[ENTREVISTA] Violência obstétrica: a (des)humanização e a mercantilização da saúde
por Cristina Fontenele - site Adital - Sociedade e Saúde da Mulher e do Bebê
O Brasil vive uma "epidemia de
cesáreas", que, segundo o Ministério da Saúde, está associada à
desinformação, a questões culturais e à formação dos próprios profissionais da
saúde. A opção por esse tipo de parto tem dividido a classe médica e gerado
dúvidas nas gestantes, que se veem submetidas às restrições dos planos de saúde
e da agenda do obstetra (médico). Em busca do empoderamento do próprio corpo, muitas
dessas mulheres enfrentam uma longa trajetória até estabelecer uma relação de
confiança com o médico e suas escolhas.
Os críticos ao parto humanizado,
sobretudo do tipo domiciliar, dizem que a opção consiste em um ativismo
radical, um preconceito ideológico, que nega os avanços da Medicina e põe em
risco a vida da mãe e do bebê. Um segmento de médicos reclama que esse discurso,
supostamente "humanizador”, resulta numa banalização do parto e não permite
realizar intervenções necessárias, no tempo correto. Consideram-se "injustiçados”
por uma corrente que apresenta um viés de "puro apelo sentimental”.
Os defensores de um parto mais
natural afirmam que é importante o empoderamento da mulher e a busca por
informações, para que ela realize suas escolhas, de forma consciente, e tenha poder
sobre o próprio corpo. Defendem uma relação mais acolhedora entre médico,
paciente e demais profissionais, e questionam procedimentos percebidos como
"desnecessários e prejudiciais”. Criticam ainda que o parto não vem sendo
percebido como um processo natural na vida das mulheres.
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Segundo a OMS
[Organização Mundial de Saúde], a taxa de cesáreas devem corresponder a, no
máximo, 15% do total dos partos no país. O Brasil é o líder mundial em
cesáreas, com uma taxa de 57%, que continua aumentando 2% ao ano. |
Alinhada à corrente humanizadora,
a Rede de Médicos e Médicas Populares se propõe a ser uma alternativa ao que consideram a ”mercantilização da saúde”. A proposta da Rede é fortalecer o
Sistema Único de Saúde (SUS), que estaria sendo continuamente ameaçado pelos planos particulares de saúde.
Em entrevista à Adital, Bruna Silveira, médica de família e de comunidade,
também integrante da Rede de Médicos e Médicas Populares, enfatiza que não
existe escolha sem informação. A médica explica os "mitos da cesárea”, o que caracteriza um parto humanizado e como proceder
no caso de uma violência obstétrica. Segundo Bruna, as mulheres são
constantemente desestimuladas a terem um parto normal, ocorrendo uma desumanização
por todo o processo, incluindo as questões de precarização do trabalho dos
profissionais.
Adital: Qual a visão da Rede
Nacional de Médicos e Médicas Populares sobre o parto no Brasil?
Bruna Silveira: Nós vivemos uma verdadeira epidemia de
cesáreas, na qual o Brasil é o líder mundial. A OMS [Organização Mundial de
Saúde] preconiza que as cesáreas devam corresponder a 15% do total dos partos,
no máximo. Mas nós já atingimos a taxa de 57%. Estes dados revelam um processo
muito violento de intervenção e medicalização do parto, baseado na suposta
defectividade do corpo feminino e na incapacidade da mulher de parir de forma
natural.
No caso do Brasil, é como se mais da metade das mulheres fossem
incapazes de parir e precisassem, obrigatoriamente, da intervenção de um médico
e de seus instrumentos. Tudo isso limita e poda a singularidade e a liberdade
da mulher, além de sua autonomia de decisão e de controle sobre seu próprio
corpo e parto.
Em outros países, como na Argentina, toda essa violência obstétrica é
considerada crime, cometido contra as mulheres, que precisa ser combatido,
prevenido, punido e erradicado.
Já sabemos que dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio,
estabelecidos pela ONU [Organização das Nações Unidas], o Brasil só não
cumprirá um: reduzir a mortalidade materna. Desde 1990, tivemos avanços na
redução da mortalidade materna, mas ainda temos índices muito altos. E a OMS
relaciona esses altos índices a dois fatores principais: a ilegalidade do
aborto e a epidemia de cesáreas.
