O mundo digital também se
tornou muitas vezes um fórum de desinformação, incitação ao ódio e, claro,
assédio”, Andrea Fernández
Jimenez
Zoom (Zoombombing), invasão de eventos
virtuais, se tornou comum desde o início da pandemia de covid-19, com
xingamentos e veiculação de imagens pornográficas
por Isadora Rupp no El País Brasil – Sociedade e Mulheres
em Luta na Rede Social Machista
O momento em que um homem
invadiu uma videoconferência da dentista Giovana Mondardo (ao centro) e começou
a dançar sem roupa. Invasões visam criar constrangimento. Reprodução no El País
Uma nova estratégia de silenciamento contra as
mulheres políticas e especialistas no tema se tornou recorrente desde o início
da pandemia do novo coronavírus, tanto no Brasil quanto em
outros países do mundo. Forçadas pelo isolamento social, as videoconferências
se tornaram onipresentes na vida de pesquisadoras que se dedicam a estudar e
ensinar sobre política na academia. Mas as invasões a esses eventos também se
tornaram triviais, atrapalhando falas, forçando o encerramento das reuniões,
deixando as participantes constrangidas com os xingamentos, sempre ligados às questões de gênero.
O ataque cibernético na plataforma mais usada neste
período, o Zoom, se tornou tão comum que até o FBI, a polícia federal dos EUA, alertou
para os perigos do zoombombing: quando as reuniões on-line são
“sequestradas” por hackers, que veiculam imagens e vídeos pornográficos
e assumem o controle da tela.
“Acontece o tempo todo”, diz a professora da
Universidade Federal do Paraná (UFPR) Luciana Panke, autora de livros como Campanhas
eleitorais para mulheres e Lula: do sindicalismo à reeleição.
Pós-doutora em Comunicação Política pela Universidad Autónoma Metropolitana, a
pesquisadora é referência na América Latina quando o assunto é política e mulheres. Logo, participar de eventos virtuais
sobre o tema faz parte do seu dia a dia. Desde março, ela conta que ao menos
uma vez por mês sofre ou presencia um ataque, seja em eventos brasileiros ou
latino-americanos. Uma das invasões mais violentas foi em junho, quando a
professora brasileira debatia no foro virtual La Política es Cosa de Mujeres,
promovido por organizações como o Conselho Nacional Eleitoral do Equador. Logo
no início da sua fala, ela percebeu que a tela saiu do seu controle. Foram
veiculados vídeos e desenhos pornográficos. “Fiquei desnorteada, não sabia o que estava
acontecendo. É como se alguém gritasse e te jogasse para fora do palco”
descreve.
Referência na América Latina em pesquisa
sobre mulheres e política, a professora Luciana Panke teve reunião de evento
internacional invadida no Zoom.Carlos Locatelli/Divulgação UEM
O impacto é diferente de quando o constrangimento é
presencial, garante a pesquisadora, que já esteve em pelo menos 15 países
palestrando sobre participação de mulheres na política. “Percebo pela reação
facial e corporal de quem olha com deboche, ou entende a fala como mimimi”.
Observações sobre o seu comportamento no palco é outra situação recorrente na
vida acadêmica de Luciana. “Aquilo virou um motivador de que eu preciso mesmo
seguir pesquisando esse tema”, observa.
Para quem presencia o ataque enquanto ouvinte, a
sensação, além do constrangimento, é da insegurança em relação aos dados
pessoais, relata uma das participantes do evento, a professora de jornalismo
Simone Hubert, da PUC-PR. “Você se sente invadida e não sabe se alguém teve
acesso aos seus dados, seu perfil. Fora que os xingamentos são sempre
relacionados ao gênero. Há um machismo nesse espaço de fala”.
Desabafo no twitter
Momento
em que a conferência realizada pela dentista Giovana Mondardo foi invadida, num
claro exemplo de 'zoombombing'.
