualmente investigado pela morte de Marielle Franco.
Sua mãe e
sua esposa já trabalharam no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Flávio também havia homenageado Adriano
com a Medalha Tiradentes, a maior honraria concedida pela Alerj.
Mas a
notícia não surpreendeu o autor do livro Dos Barões ao extermínio: a história
da violência na Baixada Fluminense, José Cláudio Souza Alves.
Sociólogo
e ex-pró-reitor de Extensão da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ), José Cláudio estuda as milícias há 26 anos. Em entrevista à Pública,
ele resume, com veemência: “A milícia é o Estado.”
“São
formadas pelos próprios agentes do Estado. É um matador, é um miliciano que é
deputado, que é vereador. É um miliciano que é Secretário de Meio Ambiente. Sem
essa conexão direta com a estrutura do Estado não haveria milícia na atuação
que ela tem hoje,” acrescenta.
Segundo
José Cláudio, é comum familiares de milicianos serem empregados em gabinetes de
deputados e vereadores.
“Isso é
muito comum. Esse vínculo lhe dá poder naquela comunidade. Ele vai ser chamado
agora na comunidade: ‘Olha é o cara que tem um poder junto lá ao Deputado,
qualquer coisa a gente resolve, fala com ele, que ele fala com a mãe e com a
esposa e elas falam diretamente com o Flávio e isso é resolvido’”.
Nessa
entrevista, ele explica a origem desses grupos e suas ligações com a política:
“Cinco décadas de grupo de extermínio resultaram em 70% de votação em Bolsonaro
na Baixada”.
Leia os
principais trechos.
Como
nasceram as milícias do Rio de Janeiro?
Isso
estourou na época da ditadura militar com muita força. Em 1967 surge a Polícia
Militar nos moldes atuais de força ostensiva e auxiliar aos militares naquela
época. E a partir daí há o surgimento dos esquadrões da morte.
No final
dos anos 1960, as milícias surgiram como grupos de extermínio compostos por Policiais
Militares e outros agentes de segurança que atuavam como matadores de aluguel.
Esses
esquadrões da morte vão estar funcionando a pleno vapor nos anos 1970. Depois
começa a surgir a atuação de civis como lideranças de grupos de extermínio, mas
sempre em uma relação com os agentes do Estado. Isso ao longo dos anos 1980.
Com a democracia, esses mesmos matadores dos anos 1980 começam a se eleger nos
anos 1990. Se elegem prefeitos, vereadores, deputados.
De 1995
até 2000, você tem o protótipo do que seriam as milícias na Baixada, Zona Oeste
e no Rio de Janeiro. Elas estão associadas a ocupações urbanas de terras. São
lideranças que estão emergindo dessas ocupações e estão ligadas diretamente à
questão das terras na Baixada Fluminense.
A partir
dos anos 2000, esses milicianos já estão se constituindo como são hoje. São
Policiais Militares, Policiais Civis, bombeiros, agentes de segurança, e atuam
em áreas onde antes tinha a presença do tráfico, em uma relação de confronto
com o tráfico. Mas ao mesmo tempo estabelecem uma estrutura de poder calcado na
cobrança de taxas, na venda de serviços e bens urbanos como água, aterro,
terrenos.
Há apoio
da população às milícias?
A milícia
surge com o discurso que veio para se contrapor ao tráfico. E esse discurso
ainda cola. Só que com o tempo a população vai vendo que quem se contrapõe a
eles, eles matam. E eles passam a controlar os vários comércios. Então a
população já começa a ficar assustada e já não apoia tanto. É sempre assim a
história das milícias.
Qual a
história de Rio das Pedras?
Rio das
Pedras é uma comunidade em expansão onde vivem nordestinos muito pobres.
Existem terrenos lá que você não pode construir porque são inadequados, são
muito movediços. Então só tem uma faixa específica de terra onde você pode
construir. São terras irregulares, devolutas da União, ou terras de
particulares que não conseguiram se manter naquele espaço.
Então a
milícia passa a controlar, toma e legaliza – às vezes até via Prefeitura mesmo,
pagando IPTU desses imóveis. Como o sistema fundiário não é regulado,
facilmente os milicianos têm acesso a informações e vão tomar essas áreas. E
passam a vendê-las.
Rio das
Pedras foi a primeira milícia do Rio?
