"O
papel de qualquer governo, que arrecada impostos da população, é devolver estes
impostos em serviços públicos em várias
áreas, em especial na área de saúde. É função do Ministério da Saúde prevenir as doenças, tratar os pacientes
e reduzir o número de mortes
evitáveis. Mas o Governo Federal não tem feito
isto, não conseguiu evitar a propagação
comunitária do coronavírus e não conseguiu remediar os doentes. O
presidente demitiu dois ministros formados em medicina e colocou um militar – que não tem formação
médica – como interino na pasta. E desde então, o Ministério não tem feito
coletivas, não tem divulgado os boletins epidemiológicos e não
tem esclarecido a população sobre os rumos da pandemia. É como se o Brasil estivesse
sem um Ministério da Saúde em meio à maior pandemia da história do país. Há quem diga que a situação
pode ser classificada como crime de genocídio", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor
em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População,
Território e Estatísticas Públicas da Escola
Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate em 05-06-2020.
por José Eustáquio D. Alves na revista ihu on-line – Sociedade
e sobrevivência do ser humano na Terra
Imagem no site IHU revista
on-line. Foto pixabav
O Brasil continua sua escala de
aumento do número de indivíduos doentes e de pessoas mortas pela covid-19.
Pelo terceiro dia consecutivo o país bateu o triste recorde de casos e mortes e
ficou no primeiro lugar do ranking internacional. No dia 04
de junho foram 30,9 mil novos casos e 1.473 vidas perdidas em 24 horas, o que
dá 61,4 mortes por hora ou mais de uma morte por minuto.
O gráfico
abaixo mostra os valores diários das variações dos casos e das mortes no Brasil de 17 de março
até o dia 04 de junho. Nota-se que, a despeito das oscilações dos fins de
semana, existe uma clara tendência de aumento. O número de mortes foi crescendo
todas as semanas, passando de cerca de 200, para 400, depois 800 até mais de 1.400
óbitos no dia 04/06. O número de casos também foi subindo até
repetir a incrível marca de 30 mil casos por dia.
Mas
apesar da dimensão cada vez maior dos impactos da pandemia, que já foi tratada como “gripezinha” e com o malfadado “E daí?”,
esta semana o presidente Bolsonaro extrapolou todos as
medidas do bom senso e disse uma barbaridade tão grande que é até difícil de
acreditar. Ele falou: “A gente lamenta todos os mortos, mas é o destino de todo mundo”. Este absurdo vindo de um presidente é quase uma
confissão de culpa, pois se a morte, em último caso, é um evento inevitável, a
morte precoce ou a morte antes do tempo não é nem fatalidade e nem destino.
Uma das
maiores conquistas da humanidade é o aumento da esperança de vida ao
nascer que tem aumentado continuamente ao longo dos últimos dois séculos. As
estatísticas mostram que a esperança de vida da população
mundial estava abaixo de 30 anos no final do século XIX e chegou a 66 anos no
ano 2000 e a 73 anos no ano 2020, segundo dados da Divisão de População da ONU. Portanto, a esperança de vida
mais que dobrou no século XX e continua subindo. A morte precoce não é destino,
pois a ciência, a tecnologia e as medidas sanitárias e de higiene contribuem
para aumentar a longevidade.
O papel
de qualquer governo, que arrecada impostos da população, é devolver estes
impostos em serviços públicos em várias
áreas, em especial na área de saúde. É função do Ministério da Saúde prevenir as doenças, tratar os pacientes e
reduzir o número de mortes evitáveis.
Mas o Governo Federal não tem feito
isto, não conseguiu evitar a propagação comunitária do coronavírus
e não conseguiu remediar os doentes. O presidente demitiu dois ministros
formados em medicina e colocou um militar
– que não tem formação médica – como interino na pasta. E desde então, o
Ministério não tem feito coletivas, não tem divulgado os boletins epidemiológicos e não
tem esclarecido a população sobre os rumos da pandemia. É como se o Brasil estivesse sem um Ministério
da Saúde em meio à maior pandemia
da história do país. Há quem diga que a situação pode ser classificada como
crime de genocídio.
Mas não
são somente as vidas humanas que importam. Na área ambiental a situação é
ainda pior, pois apesar de haver um ministro, ele age em aliança
com o coronavírus e disse na famigerada reunião ministerial de 22 de
abril, que iria “passar a boiada”, mudando as regras e a legislação
ambiental para facilitar os crimes ecológicos no país. Da
mesma forma, há quem diga que a situação pode ser classificada como crime de ecocídio.
