“...quando esse poder é usado para
mudar a interpretação da Constituição, punir umas pessoas e poupar outras, tudo
fica “muito complicado’’...’’
por Renato
Janine para Rede Brasil Atual e Sul21 – Sociedade com STF Anti-Democrático
Para o filósofo, a democracia não entrou no DNA do Brasil, uma sociedade
planejada para ser desigual, excludente e exploradora (Reprodução YouTube/TVT)
Convidado
do programa Entre Vistas desta terça-feira (13/06), exibido
pela TVT, o filósofo Renato Janine Ribeiro surpreendeu ao afirmar
que o Supremo Tribunal Federal (STF) não tem muita noção do que é democracia.
Como exemplo, citou decisões tomadas pela Corte durante anos que alçavam ao
cargo de prefeito ou governador o segundo colocado de determinada eleição,
quando o vencedor tinha, por algum motivo, sua vitória cassada.
“Isso não
vale, tem que fazer nova eleição. O Supremo não tem muita noção do que seja
democracia, eles (os ministros) pensam mais a partir do Estado de
direito, mas a ideia de que o Estado democrático de direito é um avanço sobre o
Estado de direito não entra muito na cabeça deles”, afirmou. Para ele, é uma
“vergonha” o Judiciário impedir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de
concorrer nas próximas eleições, justamente o candidato que lidera todas as
pesquisas de intenção de voto.
“Você não
faz isto trivialmente, numa sentença extremamente contestável (em referência
à condenação imposta pelo juiz Sérgio Moro). Não se faz isto. Quem faz
isto? O Putin faz isto na Rússia, teve um ditador na Malásia que fez isto”,
criticou o professor de Ética e Filosofia Política da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). “Não são as
democracias consolidadas que usam pretexto jurídico para tirar um candidato que
não agrada o establishment.”
Além de
refletir sobre a democracia no Brasil e no mundo, durante quase uma hora de
programa o ex-ministro do governo de Dilma Rousseff abordou temas como ética,
corrupção, desigualdade social e, claro, educação. Sobre corrupção, disse que
historicamente o tema é apontado como o principal problema do país e fonte de
todos os males – uma visão da qual discorda frontalmente. Para ele, num momento
de grave crise econômica como a enfrentada pela ex-presidenta Dilma, o governo
pode acabar adotando políticas ruins ou equivocadas para o momento, mas a ideia
que prevalece é a corrupção como culpada de tudo.
“Nem tudo
na política é corrupção ou roubo, mas no Brasil é muito difícil ter esse
raciocínio um pouco mais sofisticado”, ponderou. Na sua opinião, o cidadão deve
obviamente querer eleger um candidato honesto, mas que também tenha ideias e
ideais com os quais o eleitor se identifique. “Isso no Brasil é difícil. Neste
sentido, a democracia no país pegou muito de leve, não entrou no DNA. Temos um
DNA meticulosamente planejado para sermos uma sociedade desigual, excludente e
exploradora. Isto não está aí por acaso, foi planejado nos mínimos detalhes. O
Brasil é um caso de sucesso, deveria ser estudado como conseguiu tanto sucesso
na exclusão”, disse o filósofo, em tom de ironia.
O grande desafio
O
ex-ministro da Educação critica a reforma no ensino médio realizada pelo
governo de Michel Temer, embora reconheça que mudanças são necessárias. Segundo
Renato Janine, o ensino médio deve formar o indivíduo como cidadão, um ser
humano qualificado, de modo a preparar o jovem para lidar com a vida concreta.
Destacou que as matérias de ciências humanas, “quando são bem dadas”, cumprem
esse objetivo.
“A
sociologia, por exemplo, deveria preparar as pessoas para entender a produção
da pobreza e da riqueza, as culturas mais variadas. A filosofia política
deveria ensinar o que é direita e esquerda, o que é democracia e ditadura, o
que é liberalismo e socialismo, além de ética e lógica”, explicou o professor
da USP. “Na verdade o jogo é um só. O jogo é você formar um pensamento
qualificado, rigoroso sobre a vida.”
Questionado
pelo apresentador Juca Kfouri sobre sua passagem como ministro da Educação,
Renato Janine disse que o mais difícil foi perceber que entre os seus ideais e
a aplicação deles há uma “máquina gigantesca”. Como exemplificou, elogiou a
criação de novas universidades públicas e a ampliação de vagas no ensino
superior durante os mandatos de Lula e Dilma, mas afirmou que mexer na educação
básica é algo muito mais difícil. “A educação do jeito que é, mantém
desigualdades. Se ela for boa, reduz.”
Sobre os
polêmicos projetos de lei batizados de Escola sem Partido, que atualmente
tramitam no Congresso e câmaras municipais, o ex-ministro da Educação afirmou
que a escola deve ser baseada na ciência. “Não penso que escola seja lugar de
ideologia”, sentenciou. Para ele, devem prevalecer as ciências humanas e
exatas, e outras áreas, como artes e línguas, para se ter um “conhecimento
rigoroso”. No mais, os valores que a escola deve transmitir são aqueles
inscritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros tratados
semelhantes.
“Eu nunca
tomei partido em sala de aula. Sempre quis apresentar os dois lados e fazer com
que a discussão prospere”, afirmou, destacando que nenhuma ciência dispensa
controvérsias e polêmicas. Porém, de acordo com o filósofo, não se pode querer
numa aula de física ou biologia ensinar o criacionismo, pelo simples fato dele
não ser ciência. “Não tem que colocar criacionismo em lugar nenhum da escola.
Se alguém deseja ensinar isto numa escola religiosa, que o faça por conta e
risco, mas a escola não é o espaço da polêmica pela polêmica.”
O golpe e o anão
Quase ao
final do Entre Vistas, Juca Kfouri perguntou ao ex-ministro se ele
tem certeza que haverá eleição em outubro, questão recorrente em certos grupos
do campo progressista nos últimos tempos. “É uma questão muito difícil”,
disse Renato Janine. Para ele, o Brasil hoje é um “anão internacional”, um país
não mais respeitado mundo afora, e o eventual cancelamento das eleições
aumentaria essa desmoralização internacional.
Sem
receio de usar a palavra “golpe” para definir os acontecimentos recentes mais
marcantes no país, como o impeachment de Dilma e a prisão de Lula, o filósofo
acredita que a preferência dos golpistas seja a vitória de um candidato do
PSDB.
Segundo o
ex-ministro, o que mais preocupa é a falta de respostas à altura da esquerda e
do campo progressistas, em geral, a cada “passo do golpe”. O comportamento
seletivo da Justiça é outro elemento apontado por ele como preocupante. O
grande exemplo é a prisão de Lula por um apartamento que nunca foi dele,
enquanto o senador Aécio Neves (PSDB-MG), gravado pedindo R$ 2 milhões, está
solto.
O próprio
protagonismo assumido pelo poder judiciário é visto como preocupante pelo
filósofo. Lembrando que a Justiça é um poder não eleito, com características
aristocráticas, Renato Janine Ribeiro diz “não ser mal” ter um poder
qualificado pela competência, resultado de concursos públicos, mas quando esse
poder é usado para mudar a interpretação da Constituição, punir umas pessoas e
poupar outras, tudo fica “muito complicado”.
https://www.sul21.com.br/ultimas-noticias/politica/2018/06/o-stf-nao-tem-muita-nocao-do-que-seja-democracia-diz-renato-janine/