Em 1986, auge do indústria no Brasil e época em que várias marcas ainda
eram mais presentes na vida dos brasileiros, esse setor respondia por 27% dos
empregos com carteira assinada dentro do território nacional. Hoje ele
representa apenas 15% do total
por Marcos Hermanson no Brasil de Fato – Sociedade e Indústrias sem Incentivo Federal
Auge da industrialização brasileira aconteceu em 1986 e já representou
27% dos empregos em território nacional / kerttu/Pixabay/Creative Commons
Você se
lembra de ouvir seus long plays em uma vitrola Gradiente, ou de ter na cozinha
um fogão bege da Prosdóscimo? Sua infância foi povoada por consoles de
videogame produzidos pela Dynacom, ou será que você chegou a ver um autêntico
carro Gurgel circulando pelas ruas da cidade? Se a resposta foi sim para
ao menos uma dessas perguntas, então você provavelmente viveu uma época em que
a indústria nacional tinha mais relevância na vida da população.
Nesta
semana a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou números do setor
industrial no país, atualizados para 2019. Segundo estes dados, a indústria de
transformação ocupa hoje apenas 11,3% do total do PIB, menor patamar desde
1947, enquanto a indústria como um todo – o que inclui a extração de minérios,
petróleo, gás natural e a construção civil – representa 22% do PIB.
Figura na internet
Em 1986, auge do indústria no
Brasil e época em que as marcas mencionadas acima ainda eram mais presentes na
vida dos brasileiros, esse setor respondia por 27% dos empregos com carteira
assinada dentro do território nacional. Hoje ele representa apenas 15% do total.
Enquanto
produtos básicos como a soja, o milho e outras commodities respondem por 50%
das nossas exportações, os produtos manufaturados são 83% de tudo que o país importa.
O mundo
já fala na quarta revolução industrial e nas economias do conhecimento, mas o
Brasil continua a exportar principalmente produtos agrícolas e importar, a
muito custo, bens de alto valor agregado, alguns dos quais antigamente
produzíamos aqui.
E o que
explica esse processo? Foi o que o Brasil de Fato
perguntou aos economistas Márcio Pochmann e Paulo Kliass.
O que
acontece no Brasil é uma tendência mundial?
“No mundo
atualmente nós temos dois tipos de desindustrialização. A primeira é a chamada
desindustrialização madura, em que, à medida que o país for elevando a renda da
população, ela vai concentrando a sua renda na aquisição de bens
industriais. Fogão, geladeira, microondas, automóvel”, diz Pochmann, que é
economista e já atuou no Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae),
na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp)
e no Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos
Socioeconômicos (Dieese). “Isso significa dizer que quando chega esse
patamar, o acréscimo de renda que vai vir para essa população deixa de ser
direcionado para o consumo de bens industriais e passa a ser concentrado nos
serviços”.
Para
Paulo Kliass, doutor em economia e especialista em políticas públicas, não foi
esse o processo observado no Brasil. “Tem muita gente que diz ‘não, mas não é
necessariamente ruim a desindustrialização. Veja o que acontece nos Estados
Unidos, nos países europeus, nos países escandinavos, tem também uma redução da
participação da indústria’. Isso é verdade, mas eles têm redução da
participação da indústria a troco de uma participação maior dos setores de
elevadíssimo valor agregado. Na nossa desindustrialização, não. A gente tá
caminhando para trás, substituindo a indústria por exportação de produtos
primários e uma área de serviços de baixíssima qualificação”, afirma ele.
Os
motivos da perda da competitividade da indústria brasileira
Não há
consenso sobre o que causou o processo de desindustrialização vivido pelo país
desde os anos 80, mas é possível apontar fatores comuns na leitura de grande
parte dos economistas. Entre eles, a incapacidade da indústria nacional em
acompanhar o avanço tecnológico; os juros e a taxa de câmbio alta; a
transferência de plantas industriais e a financeirização da economia.
“[Na]
industrialização chamada precoce, que é o nosso caso, e de alguns outros países
latino-americanos, a indústria perdeu importância porque a população
simplesmente não teve a capacidade de adquirir bens industriais. No Brasil os
serviços que crescem não são os que estão vinculados à produção, mas à
concentração de renda: trabalho doméstico, segurança, passeador de cachorro,
limpador de piscina, personal trainer, várias ocupações que dependem não da
indústria, mas da renda concentrada de poucas famílias” afirma Pochmann.
“Com o
Plano Real o Brasil combinou altas taxas de juros para atrair capital
estrangeiro, com valorização cambial. Então o setor produtivo teve que conviver
com um custo de produção muito inadequado: moeda valorizada e taxa de juros
muito elevada, o que tornou muito cara a atualização tecnológica do setor
industrial”.
Kliass e
Pochmann concordam que as altas taxas de juros dificultam a aplicação do
investimento na produção, enquanto a taxa de câmbio elevada facilita a
importação. Essa combinação praticamente impossibilita as indústrias
brasileiras de competirem em pé de igualdade com as estrangeiras.
“Nessas
últimas três décadas, o processo de desindustrialização interna fez a gente
passar a importar bens que antes eram produzidos internamente. Em 1990, na fase
mais aguda do neoliberalismo, propunha-se a liberação completa das fronteiras
[e o] fim das proteções para a indústria nacional, com a ideia de que o importado
é melhor e mais eficiente, e que o Brasil só teria a ganhar com essa abertura
de fronteiras”, diz Kliass.
“A
abertura feita pelos governos dos Fernandos, Collor e Cardoso, não permitiu uma
pariação prévia do setor produtivo. Simplesmente o expôs a competição
internacional sem que houvesse condições isonômicas de competição”, afirma
Pochmann.
No
Brasil, quem lucra com isso?
“A
desindustrialização vai mudando a composição das frações de classe no Brasil.
Houve famílias [donas de indústrias] que se desfizeram de sua atividade
industrial, vendendo para empresas estrangeiras, se associando ao rentismo.
Então uma parte da burguesia industrial virou rentista, abandonou a indústria,
vendeu seu setor produtivo e passou a viver de renda. Outra parte se
transformou em comerciante. Passou a produzir na Ásia e a vender internamente”,
diz Pochmann.
Ao mesmo
tempo em que aponta esse caráter rentista das elites nacionais, ao seu ver
desinteressadas em um processo de industrialização, Kliass defende como solução
a retomada do papel indutor do Estado: “Reforçar a presença do Estado nos
setores estratégicos. Na área financeira, por exemplo, pela capacidade de
investimento e crédito, e na área do petróleo. Aumentar a produção de
conhecimento, com políticas públicas para a educação nas universidades e nos
laboratórios de pesquisa. Mudar a política comercial no sentido de encontrar
nichos estratégicos onde o Brasil tem ganho de competitividade em relação ao
resto do mundo e protegê-los, assim como as economias avançadas protegem os
seus”, conclui ele.
Edição: Aline Carrijo
Edição: Aline Carrijo
https://www.brasildefato.com.br/2019/03/15/por-que-a-industria-de-transformacao-nacional-ocupa-menor-patamar-no-pib-desde-1947/
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