Na onda de louvação das virtudes do
mundo globalizado, a rejeição ao “nacional” atingiu camadas profundas
das almas excelentes
por Luiz Gonzaga Beluzzo, na Carta Capital - Sociedade e Reconhecimento Social (fonte no final)
Um grande e velho amigo tem o
hábito de estender a mão, cumprimentar e conversar com os funcionários
ao chegar à sua empresa. Pergunta pela família, quer saber dos filhos,
os pequenos, os adolescentes e os crescidos. Brinca com os torcedores
adversários nas derrotas de seus times e até mesmo ironiza os fanáticos
da sua banda futebolística.
Numa dessas, estendeu a mão para
cumprimentar o jardineiro recém-chegado. Ele cuidava das orquídeas e
bromélias espalhadas à frente do edifício da diretoria. Diante da mão
estendida, o jardineiro mostrou as mãos sujas de terra e sacudiu os
braços em um gesto de frustração. Meu amigo não desistiu: abraçou o
artesão da natureza. O trabalhador ficou surpreso e no almoço com os
companheiros não se cansava de dizer: nunca havia sido tratado “dessa
maneira”.
“Essa maneira” revela muito mais do que um
abraço. O abraço e seu reconhecimento, mais o reconhecimento do que o
abraço, revelam as entranhas de um certo Brasil. Os habitantes desse
país dentro do País não veem as pessoas. As pessoas, gente, humanos,
eles e elas, aqueles que começaram a aparecer nos aeroportos, nos
supermercados, nos shopping centers, percebem que os de cima sentem que
“eles não são o que nós somos”. Não conseguem reconhecer o outro.
Convivem no mesmo território, mas não frequentam a mesma sociedade.
Querem dizer: eles não são nossos semelhantes. São nossos servidores.
Na onda de louvação das virtudes do
mundo globalizado, a rejeição ao “nacional” atingiu camadas profundas
das almas excelentes. A nova rejeição é mais profunda porque, de forma
devastadora, erodiu os sentimentos de pertinência à mesma comunidade de
destino, suscitando processos subjetivos de diferenciação e
desidentificação em relação aos “outros”, ou seja, à massa de pobres e
miseráveis que “infesta” o País. E essa desidentificação vem assumindo
cada vez mais as feições de um individualismo agressivo e
antirrepublicano.
A rejeição também foi mais ampla porque essas formas
de consciência social contaminaram vastas camadas das classes médias:
desde os “novos” proprietários, passando pelos quadros técnicos
intermediários até chegar aos executivos assalariados e à nova
intelectualidade formada em universidades estrangeiras ou mesmo em
escolas locais que se esmeram em reproduzir os valores do individualismo
agressivo. Isso para não falar do papel avassalador da mídia.
http://www.gazetadejoinville.com.br/portal/2015/09/21/beluzzo-a-elite-brasileira-nao-reconhece-nosso-povo/
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