Para os deputados da oposição, Guedes não conseguiu provar a necessidade
de sua reforma e falhou ao justificar medidas consideradas cruéis, como a
mudança no BPC e aposentadoria rural
por Thais Reis Oliveira na
revista Carta Capital – Sociedade, Reforma
da Previdência e Fake News do Guedes
Desigualdade
de gênero, capitalização e entrega aos bancos: pontos em que o ministro
complica, mas não explica
Nesta
quarta-feira (3/abril), o ministro Paulo Guedes defendeu na Comissão de
Constituição de Justiça seu projeto de reforma da Previdência. Marcada por alguns
embates entre ele e os deputados da oposição,
a sessão também teve discussões interessantes sobre o projeto.
Em um
primeiro momento, Guedes se concentrou na capitalização, embora o assunto não
conste no texto que o governo enviou aos deputados. Segundo ele, o atual
modelo de repartição — em que os trabalhadores ativos financiam a aposentadoria
dos inativos — é “um avião sem gasolina partindo para alto mar com várias
bombas”.
A
solução, segundo ele, é que o trabalhador banque a própria aposentadoria, e sem
contribuição dos empresários. Para evitar que uma massa de brasileiros chegue à
velhice sem recursos, admitiu a criação de uma camada de repartição, que vai
complementar a renda de quem receberia menos de um salário mínimo.
Mais
tarde, questionado por deputados, explicou alguns pontos controversos. Para os
deputados da oposição, Guedes não conseguiu provar a necessidade de sua reforma
e falhou ao justificar medidas consideradas cruéis, como a mudança no BPC e
aposentadoria rural.
Confira alguns argumentos do
ministro Paulo Guedes:
Mulheres
“[Idade
mínima] atingiu justamente a moça de classe média alta que talvez passou num
concurso nova, nunca ficou desempregada e se aposenta aos 55, 56. Essa vai quer
que trabalhar mais 7 anos e contribuir mais.”
Guedes
usou esse exemplo para rebater a tese de que a reforma aprofunda as
desigualdades de gênero. É verdade que a maioria dos pobres se aposenta
por idade: aos 61,7 anos, em média, e ganha até um salário mínimo. Mas a
reforma piora a vida deles exigir um mínimo de 20 anos de contribuição.
O caso
das professoras também é dramático. Uma docente da rede pública que esteja
a nove meses para se aposentar, pela reforma, só poderia fazê-lo em 11 anos.
Mais da
metade dos brasileiros já não consegue hoje comprovar 15 anos, difícil imaginar
que essa taxa melhore em um cenário de informalidade crescente.
O “corte
de privilégios” é mais retórico do que prático: 83% da economia prometida
trilionária pelo ministro virá do regime geral, do Benefício de Prestação
Continuada e no fim do abono salarial.
Constituição
“O que
está sendo desconstitucionalizado são os parâmetros, porque nenhuma
Constituição tem parâmetros previdenciários. Isso é uma inadequação total. Não
há nenhum direito alterado.”
Foi
incluído na PEC um mecanismo que libera mudanças na idade mínima, cálculo do
benefício e tempo de contribuição via Lei Complementar, e não mais pela
Constituição. Essa mudança é uma das mais criticadas pelos deputados, que
acusam o governo de colocar em risco os direitos sociais já conquistados.
A
interpretação de Guedes é bastante questionável porque, na prática, esse
mecanismo facilita a tramitação desses pontos. Para alterar uma norma
constitucional são necessários 3/5 da maioria (308 na Câmara e 49 no Senado,
ambos em dois turnos). Já as leis complementares passam com bem menos votos
(257 em dois turnos no Congresso e 41 no Senado, em turno único).
Pedro
Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, explica que, se um
direito é desconstitucionalizado, ele deixa de estar acima de qualquer
discussão majoritária.
É Capitalização ou Repartição?
“O jovem
que entrar no mercado de trabalho vai poder escolher se quer ou não a
capitalização.”
Guedes
admite que sua capitalização não prevê um centavo de contribuição patronal
pelos próximos vinte anos. De outro lado, o sistema só será oferecido a quem
entre no mercado de trabalho depois de uma eventual aprovação. Essa
diferenciação favorece uma contribuição predatória entre os recém-chegados e os
novatos no mercado, e restringe as opções dos mais novos. Entre contratar um
trabalhador alguns anos mais velho que contribui para o regime geral e outro,
recém-chegado, que tenha aderido à capitalização, qual é a escolha mais vantajosa?
“Repartição
é financiada de uma forma perversa e favorece o desemprego.”
Guedes
considera o atual modelo uma das causas do desemprego, e por isso sugere o fim
das contribuições patronais. O que quebra a Previdência, na verdade, é a
informalidade. Se cada vez menos pessoas contribuem para o INSS, menor será a
arrecadação. O IBGE estima hoje que 40 milhões de brasileiros em idade
produtiva estejam foram do mercado. A reforma trabalhista, além de não cumprir
a prometida alta nos empregos, tampouco favorece a Previdência.
Outro
meio possível de atacar o problema é cobrando os devedores contumazes. O
governo calcula que haja 2 trilhões de reais a receber. “Mas tem muitas
empresas que já morreram. Nossa equipe afunilou isso e acabou chegando a 16 mil
devedores contumazes, e isso reduziu a uns 37 milhões”, disse o ministro.
Além
disso, a Previdência sustenta um amplo esquema de distribuição de renda. Mais
de 80% dos municípios brasileiros depende economicamente das pensões e
programas sociais.
Bancos
“O
princípio inicial de um sistema de capitalização é que não são os bancos que
irão gerir, não foi assim no Chile.”
Uma das
maiores críticas ao modelo de capitalização é o risco de entregar a Previdência
brasileira aos bancos. Guedes discorda, e explicou na CCJ que o sistema seria
gerido por instituições independentes, em um modelo. Não é bem assim. O economista chileno Andras Ulthoff, professor da
Universidade do Chile e especialista em Previdência, explica que os fundos de
pensões chilenos, embora cuidem exclusivamente das aposentadorias, pertencem a
grandes holdings financeiras.
Além de
empobrecer idosos, o modelo pinochetista não trouxe a riqueza prometida — do
fundo de 200 bilhões de dólares em recursos poupados pelos trabalhadores, quase
3/4 do PIB do país, cerca de 40% estão investidos no exterior.
https://www.cartacapital.com.br/politica/5-meias-verdades-ditas-por-guedes-ao-explicar-a-reforma-da-previdencia/