Não é bem
assim. Ao meu ver a milícia surgiu em diferentes lugares ao mesmo tempo,
simultaneamente. Então tem Rio das Pedras, mas tem Zona Oeste do Rio e tem, por
exemplo, Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
Eu
percebo dos anos 1995 a 2000, grosso modo, um período de emergência dessas
ocupações urbanas de terras, ainda não no protótipo de milícias, mas com
lideranças comunitárias próximas ao que seria um controle pela violência, um
controle político mais autoritário.
Só que
Rio das Pedras ela emerge mais rapidamente. Então ali começa esse vínculo da
cobrança de taxa, que nas outras ainda não tinha. E são os comerciantes que
pagam a eles.
É uma
comunidade miserável, empobrecida, que está se constituindo a partir de uma
rede migratória de nordestinos. E ela fica diante de um grupo de milicianos que
estão sendo chamados para dar proteção, impedir que o tráfico entre. Mas na
verdade é para proteger os interesses comerciais desses lojistas que estão se
instalado lá em Rio das Pedras e estão financiando esses caras.
Hoje são
quantas as milícias do Rio de Janeiro?
Eu tenho
noção que são muitas. Por exemplo, são várias que atuam em São Bento e no
Pilar, que é o segundo maior distrito de Duque de Caxias. Tem em Nova Iguaçu,
tem em Queimada. Praticamente cada município da Baixada Fluminense você tem a
presença de milícias. Seropédica, por exemplo, hoje é uma cidade dominada por
milicianos. Eles controlam taxas de segurança que cobram do comércio. Aqui tem
os areais, de onde se extrai muita areia – e muitos são clandestinos. Então
eles também cobram dali. Moto-táxi tem que pagar 80 reais por semana para
funcionar. Pipoqueiro paga 50 reais por semana. É uma loucura.
Dizem que
é para a segurança, proteção, eles estão supostamente protegendo esse comércio.
Mas depois controlam a distribuição de água, de gás, de cigarro, de bebida. E
há histórias de assassinato de gente que não aceitou, por exemplo.
Além
disso, eles são pagos para fazer execuções sumárias. Então há um mercado que
movimenta milhões já há algum tempo.
Eles
também lidam com tráfico de drogas, com algumas facções especificas. O Terceiro
Comando Puro funciona aqui em algumas cidades da baixada a partir de acordos
com milicianos. Eles fazem acordo com o tráfico e vão ganhar dinheiro também
disso. Cobram aluguel de áreas. É a mesma relação que a polícia tem com o
tráfico: só funciona ali se você pagar suborno.
Na
cobertura feita pelos jornais sobre a operação “Os Intocáveis”, eles citam o
Escritório da Morte, um grupo de extermínio que é contratado para matar. Isso é
comum?
Sim.
Nunca ouvi falar de milícia que não tivesse a prática de execução sumária.
Normalmente a milícia tem uma equipe ou um grupo responsável por execuções
sumárias. O comerciante que não quiser pagar, o morador que não se sujeitar a
pagamento do imóvel que ele comprou, qualquer negócio e discordância com os
interesses da milícia, esse braço armado é acionado e vai matar.
A
novidade da milícia é o leque de serviços que eles abrem além da execução
sumária e da segurança. Aí é tudo: água, bujão de gás, “gatonet”, transporte
clandestino de pessoas, terra, terrenos, imóveis. A milícia não fica agora fixa
em grandes comerciantes ou grandes empresários. Ela pulveriza isso. Eles vão
sofisticando também na administração do gerenciamento.
Em que
outros negócios ilegais os milicianos atuam?
Lá em
Duque de Caxias eles roubam petróleo dos oleodutos da Petrobras e fazem mini
destilarias nas casas das pessoas. Tudo ilegal, com um risco imenso. Aí vendem
combustível adulterado. Eles fazem aterros clandestinos no meio daquela região
com dragas e tratores e vão enterrando o lixo de quem pagar. É mil reais por
caminhão. Não importa a origem. Pode ser lixo contaminante, lixo industrial,
lixo hospitalar. Eles fazem aterros clandestinos nesta região.
A milícia
tem controle também sobre bens públicos, como aterros, e eles se apropriam
desses espaços para fazer atividades ilegais…
A base de
uma milícia é o controle militarizado de áreas geográficas. Então o espaço
urbano, em si se transforma em uma fonte de ganho. Se você controla
militarmente, com armas por meio da violência esse espaço urbano, você vai
então ganhar dinheiro com esse espaço urbano. De que maneira? Você vende
imóveis. Por exemplo, você tem um programa do governo federal chamado Minha
Casa Minha Vida. Você constrói habitações. Aí a milícia vai e controla
militarmente aquela área e vai determinar quem é que vai ocupar a casa. E
inclusive vai cobrar taxa desses moradores.
Em outra
área eles estão vendendo imóveis e estão ganhando dinheiro com essa terra, que
é terra da União ou terra de particulares. Então esse controle militarizado
desses espaços, é a base da milícia. Aí como eles sabem dessas informações?
Eles sabem dentro da estrutura do Estado.
Você pode
ter um respaldo político para fazer isso. Vou dar um exemplo para você. Em
Duque de Caxias, um número razoável de escolas públicas não é abastecido pelo
sistema de água da CEDAE. A água não chega lá. Como que essas escolas
funcionam? Elas compram caminhões pipa de água. Quem é o vendedor? Quem é que
ganhou a licitação para distribuição de água em um preço absurdo por meio
desses caminhões pipa? Gente ligado aos milicianos.
Então aí
você tem um vínculo com os serviços públicos – e é uma grana pesada – e que
passa pelo interesse político daquele grupo dentro daquela prefeitura que vai
se beneficiar de uma informação e vai ganhar dinheiro com isso.
A Baixada
e o Rio de Janeiro são grandes laboratórios de ilicitudes e de ilegalidades que
se associam para fortalecer uma estrutura de poder político, econômico,
cultural, geograficamente estabelecido e calcado na violência, no controle armado.
A milícia
surgiu no Rio de Janeiro pela ausência do Estado?
Há uma
continuidade do Estado. O matador se elege, o miliciano se elege. Ele tem
relações diretas com o Estado. Ele é o agente do Estado. Ele é o Estado. Então
não me venha falar que existe uma ausência de Estado. É o Estado que determina
quem vai operar o controle militarizado e a segurança daquela área. Porque são
os próprios agentes do Estado. É um matador, é um miliciano que é deputado, que
é vereador, é um miliciano que é Secretário de Meio Ambiente.
Eu sempre
digo: não use isso porque não é poder paralelo. É o poder do próprio Estado.
Eu estou
falando de um Estado que avança em operações ilegais e se torna mais poderoso
do que ele é na esfera legal. Porque ele vai agora determinar sobre a sua vida
de uma forma totalitária. E você não consegue se contrapor a ela.
Mas, por
outro lado, quem elege os políticos milicianos é a população….
Não venha
dizer que o morador é conivente, é cúmplice do crime. Esse pessoal elegeu o
Flávio Bolsonaro, que agora se descobriu que ele tem possivelmente vínculos com
esses grupos? Elegeu. Mas que condições que essas pessoas vivem para chegar
nisso? Essas populações são submetidas a condições de miséria, de pobreza e de
violência que se impõem sobre elas.
Cinco décadas
de grupo de extermínio resultaram em 70% de votação em Bolsonaro na Baixada.
Como você
mencionou a história do Flávio Bolsonaro: o que liga o gabinete de um político
a um miliciano, como foi no caso dele com a mãe e a esposa do Adriano Magalhães
da Nóbrega?
O
discurso da família Bolsonaro, a começar pelo pai já há algum tempo, e
posteriormente o pai projetando nos filhos politicamente. Eles são os herdeiros
do discurso de um delegado Sivuca [José Guilherme Godinho Sivuca Ferreira,
eleito deputado federal pelo PFL em 1990], que é o cara que que cunhou a
expressão “Bandido bom é bandido morto”, de um Emir Larangeira [eleito deputado
estadual em 1990], do pessoal da velha guarda, do braço político dos grupos de
extermínio.
Esse
discurso se perpetuou e se consolidou. É claro que os milicianos vão respaldar
esse discurso e vão se fortalecer a partir dele. É o plano de segurança pública
defendida na campanha eleitoral do Bolsonaro. Ele diz o seguinte: Policiais
Militares são os heróis da nação. Policial Militar tem que ser apoiado,
respaldado, vai ganhar placa de herói.
E será
respaldado pela lei, através do excludente de ilicitude. Está lá no programa do
Bolsonaro. Então você tem setores que desde a ditadura militar sempre operaram
na ilegalidade, na execução sumária, vão escutar esse discurso. É música para o
ouvido deles.