Pré-candidata a vereadora na cidade de Criciúma
(SC) pelo PCdoB, a dentista e mestranda em Saúde Coletiva Giovana Mondardo usa
ativamente as redes sociais para viabilizar a sua campanha. Criou um encontro
virtual, o Fala Criciúma, que realiza via Google Meet. Por mais que a
plataforma solicite ao organizador permissão para a entrada de participantes,
Giovana acabou aceitando algumas pessoas que abriram o microfone e passaram a
interrompe-la. “Tentei banir, mas não consegui”. Logo na sequência, um homem
começou a dançar com uma música muito alta, tapando a cabeça com uma camiseta.
Fora as intervenções na reunião, a dentista relata
inúmeros abusos via inbox nas redes sociais, com fotos e vídeos obscenos ―a
pré-candidata registrou boletim de ocorrência sobre um dos casos. Ofensas são
frequentes: recebe comentários a chamando de “poste”, “fraquinha” e de ela não
se elegerá “nem para síndica”. “Lógico que na hora que acontece me impacta e
causa constrangimento. Mas não me causa estranheza dado o momento que estamos
passando no Brasil. Mostra como é ser mulher na política”.
A pré-candidata a vereadora da cidade de
Criciúma (SC), Giovana Mondardo: homem atrapalhou evento de campanha no Google
Meet. Ela também recebeu fotos e vídeos obscenos no Instagram.Divulgação
O fenômeno das interrupções converge, frisa Luciana
Panke, para a violência política de gênero que boicota
as formas de manifestação da mulher na vida pública, tornando o seu
posicionamento menos importante, invisível. “Desde não participar de cargos
diretivos, não receber indicação dos partidos, ser só candidata laranja, não
ter treinamento em campanha porque os partidos não querem pagar”, enumera.
Na análise da cientista política colombiana e
coordenadora do Red Innovacion (entidade que facilita o intercâmbio de
experiências políticas e sociais na América Latina), Andrea
Fernández Jimenez, é possível ter duas visões sobre a participação política das mulheres
on-line. “A internet sem dúvida foi fundamental para dar voz a grupos
marginalizados. No entanto, o mundo
digital também se tornou muitas vezes um fórum de desinformação, incitação ao ódio e, claro,
assédio”. Ela acredita que a consequência é que o ambiente
hostil pode fazer com que as mulheres se autocensurem, permaneçam em silêncio
ou se retirem do discurso político.
Segurança de dados
Perito em crimes digitais, Wanderson Castilho
pontua que não há uma vulnerabilidade “extremamente crítica”do ponto de vista
de coleta de dados dos usuários quando há
invasões no Zoom. Segundo ele, o fato de a plataforma ser nova e ter crescido
muito em pouco tempo faz com que a empresa aprimore as regras de segurança no
decorrer do uso. “Saem as notícias e parece que a plataforma é insegura, mas
não. Ela agora está sendo alvo justamente por ser a mais usada. Com a
experiência, o Zoom vai aprendendo. O WhatsApp demorou três anos para ter
criptografia”compara.
Diretor internacional do Zoom, David Diaz disse que
a empresa está “profundamente chateada” sobre esse tipo de incidente, e que a
empresa “condena veementemente” o comportamento. Controles de segurança em
reuniões, incluindo o compartilhamento de tela, remoção e bloqueio são algumas
das medidas de segurança adicionadas. “Levamos as interrupções de reuniões
muito a sério. Encorajamos os usuários a relatar quaisquer incidentes desse
tipo ao Zoom e às autoridades policiais para que as medidas adequadas sejam
tomadas contra infratores”, afirmou ao EL PAÍS, por e-mail.
Diaz destaca ainda que o Zoom vem instruindo os usuários sobre práticas de
segurança como a de evitar compartilhar o link e senhas de reuniões
privadas publicamente em sites e redes sociais. “Incentivamos qualquer pessoa
que hospede eventos públicos ou de grande escala a usar a solução Webinar do
Zoom”.
Já o Google, por meio da assessoria de imprensa,
informou que o aceite do anfitrião nas reuniões do Google Meet já é uma das
medidas de segurança da plataforma, e que também sugere a solução seminários online
para eventos públicos.
Publicação no El
País Brasil: 19 ago 2020 - Curitiba
Fonte:
https://brasil.elpais.com/brasil/2020-08-19/sequestro-machista-de-videoconferencias-tenta-calar-as-mulheres-na-politica-brasileira.html
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