A Rede de Médicos e Médicas Populares surge para fazer um contraponto a
essa ofensiva conservadora da categoria médica. A proposta da Rede é fortalecer
o Sistema Único de Saúde (SUS), público e gratuito, estruturado pela equidade,
integralidade e universalidade, e a escolha informada (porque não existe
escolha sem informação) sobre as questões da gravidez e do parto deve incluir
todas as mulheres. Todas as mulheres devem ter o poder de decidirem aonde e
como querem parir. E, para isso, se fazem necessárias novas políticas públicas de
assistência ao parto – parto domiciliar, casas de parto, etc.
Adital: Como avalia as
políticas públicas de atendimento a mulheres grávidas no Brasil? Houve avanços
nos últimos anos?
BS: Certamente, houve avanços. Por exemplo, a transmissão
vertical de Aids (transmissão de mãe para filho) caiu em 50% no Brasil e isto
se deve ao avanço da assistência pré-natal. Segundo o relatório do Fundo das Nações Unidas para a
Infância (Unicef), a Rede
Cegonha, implantada em 2011 pelo governo, tem melhorado a assistência às gestantes
e aos recém-nascidos. Mas, por exemplo, o aumento dos números relacionados à
sífilis congênita, de 1998 a 2013, mostra que os cuidados ainda precisam ser
fortalecidos.
Com o Programa Mais Médicos, criado em 2013, já avançamos muito nessa
assistência básica e os municípios apresentam dados de queda de mortalidade
materno-infantil muito otimistas. Porém, ainda temos muito a avançar. Por
exemplo, no que diz respeito à assistência às mulheres negras: as mulheres
negras recebem menos tempo de atendimento médico que as mulheres brancas e são
as maiores vítimas da mortalidade materna, no Brasil. Em relação ao parto,
somente 27% das negras tiveram acompanhamento, ao contrário das brancas, que
somam 46,2%, além de outras diferenças, quando se trata anestesias, tempo de
espera e informações pós-parto, como aleitamento materno.
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A Rede de Médicos e
Médicas Populares entende que todas as mulheres devem ter o poder de decidirem
aonde e como querem parir. E, para isso, são necessárias novas políticas
públicas de assistência ao parto – parto domiciliar, casas de parto, etc. |
Adital: Por que o Brasil
apresenta um alto índice de cesáreas? O que estaria por trás desses números?
BS: Na verdade, fora do SUS, os índices são ainda
mais assustadores. Dados do Sinasc (Sistema de Informações sobre Nascidos
Vivos) mostram as instituições campeãs de cesárea em São Paulo. Nos hospitais
campeões, as cesáreas correspondem a 96%-93%-91% do total de partos. Isto não
só não é normal, como é um verdadeiro atentado contra as mulheres, contra os
bebês e contra o direito do bem-nascer.
E é por isso que partos normais, naturais, humanizados, domiciliares,
são vistos com maus olhos, e os profissionais que tentam remar contra essa maré
são até perseguidos. As causas são múltiplas e passam pela falta de informação
e/ou desinformação, mas há, de fato, a questão de conveniência para os
hospitais e planos de saúde. É a lógica da mercantilizarão da saúde que impera.
Um único trabalho de parto fisiológico, com parâmetros clínicos
materno-fetais normais, pode ocupar uma sala de parto por todo um período de
plantão, por exemplo. Enquanto a operação cesariana é muito mais simples em
termos de tempo, dedicação e custos. E na mesma sala cirúrgica, é possível ter
várias operações em um mesmo dia. Além disso, profissionais que se propõem a
atender a trabalhos de parto fisiológicos devem se programar para estarem
disponíveis para as mulheres por cinco semanas e não podem agendar muitas
pacientes num mesmo período, ou elas podem entrar em trabalho de parto juntas.
E isto acaba contaminando até o sistema público, por muitas razões.
Também passa por "esvaziar os leitos”, já que as demandas podem ser
muito altas, e pela educação médica que, seguindo a lógica mercantil, vai
deixando o parto normal em segundo plano, ao ponto de muitos profissionais
especialistas se formarem sem nunca terem acompanhado um trabalho de parto
fisiológico completo e livre de intervenções. Mas, aqui, é claro, entram também
as questões de precarização do trabalho dos profissionais. Há desumanização por
todo o processo e, se queremos combater a violência contra as mulheres, também
temos que olhar para isso.
As excessivas e desgastantes rotinas de trabalho e a escassez de
profissionais por plantão, que dificultam a assistência atenta e
individualizada das mulheres, também devem ser consideradas. Para mudar esse
cenário, muita coisa dentro do hospital precisa mudar junto. E fora dele
também. Precisamos de mais e mais casas de parto, precisamos integrar o parto
domiciliar ao SUS, precisamos de mais obstetrizes.
