O atual aumento do clima é causado pelos próprios seres humanos, não tanto pelas grandes maiorias pobres, mas pelas populações dos países opulentos (EUA, Europa, Japão, Rússia, Austrália, Canadá e China)
O Brasil, por causa de sua vasta extensão ensolarada, será um dos mais
atingidos pelo aquecimento global e pelas mudanças climáticas
Começou a era da ebulição global do planeta?
por Leonardo Boff* no site A Terra é Redonda – Sociedade,
Aquecimento Global e Grandes Corporações Destrutivas
Esta expressão não é minha,
mas do Secretário Geral da ONU, António Guterrez, proferida no dia 27 de julho
de 2023, ao tomar conhecimento da aceleração inesperada do aquecimento global.
Este chegou ao ponto de o planeta entrar num processo de ebulição, dada a
incúria dos processos humanos, especialmente do industrialismo e produtivismo
capitalista (EUA, Europa, Japão, Rússia, Austrália, Canadá e China) que usam abusivamente de energia fóssil, carvão
e outros elementos produtores de efeito estufa.
O clima normal médio da Terra
é de 15 graus centígrados. Mas esta média começou a subir tanto que ultrapassou
em julho de 2023 a mais de 17 graus centígrados. Isso tudo se deve ao fato de
por ano serem lançadas na atmosfera cerca de 40 bilhões de toneladas de CO2 que
permanece na atmosfera por mais de 100 anos, acrescido ainda do ácido nitroso e
do metano que é 28 vezes mais danoso que o CO2, embora fique na atmosfera por
uns 9-10 anos.
As consequências deste aumento
se mostram por secas prolongadas, por inundações de inteiras regiões e cidades,
furacões, ciclones extratropicais como no Sul do país, queimadas em quase todo
o planeta. A inflexão sobre as vidas humanas são de grande monta. A conhecida
revista Nature Medicine calculou que o alto calor de 2022
provocou só na Europa 61 mil mortes. Nem falemos de África e da Ásia ou de
países mais pobres que vitimaram milhares de crianças e de pessoas idosas,
particularmente na parte central da Índia, onde a temperatura chegou a 50 graus
centígrados.
A observar o pouco que as
grandes corporações e os estados fazem para deter essa lenta mas permanente
ascensão da temperatura, tudo indica que já atingimos o ponto de não retorno. A
ciência e técnica chegaram atrasadas, não conseguem deter o aumento, apenas
ajudam a minorar os efeitos danosos que serão inevitáveis.
Mas nem tudo é fatal. Cabe
lembrar que o improvável pode acontecer: os seres humanos sob a percepção do
risco de desaparecer, dêem um salto de consciência, rumo à noosfera como
projetava Teilhard de Chardin ainda em 1933, vale dizer, unindo coração e mente
(noosefera) para mudar a forma de produzir, de consumir e particularmente de se
relacionar com a natureza, sentindo-se parte, não seus senhores e cuidando
dela.
Se observarmos a biografia da
Terra, constatamos que o aquecimento pertence à evolução de nosso planeta.
Quando ainda não existíamos como espécie sobre a Terra, há 250 milhões de anos,
o clima chegou e permaneceu por milhares e milhares de anos a 32 graus
centígrados. Ocorreu uma massiva extinção de espécies de seres vivos. Mais
tarde, há 50 milhões e anos a Terra chegou a 21 graus centígrados; os
crocodilos e as palmeiras adaptaram-se a esse aquecimento mas houve também
grande extinção de organismos vivos. Mais perto de nós, há 130 mil anos, a
Terra alcançou a temperatura que neste momento estamos verificando, de 17 graus
centígrados. Muitos seres desapareceram e o mar subiu entre 6-9 metros, o que
teria encoberto toda a Holanda e as partes baixas do norte europeu.
Esse aumento do clima
terrestre pertence à geo-evolução. Mas o atual é causado pelos próprios seres
humanos, não tanto pelas grandes maiorias pobres, mas pelas populações dos
países opulentos, sem a justa medida em suas ações seja no assalto sobre a
natureza seja nas formas de consumo suntuoso e nada solidário. Fala-se que
inauguramos uma nova era geológica, o Antropoceno. Por este conceito se quer
identificar que a grande ameaça à vida do planeta e ao futuro da natureza
depende dos seres humanos. Estes, na expressão do biólogo da biodiversidade
Edward Wilson, se comportaram como o Satã da Terra e transformaram o Jardim do
Éden num matadouro.
Alguns vão mais longe ainda e
referem-se ao necroceno, dado o crescente processo de morte (necro) de espécies
de seres vivos na ordem de 70-100 mil por ano. Ultimamente se tem falado do
piroceno, quer dizer, da era do fogo. Este é causado também pelos seres humanos
mas particularmente porque o solo ficou mais seco, as pedras se terem aquecido;
basta folhas secas e gravetos sobre elas para produzirem grandes e devastadores
incêndios por quase todo o planeta, mesmo na úmida Sibéria.
Que cenários poderemos
enfrentar? São todos sombrios, caso não ocorrer um salto quântico que defina
outro caminho e outro destino para o sistema-vida e o sistema-Terra. Não se
pode negar que o planeta, dia após dia, está se aquecendo. Os órgãos da ONU que
acompanham a evolução deste evento desastroso nos alertam que entre os anos
2025-2027 teremos ultrapassado os 1,5 graus centígrados, previstos para 2030
pelo acordo de Paris em 2015. Tudo se antecipou e nesta data, entre 2025-2027,
chegaremos ao que está ocorrendo atualmente, um clima que poderá se estabilizar
acima de 35 graus, chegando a 38-40 graus em algumas regiões do planeta.
Milhões deverão emigrar por não poderem mais viver em suas pátrias queridas e
safras serão totalmente perdidas.
O Brasil, atualmente, um dos
maiores exportadores de alimentos, verá sua produção profundamente reduzida.
Segundo James Lovelock, (Veja, 25 de outubro de 2006), o Brasil, por causa de sua vasta extensão
ensolarada, será um dos mais atingidos pelo aquecimento global e pelas mudanças
climáticas. Os do agronegócio deveriam estar atentos a essas advertências,
pois como escreveu o Papa Francisco na encíclica Laudato Si: como
cuidar da Casa Comum, dirigida a toda a humanidade e não apenas aos
cristãos: “As previsões catastróficas já não se podem olhar com desprezo e
ironia; deixaríamos para as próximas gerações demasiadas ruínas, desertos e
lixo” (n.161).
É o que ninguém quer para seus
filhos e netos. Mas para isso devemos nos munir de coragem e de ousadia para
mudar de rumo. Só uma radical mudança ecológica nos poderá salvar.
*Leonardo Boff é
eco-teólogo, filósofo e escritor. Autor, entre outros livros, de Habitar
a Terra (Vozes)
Publicado
no A Terra é Redonda: 08/08/2023
Fonte: https://aterraeredonda.com.br/comecou-a-era-da-ebulicao-global-do-planeta/