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9.23.2025

O risco para a vida devido à falta de diversidade na alimentação, agricultura e criação de animais

Ameaça à segurança alimentar hoje é o excesso, não a escassez

A segurança alimentar do século 21 está na abundância da vida e não no excesso daquilo que a destrói

por Ricardo Abramovay* na Folha de São Paulo – Sociedade e a luta para manter a vida no planeta

Colheita do milho pelo agro

COP30, em novembro próximo, é uma excelente oportunidade para que se re-defina a segurança alimentar, até aqui sistematicamente associada a produzir cada vez mais.

No entanto, as conquistas científicas e os dispositivos tecnológicos, que foram fundamentais para o aumento das safras e a drástica redução da fome na segunda metade do século 20, se converteram hoje na mais importante ameaça à segurança alimentar global. O que nos ameaça não é a mais a escassez. É o excesso.

sistema agroalimentar global é marcado por uma tríplice separação: a agricultura separou-se da bio-diversidade; as “factory farmings” (“pecuária industrial”) separaram os animais de criação das fontes de sua alimentação e a alimentação se separou da saúde. Esta tríplice separação se exprime, por sua vez, numa tríplice monotonia (falta de diversidade).

A primeira monotonia (falta de diversidade) é a da agricultura. A humanidade conhece mais de 7.000 produtos comestíveis, dos quais 400 são cultiváveis. No entanto, 75% de nossa alimentação vêm de apenas seis produtos: soja, milho, trigo, cana-de-açúcar, arroz e batata. E esses produtos são obtidos com base em técnicas que transformaram micro-organismos, insetos, fungos —e, de forma geral, a bio-diversidade— em inimigos a serem eliminados por meio de técnicas que fazem do combate à vida a base do aumento da produtividade. Esta é a dupla face da monotonia (falta de diversidade) agrícola e do excesso que a caracteriza: ela se revela nos produtos e nas técnicas para obtê-los.

A segunda monotonia (falta de diversidade) vem da homogeneidade das raças e das técnicas utilizadas na criação de animais, num regime que tortura sistematicamente seres dotados de inteligência e sensibilidade com consequências desastrosas sobre a saúde humana, expressas no avanço da resistência anti-microbiana, uma das mais sérias preocupações atuais da Organização Mundial da Saúde, em função das chamadas “super-bactérias”.

E a terceira monotonia (falta de diversidade) é a da alimentação, com a oferta crescente de ultra-processados, produtos que nem deveriam ser chamados de comida. O escritor norte-americano Wendell Berry o exprime de forma emblemática, quando diz que a indústria alimentar não se preocupa com a saúde e a indústria da saúde não se preocupa com os alimentos.

Essa tríplice monotonia (falta de diversidade) está sendo cada vez mais contestada, não apenas por cientistas e ativistas, mas pelo Banco Mundial, pelo Grupo Consultivo em Pesquisa Agrícola Internacional e mesmo por organizações como o Fórum Econômico Mundial e o grupo financeiro Mitsubishi, sétimo maior grupo financeiro global que acaba de publicar um relatório alertando para os perigos dos ultra-processados e do uso de anti-bióticos na produção animal.

A boa notícia vem da América Latina: é aqui que estão emergindo as bases científicas que vão permitir ultrapassar os dispositivos da Revolução Verde, por meio de um conjunto de bio-insumos dos quais Brasil, Argentina e Colômbia ocupam hoje a vanguarda global.

Além disso, os próprios fazendeiros nas regiões produtoras de soja, no Brasil, começam a contestar sua dependência de insumos químicos que erodem seus solos e corroem seus rendimentos.

O sistema agro-alimentar é apenas um exemplo daquilo que, de forma geral, podemos chamar de economia do excesso. Não se trata de se opor ao crescimento econômico, mas sim ao crescimento daquilo que compromete o bem-estar das sociedades contemporâneas, promovendo o que melhora a vida social e rejeitando o que agride a saúde humana, o bem-estar animal e compromete serviços ecossistêmicos dos quais todos dependemos. A segurança alimentar do século 21 está na abundância da vida e não no excesso daquilo que a destrói.

*Ricardo Abramovay é autor de Infraestrutura para o desenvolvimento sustentável da Amazônia e Amazônia: por uma economia do conhecimento da natureza, além de outras contribuições em artigos e prefácios.

Publicado na Elefante: 18 de setembro de 2025

Fonte: https://editoraelefante.com.br/ameaca-a-seguranca-alimentar-hoje-e-o-excesso-nao-a-escassez/