Em São Paulo, temos a casa de parto de Sapopemba, que é SUS, e a Casa
Angela, que ainda não é SUS (está tentando virar), mas é, sem dúvida, um dos
maiores exemplos de assistência integrada e humanizada ao parto. Em Belo
Horizonte [Estado de Minas Gerais], por
exemplo, o Hospital Sofia Feldman desenvolveu uma iniciativa pioneira de
assistência aos partos domiciliares, com 100% de cobertura pelo SUS.
Se temos evidências científicas suficientes para provar que o parto
normal é a melhor via de nascimento para a mãe e o bebê, e isso, ainda por
cima, barateia os custos nacionais, qual seria o mal nisso? Sem indicação
clínica explícita, não há justificativa para se realizar cesáreas ao invés de
partos normais.
Adital: O que caracteriza uma
violência obstétrica e quais os tipos mais frequentes no Brasil?
BS: Muitas pessoas já se "acostumaram” com a
violência cotidiana dos serviços de saúde brasileiros. A violência obstétrica
pode ser de vários níveis: negar atendimento ou impor dificuldades ao
atendimento à mulher; impedir a entrada do acompanhante escolhido pela mulher;
comentários constrangedores ou ofensas às mulheres; desinformação; impedir ou
retardar o contato com o bebê, ou impedir o aleitamento materno na primeira
hora de vida, sem necessidade médica explícita; e até o agendamento de cesáreas
sem indicação clínica, sem recomendação baseada em evidências científicas,
apenas para atender aos interesses e conveniências do médico ou instituição.
Os profissionais parecem ter se esquecido do quão fundamental é uma
mulher saber que, dentro do "sorinho” que está recebendo na veia, há ocitocina,
que a fará entrar em um processo doloroso de contrações não fisiológicas.
Esqueceram de perguntar a ela se ela concorda. Simplesmente, esqueceram de
perguntar se tudo bem fazer sucessivos e dolorosos toques vaginais, se tudo bem
romper sua bolsa e quais as possíveis consequências disso, se tudo bem cortar o
seu períneo na desnecessária, mas rotineira episiotomia, se tudo bem amarrá-la
na maca. O que está havendo é uma extrema banalizaçao da violência.
Somos o país campeão de cesáreas do mundo, então, certamente, o
agendamento de cesáreas sem real indicação é uma das violências obstétricas
mais frequentes no Brasil. E sempre com base nos "mitos da cesárea” e na
desinformação das mulheres, como, por exemplo: falta de dilatação, circular de
cordão umbilical, placenta envelhecida, "não entrou em trabalho de parto” e
muitas outras. Nada disso é indicação real de cesárea. A qualidade da placenta
isolada de outros achados clínicos não tem significado. A circular de cordão
ocorre em 40% dos partos. O cordão é elástico e não será, facilmente, ocluído
em circulares, se for o único achado, definitivamente, não justifica cesárea -
e a circular de cordão deve ser desfeita após o nascimento, em qualquer via de
parto, normal ou cesárea.
A falta de dilatação e "não entrou em trabalho de parto”, tecnicamente,
não ocorrem em mulheres normais, só ocorrem quando o médico não espera o tempo
suficiente. Muitos protocolos brasileiros se baseiam nos conceitos de Friedman
e de Philpott e Castle, para o registro do partograma, determinar a evolução
"normal” do parto, e os "momentos de alerta” e "ação” dos médicos. Mas, além
desses estudos serem antigos e relativamente pequenos, eles não contribuíram
para atingir os objetivos preconizados pela OMS: redução das taxas de cesáreas
e diminuição da mortalidade materno-fetal.
Falamos, sempre, de Medicina baseada em evidências, mas, principalmente
na obstetrícia, continuamos seguindo dogmas que só violentam as mulheres, sem
nenhuma ciência que respalde. A benefício de quem?
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Segundo a médica
Bruna Silveira, as mulheres negras recebem menos tempo de atendimento médico do
que as mulheres brancas e são as maiores vítimas da mortalidade materna no
Brasil. Em relação ao parto, somente 27% das negras tiveram acompanhamento, ao
contrário das brancas (46,2%). |
Adital: Como a mulher deve
proceder caso ocorra violência com ela?
BS: A pesquisa
"Mulheres brasileiras e gênero nos espaços
público e privado”, de 2010,
da Fundação Perseu Abramo, mostra que uma em cada quatro mulheres brasileiras
já foi vítima de violência obstétrica. No Brasil, a violência obstétrica não é
crime, como ocorre na Argentina e na Venezuela. Mas as mulheres vítimas de
violência obstétrica, se assim desejarem, podem buscar as medidas judiciais e
denunciar o caso.