Mas neste
Dia Mundial do Meio ambiente
não podemos ignorar que existe uma outra “pandemia” que causa um número ainda maior de vítimas e que se
chama 6ª extinção em massa das espécies,
mas que alguns autores classificam de extermínio.
De fato,
o Fundo
Mundial para a Natureza (WWF), mostra que o avanço da produção e consumo da
humanidade tem provocado uma degradação generalizada dos ecossistemas globais e
gerado uma aniquilação da vida selvagem: as populações de
vertebrados silvestres, como mamíferos, pássaros, peixes, répteis e anfíbios,
sofreram uma redução de 66% entre 1970 e 2020.
Confirmando
o impacto devastador das
atividades humanas sobre a natureza, a Plataforma Intergovernamental para
Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês), da ONU, mostrou
que há 1 milhão de espécies ameaçadas de extinção. O relatório elaborado nos
últimos três anos, e divulgado em maio de 2019, fez uma avaliação do ecossistema
mundial, com base na análise de 15 mil materiais de referência.
O
documento afirma que, embora a Terra tenha sofrido sempre com as ações
dos seres humanos ao longo da história, nos últimos 50 anos os
arranhões se tornaram cicatrizes profundas. A
população mundial dobrou
desde 1970, a economia global quadruplicou e o comércio internacional
está dez vezes maior. Para alimentar, vestir e fornecer energia a este mundo em
expansão, florestas foram derrubadas num ritmo
surpreendente, especialmente em áreas tropicais. Entre 1980 e 2000, 100 milhões
de hectares de floresta tropical foram perdidos, principalmente por causa da pecuária na América
do Sul e plantações de palmeira de dendê no sudeste da Ásia.
As
tendências globais em relação às populações de insetos ainda não são
totalmente conhecidas, mas foram registrados declínios acelerados em algumas regiões.
O desaparecimento das abelhas, por exemplo, é não só
um crime de ecocídio, mas também uma ameaça à própria alimentação humana,
que depende dos polinizadores para viabilizar
montantes crescentes de comida para a população mundial. A biodiversidade da
Terra está ameaçada. Como disse o famoso jornalista e ambientalista David
Attenborough: “os humanos são uma praga na Terra”.
De fato,
o ser humano – no Antropoceno – está promovendo
uma matança de grandes proporções. Como constatou Justin McBrien, em
artigo no site Truthout (14/09/2019), as atrocidades que se desenrolam nos
diversos biomas da Terra não tem nenhum análogo geológico e chamá-lo de
“sexta
extinção em massa” é fazer com que, aquilo que é uma erradicação
ativa e organizada, pareça algum tipo de acidente passivo. Estudos que mostram
o “apocalipse de insetos”, a “aniquilação
biológica” ou o “holocausto biológico” confirmam a
perda de 60% de todos os animais selvagens nos últimos 50
anos.
A humanidade já ultrapassou diversas “fronteiras planetárias” e está
promovendo uma “Grande Morte” no Planeta. Não se trata de uma erupção
vulcânica de grandes proporções, a caída de um asteroide gigantesco ou a
liberação lenta de oxigênio na atmosfera devido à fotossíntese das cianobactérias.
Ele diz: “O que acontece atualmente é o 1º Evento de Extermínio, que está
levando a Terra à beira do NECROCENO, a era da nova morte
necrótica”.
Neste
momento que o mundo vive a pandemia do coronavírus é preciso
reconhecer que o extermínio das espécies não humanas
culminará e reverterá no extermínio dos próprios seres humanos. Mas no caso
brasileiro é preciso também reconhecer que estamos diante de um governo que promove ações que
devem ser classificadas com genocidas e ecocidas. Isto precisa mudar!
Referências:
ALVES,
JDE. A 6ª extinção das espécies é na verdade o 1º evento
de extermínio em massa, Ecodebate, 08/11/2019.
ALVES,
JED. Para evitar o holocausto biológico: aumentar as áreas
anecúmenas e reselvagerizar metade do mundo, Ecodebate,
03/12/2014.
ATTENBOROUGH, David. Humans
are plague on Earth. Telegraph, UK, 22/01/2013.
Justin McBrien. This Is Not
the Sixth Extinction. It’s the First Extermination Event. Truthout, 14/09/2019.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/599711-brasil-perde-uma-vida-humana-por-minuto-para-a-covid-19-e-milhoes-de-vidas-para-o-ecocidio-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves