Onde o presidente dos Estados Unidos Donald Trump e seus auxiliares têm
interesses, aparecem notícias falsas (fake news). Eles tem perfil perfeito para
serem os dissimuladores do QAnon
QAnon *:
como e por que grupos ligados a teoria da conspiração estão se multiplicando na
América Latina
por Arturo Wallace na BBC News Mundo – Sociedade e
Origens de Mentiras na Rede Social
Direito de imagem AFP Image
caption Os símbolos do QAnon estão presentes em várias partes do mundo,
incluindo a América Latina
À
primeira vista, QAnon parece um
fenômeno puramente norte-americano: uma teoria da conspiração na qual o
principal adversário do presidente Donald Trump é um "Estado
profundo" secretamente controlado por uma elite que pratica pedofilia e
satanismo.
Na semana
passada, o QAnon voltou a ser notícia nos Estados Unidos após o Facebook
anunciar que deletou mais de 790 grupos, 100 páginas e 1,5 mil anúncios
vinculados à teoria da conspiração.
A rede
social afirma ter tomado essas medidas como parte de seus esforços para
combater "organizações e movimentos relacionados à violência". Ainda
conforme o Facebook, foram impostas restrições a 1.950 grupos, 440 páginas e 10
mil contas do Instagram, por relação com a teoria.
O
colunista Paul Krugman, do New York Times, afirma que o QAnon será parte
importante da campanha eleitoral americana deste ano.
O QAnon —
que foi banido do Twitter — tem conseguido repercussão internacional e está
cada vez mais presente no Facebook, como em páginas e grupos da América Latina.
O jornal
La Nacion, da Costa Rica, por exemplo, publicou nesta semana uma reportagem
sobre a página "QAnon Costa Rica", criada em 28 de junho, que tem
mais de 6,7 mil seguidores no país centro-americano.
Há também
o grupo "QAnon Argentina", criado em 14 de julho, que tinha 4,1 mil
membros até a publicação deste texto.
Há também
o "QAnon Colombia", criado em novembro passado, que tem 1,7 mil
"anons", como são chamados os seguidores da teoria da conspiração.
Uma outra
opção para os "anons" colombianos é o grupo "QAnon na Colombia e
no mundo", que passou de mil membros desde que foi criado, em 16 de junho
deste ano.
Em uma rápida busca no Facebook,
também é possível encontrar "grupos QAnon" no México, Guatemala,
Panamá, Brasil e Uruguai, com diferentes datas de criação e quantidades de
membros. Há também um grupo "QAnon Latinoamérica", criado em maio
deste ano, que tem mais de 4 mil membros.
Mas,
afinal, o que é discutido nesses grupos e o que motiva os participantes?
'Informações alternativas'
As
referências a Trump e uma suposta luta contra o "Estado profundo" são
as abordagens mais comuns nesses grupos de extrema direita na América Latina.
Mas, assim como nos Estados Unidos, as discussões não se limitam a essa teoria
da conspiração.
Muitos
dos membros são contrários a vacinas, não acreditam nas mudanças climáticas e
duvidam da gravidade da pandemia do coronavírus, entre outros posicionamentos
polêmicos, baseados em dados e informações duvidosas.
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caption O lema do QAnon na América Latina é "o grande despertar"
Entre os
alvos das críticas nesses grupos, além de adversários de Trump, também estão
políticos locais.
No
"QAnon Costa Rica", por exemplo, "são espalhadas notícias
falsas, são organizados protestos para 'derrubar' o governo (de Carlos
Alvarado) e é defendido o consumo de dióxido de cloro (mesmo sem qualquer
evidência científica)", resume o periódico La Nación.
Integrante
do "QAnon Latinoamérica", o peruano Milthon Agüero considera que os
conteúdos compartilhados nos grupos não são notícias falsas ou teorias da
conspiração. Para ele, são "informações alternativas" às dos
"meios oficiais", nos quais o publicitário, de 32 anos, afirma não
acreditar.
"Eu
sou adepto da alimentação naturalista e da medicina natural. Há anos, desconfio
da medicina tradicional, farmacológica. Então, buscando informações
alternativas, encontrei esse grupo entre o fim de março e começo de
abril", diz o publicitário à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC).
Para
Javier Babino, que é membro do "QAnon Argentina", o surgimento de
grupos similares em várias partes do continente é uma prova de que cada vez há
mais pessoas "despertando".