A Defensoria Pública de São Paulo tem feito um ótimo trabalho no
combate à violência obstétrica. A orientação é que a mulher exija cópia do seu
prontuário junto à instituição de saúde onde foi atendida (documentação que
pertence à paciente, podendo ser cobrado apenas o valor referente aos custos
das cópias). Procure a Defensoria Pública, independentemente se o caso ocorreu
em serviço público ou privado, e/ou ligue para o 180 (Violência contra a
Mulher) ou para o 136 (Disque Saúde).
Muitas iniciativas surgem por todo o Brasil para defenderem e darem
apoio às mulheres vítimas dessa violência. A ONG Artemis criou um "mapa
colaborativo” de violência obstétrica para que as brasileiras registrem casos
de desrespeito.
Adital: O que caracteriza um
parto humanizado e por que ele sofre preconceito por algumas vertentes, que, em
geral, culpabilizam a mulher pela escolha?
BS: A humanização não se trata de abraço,
paredes coloridas, cartões de pré-natal com desenhos ou a infantilização das
mulheres ("mãezinhas”). A humanização é o respeito profundo à autonomia das
mulheres, o que também envolve transparência e honestidade das ações, com informações
adequadas, atualizadas e baseadas em evidências.
No parto humanizado, nenhum procedimento é rotineiro: as intervenções
são feitas de forma criteriosa e apenas quando realmente necessárias. Em geral,
o médico é a autoridade no parto, pois "estudou para isso”. E a mulher é a figura
passiva. No movimento de humanização do parto, a mulher é protagonista do
próprio parto e deve participar, ativamente, das decisões, em parceria com os
profissionais que lhe dão assistência. No parto humanizado, a mulher é
incentivada a se informar e a fazer suas próprias escolhas. Seus desejos são
acolhidos e respeitados.
E, sobre essa culpabilização, que mais me parece mais uma desculpa para
seguir nessa lógica, temos pesquisas demonstrando que a grande maioria das
mulheres inicia o acompanhamento da gestação querendo parto normal, e esse
número, realmente, é modificado durante o processo pela verdadeira cultura de
medo que há sobre o parto. As mulheres são constantemente desestimuladas a
terem um parto normal: "nossa, como você é corajosa”, "tem certeza?”, "apenas
se estiver tudo bem será parto normal”. E o mesmo não ocorre com as cesáreas.
Essa realidade precisa ser invertida: "apenas em último caso, se tivermos
alguma intercorrência, o que não é o mais comum, você terá uma cesárea”. Essa
cultura precisa ser transformada.
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No caso de violência
obstétrica, a orientação é que a mulher exija cópia do seu prontuário junto à
instituição de saúde onde foi atendida, procure a Defensoria Pública
independentemente se o caso ocorreu em serviço público ou privado e/ou ligue
para o 180 (Violência contra a Mulher) ou para o 136 (Disque Saúde). |
Adital: Fora do Brasil, existem
experiências positivas que podem funcionar como referência de políticas
públicas para uma orientação mais humanizada do parto?
BS: Sim, muitas! O Canadá, a Nova Zelândia, a Inglaterra,
a Holanda... Muitos países podem nos servir de referência. Na Holanda, cerca de
35% dos nascimentos ocorrem em casa. A taxa de cesárea é menor do que 10% e a
gravidez não é patologizada, tende a ser vista como uma fase especial na vida
de uma mulher, assim como o parto, visto como um processo normal. Os partos de
baixo risco são acompanhados por obstetrizes, em domicílio ou no hospital. Os
cirurgiões-obstetras acompanham apenas os partos de maior risco ou complicados.
Lá e em muitos outros países, o sistema de saúde é realmente estruturado de
acordo com os riscos e complexidade. Obstetrizes e médicos de família
acompanham gestações de risco habitual, com o parto ocorrendo no local que as
mulheres desejarem (domicílio, casas de parto ou hospitais), enquanto os
cirurgiões-obstetras acompanham as gestações e os partos de alto risco dentro
do hospital.
Adital: Quais são os
profissionais legitimamente amparados e tecnicamente habilitados para o
exercício da assistência ao parto no Brasil? As doulas e parteiras são
reconhecidas?
BS: Estão legalmente amparados para a assistência
ao parto no Brasil médicos, enfermeiros obstetras e as obstetrizes. Os médicos
obstetras são os únicos habilitados para os partos cirúrgicos. O problema é
que, em geral, a formação dos mesmos os habilita plenamente apenas para essa assistência
intervencionista e os partos cirúrgicos. Então, os obstetras que se propõem a
acompanharem partos fisiológicos livres de intervenção, precisam se capacitar e
se atualizar de outras formas. E isso precisa mudar desde o currículo da graduação
de Medicina e Enfermagem.
