O crescente descrédito na política em geral e na boa política em particular: ‘todos os políticos são ladrões’, é a expressão que se ouve diariamente, ou ‘não vale mais a pena lutar ou perder tempo com a comunidade e o coletivo. Burro é quem ainda se preocupa com isso’, é a toada individualista
por Selvino Heck* para Sul 21 – Sociedade e Chamada aos Movimentos
Sociais Brasileiros
Há uma crise profunda,
que, como toda crise, traz riscos e oferece oportunidades.
Os riscos da conjuntura
e do cotidiano são muitos e variados.
O mundo pode estar à
beira da terceira guerra mundial, de consequências imprevisíveis: o sistema
capitalista é dominado pela financeirização do capital e as lideranças
mundiais, à exceção do Papa Francisco, estão dominadas pela irresponsabilidade
e pela insensatez do poder e do dinheiro.
Um governo golpista cada
mais envolvido em falcatruas e entreguista está levando o Brasil ao abismo: não
há à vista nenhuma saída confortável no curto prazo.
A perda da esperança: o
desencanto atinge parcelas consideráveis da população e mesmo da militância.
O desperdício de
energias em questões secundárias: a crise leva a considerar o menos importante
como principal e a perder-se no que não leva a lugar nenhum.
O crescente descrédito
na política em geral e na boa política em particular: ‘todos os políticos são
ladrões’, é a expressão que se ouve diariamente, ou ‘não vale mais a pena lutar
ou perder tempo com a comunidade e o coletivo. Burro é quem ainda se preocupa
com isso’, é a toada individualista.
O desemprego em alta: ‘Ninguém
tem trabalho em 15,2 milhões de lares; a população sem trabalho superaria os 60
milhões’, é a manchete do jornal Valor Econômico de 29 de agosto;
A violência está
presente em todos os lugares e a qualquer hora: ninguém sente-se seguro nas
ruas ou nem mesmo dentro da sua casa.
A miséria mostra-se como
ferida aberta nas ruas e nas praças, em rápido crescimento, em todas as
cidades, pequenas, médias e grandes, sem exceção.
A perspectiva do caos
econômico, político e social nos próximos anos está no horizonte: segundo
muitos analistas, a continuar o quadro atual, especialmente no campo político,
econômico e social, o estado de pré-caos tende a agravar-se rapidamente no
Brasil, atingindo os mais pobres em primeiro lugar.
Os tempos, portanto, não
estão pra peixe, como se diz no jargão popular. Mas como em toda crise, mais ou
menos profunda, há também as oportunidades.
Aparece a possibilidade
de propor horizontes, esperança: as pessoas, as comunidades, os movimentos e
organizações sociais, as igrejas começam a se movimentar e debater alternativas
e futuro.
Há
novas práticas libertárias e libertadoras em diferentes espaços: na base
popular e em diferentes setores sociais, surgem e estimulam-se novas formas de
sociabilidade, novos jeitos de enfrentar os problemas do cotidiano, outros
conceitos e formas de convivência e solidariedade.
Novos e diferentes
atores apresentam-se na cena: a juventude ocupa escolas, as populações
ameaçadas em seus direitos se organizam, os de baixo costuram outros sonhos e
utopias, mesmo e apesar da dura realidade onde vivem.
E a cada dia
apresentam-se urgências.
O pão, a palavra, o
projeto: em primeiro lugar, é fundamental garantir o pão – educação, saúde,
assistência social e tudo mais – na mesa de todas e todos. O pão precisa estar
acompanhado da mensagem – a palavra que anima e provoca a ação. Pão e palavra
exigem um projeto – uma nova sociedade, um novo homem e uma nova mulher, novas
relações com todos os seres vivos, uma utopia concreta e viável.
O resgate da dignidade
humana e a coesão social: quando os direitos estão ameaçados, especialmente dos
mais pobres, é preciso gritar e agir em sua defesa, tal como o faz o Papa
Francisco.
Ação política com ética
e mística: todo agir político deve ter a ética como compromisso e estar
amparado por uma mística de mudança.
A utopia: um outro mundo
é possível, urgente e necessário, a ser construído nas ações do cotidiano, mas
também na largueza do médio e longo prazo.
Uma nova síntese: todas
as forças populares e libertárias estão chamadas a construir um programa e
projeto comuns, tal como foi, nos anos 1980, o programa democrático-popular com
horizonte socialista, e que unificou os atores sociais e políticos.
Os riscos de uma crise
sempre podem ser enfrentados e superados, como aconteceu tantas vezes na
história brasileira. Nada está perdido definitivamente. Sempre é possível
aproveitar as oportunidades, com fé e coragem.
Selvino
Heck*, deputado estadual
constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990).