"Despertar
é saber realmente como o mundo funciona, quem faz funcionar e de que forma. E
por esse despertar é possível entender que muitas coisas que nos diziam não são
verdades", declara Babino à BBC Mundo.
Direito
de imagem Getty Images Image caption Segundo os seguidores do QAnon, o
presidente Trump planeja prender políticas e estrelas de Hollywood por
corrupção e abuso infantil
"Eu
escrevi um livro que se chama Empreendedor fora de série, que diz como o
dinheiro funciona, como os ricos ficam mais ricos e os pobres mais pobres. E se
você estuda esse tema, se dá conta de que aqueles que têm o poder do dinheiro
são os mesmos de sempre e são os que governam todo o mundo", diz o
consultor de negócios, de 31 anos.
"Despertar
é tirar o véu e descobrir que (a pessoa em) quem você votou não é realmente
quem está te governando", resume Babino.
Nessa
visão conspiratória, que parece ser o principal fator comum entre os
"anons", não são apenas os políticos que têm a credibilidade
contestada, mas também artistas, cientistas e todas as figuras relevantes ou em
posições de autoridade e que possuem tendência "liberal".
"Os
quatro pilares sobre os quais esse sistema é sustentado, criado por algumas
famílias, estão caindo. Esses pilares são a ciência, a economia, a política e a
religião. Daí vêm as quatro maiores crenças limitantes: a ciência é o não
posso, a religião traz o não acredito, a política traz o não devo e a economia
diz o não tenho", afirma Babino.
Essa
explicação ajuda a entender o amplo campo de teorias da conspiração que
encontram espaço nos fóruns do QAnon. As argumentações do grupo, porém, não têm
qualquer respaldo científico ou jurídico. São acusações sem provas e amplamente
negadas.
Em uma
rápida visita a grupos QAnon na América Latina, é possível ver um extenso catálogo
de notícias falsas. Há, por exemplo, uma capa manipulada da revista Time que
fala sobre uma suposta prisão do papa Francisco por sacrifício de crianças.
Mencionam ainda uma falsa manifestação contra pedofilia em frente ao Palácio de
Buckingham, residência da família real britânica. Há ainda uma suposta execução
da cantora Celine Dion por satanismo.
Medidas 'insuficientes'
A exemplo
de Trump, os "anons" dizem que falsas são as notícias divulgadas pela
grande mídia, e não as que compartilham em suas redes sociais.
A partir
dessa lógica, dizem que medidas para combater a disseminação de suas denúncias
e teorias — como a anunciada recentemente pelo Facebook — nada mais são do que
esforços da elite para impedir que a verdade seja conhecida.
Assim,
estar sujeito às restrições do Facebook parece motivo de orgulho para grupos
como o "QAnon na Colômbia e no mundo", que atualmente ostenta uma
notificação recente da rede social em sua foto de perfil.
"A
distribuição do seu grupo é limitada, porque há informações falsas. As
postagens aparecem na parte inferior da seção de notícias dos membros e
deixamos de sugerir às pessoas que se unam ao grupo", diz a mensagem do
Facebook.
Direito
de imagem iStock Image caption "Q" é um suposto funcionário anônimo
do governo dos Estados nidos que compartilha "informações secretas"
com seus seguidores que são chamados de "Anons"
"Para
solucionar o problema, elimine as informações falsas do grupo", sugere a
rede social, que, pelo menos por enquanto, ainda permite a presença de conteúdo
falso, desde que não viole algumas de suas políticas públicas, "incluindo
contas falsas, assédio, discurso de ódio e/ou incitação à violência".
"A
desinformação que não coloca as pessoas em risco de sofrer violência ou dano
físico iminente, mas é identificada como falsa por verificadores de fato
independentes, será reduzida no feed de notícias para que menos pessoas a
vejam", diz a atual política da rede social, apontada por muitos
estudiosos como insuficiente.
Para
muitas pessoas, as redes sociais substituíram a mídia tradicional como
principal fonte de informações.
E muitos,
como Milthon Agüero, se deparam com grupos como "QAnon Latinoamérica"
porque buscam ativamente essas "informações alternativas".
"Entrei
nos grupos QAnon, principalmente, em busca de informações. E se você me
perguntar se tenho certeza de que é tudo verdade, não posso dizer. Há coisas em
que ainda não acredito 100%, como as questões de satanismo e canibalismo",
diz o peruano à BBC Mundo.
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caption Para os 'anons', as notícias falsas são as publicadas pela grande mídia
Mas
Agüero, por exemplo, acredita nos argumentos contrários às vacinas — o
movimento antivacina tem sido associado ao reaparecimento de doenças que eram
consideradas erradicadas, como o sarampo.