Doulas não estão habilitadas a darem assistência ao parto. A doula não
executa qualquer procedimento técnico, não faz exames, não cuida da saúde da mãe
ou do recém-nascido, e não substitui os outros profissionais. A doula cuida,
especificamente, do bem estar físico e emocional da mulher durante a gestação e
o trabalho de parto. Apesar disso, a atuação das doulas é de extrema importância,
e as pesquisas têm mostrado que pode reduzir as taxas de cesárea, a duração do
trabalho de parto, os pedidos de anestesia, o uso da ocitocina e fórceps.
As obstetrizes também são chamadas, muitas vezes, de parteiras. Mas, em
relação às parteiras tradicionais, sinceramente, eu não sei como isso se dá
legalmente. Sei que, se não há lei que proíba, não é crime. E sei que elas
cumprem um papel fundamental nesse nosso país continental. Segundo o Datasus
[Sistema de Informação do Ministério da Saúde], são realizados, anualmente, no
Brasil, em média, 41 mil partos domiciliares, e desses a maioria é assistido
por parteiras tradicionais.
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A médica Bruna
Silveira explica que a humanização no parto não se trata de abraço, paredes
coloridas ou a infantilização das mulheres ("mãezinhas”). A humanização seria o
respeito profundo à autonomia das mulheres, o que também envolve transparência
e honestidade das ações. |
Adital: Como avalia a relação
da grávida com o médico na construção de confiança para escolher o método mais
adequado de parto, de acordo com suas próprias condições (econômica, cultural,
de saúde, psicológica)?
BS: A relação da mulher com todos os profissionais
(médico, obstetriz ou doula) envolvidos é de extrema importância nesse processo
de escolhas. Se a gestante é vista como passiva diante do processo do parto, é
considerada uma "paciente” e, como tal, é esperado que aceite as decisões
impostas por quem estiver no comando da situação. Mas, se é vista como sujeita
ativa do processo, compartilha todas as decisões com a equipe, com respeito,
autonomia e transparência. Como deve ser.
O que, infelizmente, acontece no SUS é que, em geral, os profissionais
que acompanham o pré-natal nas Unidades Básicas de Saúde não estarão presentes
na assistência ao parto, que são, muitas vezes, hospitalares. E é, principalmente
por isso, que o papel dos profissionais da assistência pré-natal de baixo risco
(médicos de família e comunidade e enfermagem) é tão fundamental.
As mulheres podem e devem escrever um plano de parto, mesmo para o
hospital, e exigir que sejam respeitadas. Quanto mais as mulheres tiverem
acesso às informações, mais estarão apropriadas sobre o assunto, serão sujeitas
ativas do próprio parto e estarão mais preparadas para saberem o momento certo
de ir ao hospital e com mais propriedade para evitarem intervenções desnecessárias.
O ideal seria, claro, que ninguém precisasse "lutar” para não ser violentada.
Mas, infelizmente, isso faz parte desse processo de mudança cultural.
Legenda 6: Segundo o Datasus
[Sistema de Informação do Ministério da Saúde], são realizados, anualmente, no
Brasil, em média, 41 mil partos domiciliares, e desses a maioria é assistido
por parteiras tradicionais.
Adital: Movimentos como o
Sagrado Feminino visam a recuperar o empoderamento da mulher como protagonista
do próprio parto. Você avalia que esse tipo de ideia tem espaço para se ampliar
no atual sistema médico?
BS: Pessoalmente, eu gosto bastante dos
movimentos de Sagrado Feminino. Mas entendo que não se trata de um conhecimento
baseado em evidências, e nem tem a pretensão de ser. De qualquer forma, acho
que cabe a cada mulher dizer se isso faz sentido para ela ou não. Para essa decisão,
ela precisa ter informação e, inclusive, saber que não há base científica nesse
conhecimento. Assim como ainda não há base científica, ao contrário do que muitos
pensam, em muito do que a Medicina ainda faz e diz. E, se for de sua escolha
seguir essa ou qualquer outra ideia, por que não?
De qualquer modo, a própria ciência já começa a se voltar para as questões
de vivências, experiências e emoções na determinação dos processos de
saúde-doença. Tenho plena convicção de que o empoderamento da mulher como
protagonista e essa reconexão são fundamentais para o processo da gestação e
parto. Mais do que isso: para todas as questões de saúde e autocuidado.
http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=86870