por Helder Lima, do site Rede Brasil Atual - Sociedade, Economia e Bem Estar Social (fonte no final do texto)
São Paulo – Contra a "ditadura do pensamento único"
de que somente o ajuste fiscal capitaneado pelo ministro da Fazenda,
Joaquim Levy, pode apontar saídas para a recessão do país, foi lançado
na tarde de hoje (28/set/2015), em São Paulo, o documento "Por um Brasil Justo e
Democrático", que se propõe a ampliar o debate sobre os rumos do país, e
apresenta alternativas de política econômica para a retomada do
crescimento brasileiro.
Os quase 200 profissionais que assinam o documento, entre
economistas, advogados, urbanistas e outros profissionais formadores de
opinião ligados ao pensamento progressista, têm como consenso o
diagnóstico que o ajuste fiscal prejudica a atividade econômica em vez
de tirar o país da recessão. “O documento se presta a evitar o
terrorismo da lógica de curto prazo dos mercados especulativos”, afirmou
o presidente da Fundação Perseu Abramo, o economista Marcio Pochmann.
“Esse pensamento nos faz pensar pequeno. Precisamos ter clareza de que
ao apontar para a lua não podemos ficar focados no próprio dedo.”
Entre as alternativas defendidas pelo documento,
destacam-se mudanças para colocar a geração de emprego e renda no centro
da política econômica do governo, para que o país volte a combater as
graves desigualdades sociais com vistas à distribuição de riqueza. Em
termos práticos, o documento defende que o papel do Banco Central seja
ampliado – hoje a atuação monetarista do banco está focada em combater a
inflação com elevação de juros, quando na verdade deveria olhar para a
proteção social; e que o parâmetro da inflação deixe de ser o IPCA, "um
índice ruim para a inflação, porque inclui produtos sobre os quais o
governo não tem influência", critica o professor de economia da Unicamp
Guilherme Mello.
O documento defende ainda maior controle do governo sobre a política
cambial, "pois hoje a regulamentação é frouxa e permite a especulação
com a nossa moeda", afirma Mello, e também uma visão do papel de longo
prazo dos bancos públicos, voltada ao desenvolvimento, "já que hoje o
que estamos vendo é um ataque do mercado aos bancos públicos". Esse
próprio mercado, segundo o economista, não teria condições de financiar o
desenvolvimento se os bancos públicos acabassem.
O documento sugere também que o governo flexibilize o modelo do tripé
macroeconômico, com base no controle da inflação, câmbio flutuante e
metas de superávit primário; e também mudanças na estrutura tributária
para promover justiça fiscal em um país em que as elites não pagam
imposto e os pobres são sobrecarregados por impostos embutidos no
consumo.
Ao ser indagado por jornalistas se o grupo defende a saída do
ministro Joaquim Levy, Pochmann disse: "Não estamos aqui para defender
esta ou aquela pessoa. A nossa proposição é de conteúdo sobre os rumos
do Brasil. Nós já tivemos experiência no período recente com as mesmas
medidas aqui defendidas e que deram resultados fundamentais: o país
conseguiu o grau de investimento (
durante o governo Lula)
fazendo outro tipo de política”, afirmou em referência a "medidas
voltadas para o crescimento e não para o aprofundamento da recessão, com
receituário neoliberal, que deseja corte de empregos e de renda para
combater a inflação".
O documento é dividido em duas partes, uma focada em
“Alternativas para o Brasil voltar a crescer” e outra em “Subsídios para
um projeto de desenvolvimento nacional”. O documento reúne instituições
que historicamente têm desempenhado papel ativo na defesa dos
trabalhadores, como a Fundação Perseu Abramo, a Plataforma Política e
Social, o Brasil Debate, o Centro Internacional Celso Furtado de
Políticas para o Desenvolvimento e a Rede Desenvolvimentista.
Pochmann também criticou que “o ajuste fiscal reduz a atividade
econômica porque cortam-se gastos públicos, aumentam-se os impostos,
reduz a renda na economia e, portanto, a economia cresce menos, o Estado
arrecada menos, e não se consegue reduzir as despesas no mesmo nível.
Então, é um problema permanente".
O economista lembrou que, em janeiro, o ministro Levy havia
afirmado que haveria uma recessão de apenas três meses. "Agora, se fala
em uma recessão que poderá durar até 2017, e o país não suporta essa
magnitude”.
O líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stedile, afirmou à reportagem da
RBA
que a iniciativa do documento é mais do que necessária para ampliar a
discussão sobre a grave crise que o país está vivendo. “A burguesia
apresentou como saída a volta do neoliberalismo e o governo está
equivocado”, disse ao destacar que a recessão tem sido vista como um
problema de orçamento, o que tem como resultado ainda mais crise. “Essa
iniciativa recoloca o debate em seus devidos termos, precisamos de uma
nova política econômica para sair da crise. E só há saída se houver
debate e mobilização em torno de alternativas concretas”.
Para Stedile, a opção de política neoliberal adotada pelo
governo pode ter surgido de um “susto” com a crise política que se
instalou a partir das eleições do ano passado e do agravamento da crise
no cenário internacional, que desta vez afeta especialmente Brasil,
Rússia e China. Stedile vê a opção do governo com a política de
austeridade como um “aceno à burguesia” para tentar se proteger. Mas ele
também considera que quanto mais o governo oferece, pior fica e vê como
irreversível a necessidade de mudar a política econômica.
Um dos argumentos centrais que o documento pretende desmontar é
o de que a culpa da recessão atual é do aumento “exagerado” de
salários, ou da nova matriz econômica do país, com inclusão no consumo e
expansão da classe média, graças às escolhas dos dois governos Lula e
ao primeiro mandato de Dilma Rousseff. “Não aceitamos esse argumento”,
afirma o economista da Unicamp Pedro Rossi, para quem o país viveu um
ciclo virtuoso a partir de 2003, com distribuição de renda e crédito e
também aumento de produtividade na indústria.
“Durante esse período, principalmente entre 2005 e 2011, houve
um aumento do mercado consumidor e da capacidade de oferta; o
investimento também cresceu sistematicamente, não foi um crescimentos
artificial”, defendeu, ressaltando que a taxa de investimento no país
chegou a 12% em 2008. Mas ele também critica que faltou sintonia entre a
economia e o crédito, e que o padrão de consumo no país foi modernizado
sem mudanças na infraestrutura da economia.
Para Rossi, um dos erros fundamentais do primeiro mandato de
Dilma Rousseff foi a ausência de contrapartida dos empresários em
relação às desonerações adotadas pelo governo, como medidas anticíclicas
para reverter um quadro que já apresentava sinais de desaceleração. “Os
empresários engordaram suas margens de lucro, mas não deram retorno.
Seria mais importante ter um plano de gastos do que desonerações”,
afirmou.
Segundo Rossi, o discurso da crise que se tornou dominante
buscou fazer um clima de terrorismo fiscal já em 2014, quando ainda não
havia nada que apontasse para uma crise grave. Sobre o resultado
primário negativo no ano passado (-0,6%), depois de anos de resultados
positivos, ele afirma que, apesar de negativo, esse desempenho foi
melhor do que em outros países. “Nossa dívida caiu e hoje não estamos
com o FMI na porta”, disse.
Com a redução atual nos ciclos de consumo e de crédito, as
variáveis de demanda estão sendo fragilizadas, diz o economista. “O
ajuste fiscal está piorando as contas fiscais, estamos piores hoje do
que em dezembro de 2014”, afirma. “Irresponsabilidade fiscal é jogar o
país numa recessão.”
http://www.redebrasilatual.com.br/economia/2015/09/documento-da-perseu-abramo-ataca-terrorismo-da-logica-de-curto-prazo-dos-mercados-especulativos-4572.html