Não é à
toa que o Flávio Bolsonaro fez menções na Assembleia legislativa, deu honrarias
para dois desses milicianos presos.
Para além
desse discurso simbólico, você vê também uma ligação financeira dos milicianos
com os políticos?
Você tem
uma operação por dentro da estrutura oficial política. Por exemplo, em Duque de
Caxias você tem registro geral de imóveis de terras que são da União. Tem
milicianos que vão levantar no cadastro geral de imóveis da prefeitura, os
imóveis que estão irregulares, sem pagamento há muito tempo de IPTU. Esse
miliciano começa a pagar o IPTU, parcela a dívida, quita e pede para transferir
para o nome dele aquele imóvel. A prefeitura transfere. É um processo simples
isso. Aí depois aquele proprietário não vai ter nunca coragem de exigir aquele
imóvel de volta, porque está controlado militarmente.
Sem esses
elementos, sem esses indivíduos, sem essa conexão direta com a estrutura do
Estado, não haveria milícia na atuação que ela tem hoje. É determinante. Por
isso que eu digo, que não é paralelo, é o Estado.
E tem
políticos que estão sendo eleitos com essa grana. A grana da milícia vai
financiar o poder de um político como Flávio Bolsonaro e o poder político de um
Flávio Bolsonaro vai favorecer o ganho de dinheiro do miliciano. Isso roda em
duas mãos. É determinante então que essa estrutura seja assim. Ela só se
perpetua porque é assim.
É comum
casos como a mãe e a esposa de Adriano Magalhães de Nóbrega, que foram
contratadas como assessoras no gabinete de Flávio Bolsonaro?
Sim. Isso
é muito comum. Você cria um vínculo de poder e de grana com essas pessoas. Esse
cara, a partir de sua esposa e de sua mãe, cria um vínculo imediato com o
Flávio Bolsonaro e isso lhe dá força. Essas duas pessoas estão fazendo um elo
imediato, pessoal, familiar do Adriano com Flávio Bolsonaro. Esse vínculo lhe
dá poder naquela comunidade. Ele vai ser chamado agora na comunidade “Olha é o
cara que tem um poder junto lá ao Deputado, qualquer coisa a gente resolve,
fala com ele, que ele fala com a mãe e com a esposa e eles falam diretamente
com o Flávio e isso é resolvido”.
Assim
você está criando uma estrutura de poder que é familiar. Veja bem: é o que eles
defendem. Eles [os Bolsonaro] defendem a estrutura familiar. E se você
investigar um pouco mais vai ser religioso também. São igrejas evangélicas,
eles têm vínculo com essa estrutura. Então é uma estrutura perfeita, ela é
tradicional, conservadora, ela tem a linguagem religiosa, que é linguagem de
grande credibilidade.
Isso
também demonstra uma forma de atuar dessas pessoas. Eles não atuam pelo
ocultamento. O Adriano, Flávio Bolsonaro, o próprio Bolsonaro, os matadores da
Baixada. Todos esses grupos que lidam com a violência, com a execução sumária,
com o crime organizado, eles não atuam com baixo perfil.
No Brasil
o que você tem é a superexposição. Eu chego e já digo. “Eu sou o cara, eu sou o
matador, eu tenho vínculos com fulano, beltrano e sicrano. Eu ocupo este cargo”.
Que é pra deixar bem claro se você for tentar alguma coisa é isso que você vai
enfrentar.
É a base
total do medo. E não é só do medo: é real.
Sobre
esse capital político, eles têm o poder inclusive de manipular o voto da
população durante o período das eleições? Existe uma rede organizada para isso?
Na
verdade, as milícias vendem votações inteiras de comunidade. Aqui na Baixada
como um todo, Zona Oeste. Fecham pacote. Eles têm controle. Eles têm controle
preciso de título de eleitor, local de votação de cada título de eleitor,
quantos votos vai ter ali. Eles são capazes de identificar quem não votou
neles.
Mas não
está havendo ações de desmontagem dessa estrutura, como se viu em Rio das
Pedras?
Assim, a
Operação Intocáveis pode estar dentro de um perfil mais de uma operação mais
histórica. Mas eu tenho sido muito crítico a esse tipo de operação. Como a
milícia é uma rede, uma rede muito grande, para cada um preso você tem 100 para
entrar no lugar. Porque se você mantém a estrutura funcionando, economicamente,
politicamente ela vai se perpetuar.