No
"QAnon Argentina", Javier Babino costuma compartilhar postagens de
outro grupo, chamado "Médicos pela verdade", que minimiza a gravidade
da pandemia de covid-19. Isso pode fazer com que algumas pessoas tomem menos
cuidados em relação ao novo coronavírus.
As redes
sociais são plataformas poderosas para o QAnon. Apoiado pelo grupo, o
presidente Trump, ou um representante dele, nunca veio a público criticar ou
desmentir informações do QAnon.
"O
que mais me chamou a atenção é que há um presidente, de uma potência mundial,
que não é favorável à informação oficial", diz Agüero, em referência a
Trump.
Direito
de imagem Getty Images Image caption 'Não sei muito sobre o movimento, exceto
que eu gosto muito deles e lhes agradeço', disse Trump sobre o QAnon
Os
seguidores do QAnon apoiam o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
"Eu não sigo grupos ou pessoas, mas um objetivo: o propósito de despertar,
de compartilhar a verdade e questioná-la. E é preciso entender que tanto a
esquerda como a direita foram, toda a vida, sempre os mesmos", diz Babino.
"Mas,
pelo menos até agora, Trump segue em nosso propósito. E ele está em uma queda
de braço contra aqueles que não o querem no poder", acrescenta o
argentino, para quem casos como o de Jeffrey Epstein (milionário acusado de
abuso sexual) ou as contibuições milionárias da Fundação Bill & Melinda
Gates à OMS são provas da conspiração elitista denunciada pelo QAnon.
Impacto político
Para Paul
Krugman, do New York Times, o presidente dos Estados Unidos atiça teorias da
conspiração porque seria de seu interesse.
"Trump
(...) não pode desenhar políticas que respondam às reais necessidades da nação,
nem está disposto a ouvir quem pode. Ele nem mesmo tentará", afirma o
colunista no artigo "QAnon é a última e melhor opção de Trump",
publicado recentemente.
Nesse
contexto, ele conclui, a única coisa que o atual presidente dos Estados Unidos
pode fazer "é conjurar ameaças imaginárias que jogam com os preconceitos
de seus seguidores, junto com teorias de conspiração que ressoam com seu medo e
inveja dessas elites sabe-tudo".
"QAnon
é apenas o exemplo mais ridículo desse gênero, retratando Trump como um herói
que nos defende do mal invisível", resume Krugman. Embora Trump seja, sem
dúvidas, seu protagonista mais importante e maior beneficiário, essa forma de
fazer política também está presente na América Latina, como parece mostrar a
ascensão de políticos populistas.
Para
muitos, entretanto, grupos como o QAnon não são inofensivos, nem inocentes. Nos
Estados Unidos, por exemplo, o FBI já alertou que aqueles que seguem essas
teorias da conspiração representam uma ameaça crescente de violência.
Direito
de imagem Getty Images Image caption As teorias da conspiração sempre
existiram, mas a tecnologia multiplicou o seu alcance
Em um
documeto divulgado no final de maio, o FBI diz que as teorias de conspiração
"eventualmente levarão grupos e indivíduos extremistas a realizar atos
criminosos ou violentos".
Ethan
Zuckerman, diretor do Centro de Mídia Cívica do MIT, afirma que o QAnon
representa uma teoria da conspiração especialmente perigosa, porque leva as
pessoas a supor que quase toda figura de autoridade "é parte de um grupo
secreto que trabalha contra a liberdade".
"A
corrosão que vem disso é o perigo de não confiarmos em nenhuma instituição",
disse Zuckerman em uma edição recente do programa The Inquiry, da BBC,
dedicado ao QAnon.
"E
essa desconfiança, se explorada por um líder autoritário, é incrivelmente
perigosa", concluiu.
*QAnon ( /kjuːəˈnɒn/ ) é uma teoria da conspiração de extrema direita detalhando um suposto plano secreto por um
suposto "estado profundo" (deep state) contra o presidente dos
Estados Unidos Donald Trump e seus apoiadores. A teoria
começou com um post em outubro 2017 no imageboard anônimo
4chan
por alguém usando o nome Q, presumivelmente um indivíduo americano, mas
provavelmente, especulado mais tarde, um grupo de pessoas, alegando ter acesso
a informações classificadas envolvendo o governo Trump e seus
oponentes nos Estados Unidos. (Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/QAnon)
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-53980307