Ninguém
toca nesses caras. Em geral, só estão tocando no tráfico. E tráfico não é o
mais poderoso. Milícia é mais poderosa do que o tráfico. Milícia se elege,
tráfico não se elege. A base econômica da milícia está em expansão, não é
tocada, não é arranhada. Traficante não, vive morrendo e sendo morto e matando.
Milícia é o Estado.
Inclusive
tem isso. Você olha para a cara dos milicianos presos, há uma tendência a serem
brancos. Não há uma tendência a serem negros. Vai aparecer um ou outro no meio,
um moreno, pardo. E não são magros, são bem alimentados. Eu tenho certeza que a
classe à qual pertencem os milicianos é uma classe diferenciada da classe do
tráfico. Não são tão pobres assim. Não são tão negros assim. Não são tão
periféricos assim.
Para além
desse vínculo político de poder existe também algum elo financeiro? Como que os
milicianos movimentam dinheiro através dessas conexões com políticos? Qual era,
por exemplo, o papel do Queiroz ali no Gabinete do Flávio Bolsonaro?
Ah sim,
você viu que ele tem uma movimentação suspeita alta. Tem 7 milhões. Aí você vai
por dedução. Pode ser que esse cara fazia uma ponte. Ele era um assessor, mas
ao mesmo tempo ele cumpria duas funções. Ele ganha um respaldo político do
Flávio Bolsonaro. Ele faz o elo direito da milícia com esse gabinete. Dos
interesses dessa milícia e dos que são servidos por essa milícia direito com
esse gabinete. Ao mesmo tempo ele cresce na estrutura da milícia.
Não sei
qual é o histórico dele. Mas de repente ele já estava na estrutura da milícia e
já movimentando dinheiro. Então, por exemplo, se ele for uma frente, um cara
que está na organização, por exemplo, de cobrança de taxa de segurança, ele
está movimentando dinheiro. Muito dinheiro. Aí de repente ele vai movimentar
parte desse dinheiro dentro da sua conta pessoal. É uma estrutura de
organização que ele criou. Então esses 7 milhões pode ser isso.
Isso
também pode ser apenas uma transação entre várias?
Isso é
uma ponta. Isso é uma ponta de um iceberg. O que eu gostaria muito é que se
investigasse isso. Você chegaria em algo muito maior.
Sobre o
caso da Marielle. O caso voltou aos holofotes essa semana porque os milicianos,
que foram presos na operação “Os Intocáveis” integravam o Escritório do Crime,
grupo suspeito de envolvimento na morte da Marielle. No final do ano passado, o
secretário de Segurança Pública do Rio, Richard Nunes, afirmou que o
assassinato teria relação com grilagem de terras. Você acha que a morte dela se
deu porque ela atrapalhava os negócios dos milicianos?
Tem dois
vínculos. Há esse vínculo de incomodar e prejudicar o interesse deles. Ela
tinha poder para prejudicar, puxar uma CPI, exigir uma investigação para
obrigar o Estado e a mídia como um todo a se voltar para isso. Se ela reproduzisse
o que o Marcelo Freixo fez em 2008, dentro da Câmara dos Vereadores do Rio de
Janeiro, ela daria essa expressão. Ela tinha o respaldo do Marcelo, então há
uma base política que sustenta Marielle, uma base não comprometida, não
vendida. Então ela é uma figura que ameaça.
E o outro
elemento é ela ser mulher. E ela ser uma mulher de uma atuação bastante
intensa, verdadeira e não amedrontável. Ela encarava, enfrentava. Ela nunca se
subordinou. E eles não suportam mulheres com esse perfil, essa é a verdade.
Marielle
Franco, Patrícia Acioli, que foi assassinada também, e Tânia Maria Sales
Moreira que foi promotora aqui em Duque de Caxias que era jurada de morte, mas
morreu de câncer. Essas três, elas têm esse perfil. São mulheres com muita
coragem, muita determinação, muita verdade do lado delas, elas não se
subordinam, não se submetem. Esse tipo de mulher esses caras não suportam. Eles
vão eliminar. Há uma misoginia total aí que eles não aceitam que qualquer
mulher os trate assim.
Desde o início eu cantei a pedra:
quem matou são grupos de extermínio e estão muito associados a milicianos. É a
prática desses grupos (Imagem
no site da BBC)
*Publicado
por Luiz Müller
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